Jorge Silva Carvalho fez carreira nos serviços de informações, foi líder do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e agora é consultor empresarial. Considera graves as consequências da extinção do SEF e da desconfiança passada do agora primeiro-ministro na secretária-geral do SIRP
Corpo do artigo
Tendo por base a sua experiência, com que autoridade e legitimidade fica uma chefe máxima dos Serviços de Informações, estou a falar da embaixadora Graça Mira Gomes, secretária-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa, qual é a autoridade com que fica quando aceita manter-se no cargo sobre as ordens de um primeiro-ministro, Luís Montenegro, que quando era líder da oposição lhe retirou a confiança política?
A senhora embaixadora tomará as decisões que entender ao nível pessoal. Ninguém é obrigado a tomar decisões que não sinta que deva tomar. Em relação à posição do Sr. primeiro-ministro, entendo que há uma diferença grande entre ser líder da oposição e ser primeiro-ministro. O primeiro-ministro deve mostrar alguma noção de razão de Estado e, portanto, presumo que nessa sua decisão terá de ter ponderado os interesses nacionais e interesses superiores que provavelmente poderiam não passar pela sua opinião enquanto chefe da oposição. Isso só fica bem a um primeiro-ministro.
Mas do ponto de vista dela própria, da autoridade e da legitimidade que tem perante os serviços?
O que posso responder é que eu, provavelmente, numa circunstância dessas dificilmente aceitaria ficar. No entanto, qualquer mudança nos serviços de informações deve ser pensada sempre de uma forma muito estruturada. E deve ser pensada porque são entidades relativamente frágeis e, por outro lado, muito importantes. Poderiam ser muito mais importantes em Portugal, que efetivamente não o são, porque os serviços de informações hoje, no panorama geral da segurança internacional e da segurança nacional, são talvez o instrumento mais importante, sobretudo para potências como Portugal, para potências mais frágeis. Para potências que têm uma dependência muito grande em relação àquilo que é a influência externa. Porque hoje a nossa segurança interna depende quase exclusivamente de fatores externos. E a segurança internacional é a mesma coisa. Os interesses estratégicos de Portugal, os interesses nacionais, dependem claramente do conhecimento da realidade. Termos um instrumento que nos garanta um conhecimento atempado, que nos permita agir de forma preventiva, conhecedora, é fundamental. E, infelizmente, os serviços de informações são, há alguns anos a esta parte também, de alguma forma menorizados por um conjunto de fatores, por um conjunto de incapacidades do próprio país e também por um conjunto de vicissitudes que os afetaram. Não vou dizer que isso não é relevante. A história dos serviços não é propriamente controvertida, mas teve episódios algo controversos que dificultaram a evolução dos próprios serviços. Mas existe em Portugal e na macroestrutura política portuguesa uma falta de conhecimento grande para a atividade de informações, uma falta de perceção da importância das informações e, sobretudo, a vontade de apostar efetivamente nas informações. Vemos que os pequenos países do mundo que melhor se posicionam em termos daquilo que são os seus interesses internacionais, são países que apostam profundamente nos seus serviços de informações. E isto vale quer para a segurança interna, quer para a segurança externa, portanto, para a defesa nacional, se quiser. E é essa falta de aposta, essa falta de conhecimento, essa falta de compreensão para o mundo dos serviços de informações que limita muito a própria ação dos serviços. Para se conhecer esse mundo é preciso estar, de alguma forma, ancorado na lei, ancorado na Constituição e logo aí temos algumas limitações para a atividade dos serviços de informações que não são compreensíveis ainda nos tempos de hoje, nomeadamente à escala europeia, em que os serviços portugueses são claramente aqueles serviços que continuam a não ter capacidades que todos os outros têm, todos os outros serviços europeus têm e não só ao nível eletrónico.
Está a falar das interseções telefónicas, por exemplo.
Também. Mas depois há limitações e constrangimentos que têm a ver com o próprio investimento financeiro. A atividade de informações não é uma atividade cara quando comparada com a atividade de segurança pública ou com a atividade da defesa nacional. Não há equipamentos para se comprar. Tem de se apostar nas pessoas, tem de se apostar em formação, tem de se apostar em capacidade de gerir operações, de trabalhar no exterior, de desenvolver atividade de risco. E é toda essa atitude que falta em Portugal, que falta porque o risco compensa, mas é também um problema, não é? Porque traz-nos complexidades que temos de saber digerir. E acho que em Portugal preferimos evitar as preocupações e agirmos de uma forma simpática, de uma forma que não traga problemas, sobretudo que não traga problemas, porque a ideia de lidar com problemas é algo bastante controverso na nossa política.
Neste momento, pelo que descreve, os nossos serviços de informações são inúteis?
Não. Os serviços de informações são dotados ainda hoje de gente muito capaz. Também a sua estrutura humana tem algum nível de estagnação por força da própria evolução. As pessoas envelheceram, aquilo que era um grupo de pessoas que começaram no serviço na década de 90, hoje estão próximas da reforma.
Não rejuvenesceu?
Rejuvenesceu de alguma forma, mas não da forma que deveria ter sido feito, provavelmente, e não com a dimensão que deveria ter sido feita. Tentou-se fazer isso em meados da década anterior. Houve um grande input, mas também houve uma série de vicissitudes que prejudicaram depois a evolução dos próprios serviços. Dito isto, é preferível arriscar e cometer erros. E um país tem de ter noção de que os erros, desde que não sejam patológicos, podem ocorrer. E temos de viver com eles. Podem ser erros de apreciação individual, podem ser erros da chefia, podem ser erros do técnico ou da operação que correu mal. Mas esses erros, se forem feitos à luz do interesse nacional, se forem feitos à luz daquilo que é a missão última dos serviços, a proteção do país, a proteção das pessoas deste país, a proteção dos nossos interesses, esses erros têm que ser ajustados e o país tem que ter uma capacidade de gerir isto como uma potência, tendo em conta o interesse de Estado, que é uma coisa que tem sido posta um bocadinho de lado, em função de uma interpretação literal da legalidade. A interpretação literal da legalidade interessa a muita gente, sobretudo a gente que não quer que o Estado e o país funcionem de uma determinada forma. E, portanto, faltando isso tudo, os serviços estarão sempre numa posição menorizada e menos flexível para poderem ir atrás daquilo que é importante, que no fundo é a informação. E é informação decisiva, não é informação que está em fontes abertas, por muito útil que seja, mas é informação qualificada. E informação qualificada não tem a ver só com terrorismo, não tem a ver só com espionagem, com atividade de potências estrangeiras no nosso território ou contra nós, e isso acontece em vários sítios. Portugal tem interesses estratégicos em determinados países, países dos quais depende economicamente, países onde tem população portuguesa de grande dimensão, e tudo isto interessa para Portugal, porque se não prevermos isso, se não tivermos uma noção do que está a acontecer e não conseguirmos antecipar, não somos um país que tenhamos os meios para agir em força para agir para retirar uma população de 100 mil pessoas de um determinado país, para conseguir evitar uma catástrofe, para conseguir limitar, por exemplo, a perda do acesso a recursos naturais dos quais dependemos, gás, petróleo, etc. E, portanto, não temos a capacidade dos Estados Unidos, de um Reino Unido, que têm força militar capaz de agir, mesmo que percam os primeiros 100 metros, digamos assim, têm depois a capacidade para reagir. Nós não teremos essa capacidade para reagir.
Ainda sobre a embaixadora Graça Mira Gomes, acha que foi um incidente, o facto do então líder da oposição, agora primeiro-ministro, ter dito que retirava confiança política à chefe dos serviços de informação?
Acho que foi mais que um incidente, é um incidente grave.
Mas está sanado?
Para o senhor primeiro-ministro estará sanado, porque o senhor primeiro-ministro tomou a decisão, aparentemente, para já de não mexer nos serviços de informação.
E para a credibilidade dos serviços?
É irrelevante neste momento, porque os serviços de informações, como digo, infelizmente, não têm essa credibilidade e sobretudo não têm essa preponderância no espaço securitário e de defesa nacional. Infelizmente. Porque poderiam, mesmo com as atuais condições, mesmo com a atual capacidade existente ou a capacidade instalada nos serviços, poderiam render francamente mais.
Mas também porque talvez seja difícil encontrar alguém para ocupar este cargo de secretário-geral dos Serviços de Informações, não haverá assim muitas alternativas consensuais entre o PSD e o PS nesta fase.
Sim. Infelizmente, normalmente quando envolvem escolhas político-partidárias, as escolhas tendem a ser, não nos serviços de informações, mas em toda a administração pública em geral e muito particularmente nas áreas de segurança e defesa, uma espécie de mínimo dominador comum. É a pessoa que menos incomoda, é a pessoa que mais consegue alargar o consenso. Mas também acho que não depende das pessoas. O que falta muito para podermos ter mais pessoas com capacidade de liderar este tipo de entidades é também termos uma cultura nacional de segurança e defesa que ainda não temos. Há pouca gente, é um mercado relativamente pequeno de pessoas que se interessam por essa área. Já tivemos, aliás, alguns bons líderes políticos que conheciam a fundo as áreas de segurança e defesa. Isso tem-se vindo a perder. Hoje as lideranças políticas estão muito mais focadas na área económica, na área social e menos nessas áreas que têm vindo até a perder peso no seio da constituição dos vários governos. São hoje vistos como ministros problemáticos ou ministros laterais porque, quer na defesa, que é apesar de tudo mais pacificada, quer na administração interna, porque a administração interna tem sido um sorvedouro de ministros basicamente, porque é um ministério particularmente complicado. É um ministério que tem muitos problemas. Há uma enorme probabilidade de acontecerem situações incómodas para o governo, que vão dos fogos à gestão das polícias, à gestão da imigração, que são situações que acabam por afetar qualquer partido político e qualquer governo independentemente da cor e, portanto, são vistos como ministérios muito complexos. Ainda por cima numa situação em que há um forte constrangimento orçamental, ou houve um forte constrangimento orçamental, e não houve o investimento necessário nas várias estruturas desses ministérios.
Acha que a embaixadora Graça Mira Gomes, o mais certo, é ficar até ao final e reformar-se no cargo?
Sim. Se me pedem a minha opinião, acho que é a melhor solução.
Há pouco quando falava que tem havido casos ao nível dos serviços de informações que podem provocar alguns problemas na própria dinâmica dos serviços, são mais os casos noticiados de falhas do que aqueles que decorrem de intervenções ou operações de sucesso. Os sucessos nesta área não são ou não devem ser notícia?
Não, não devem ser notícia. Nunca são notícia e se forem notícia é mal visto. Aliás, aconteceram um ou dois sucessos que se tornaram relativamente públicos, lembro-me de um em particular em que eu na altura fui completamente contra o facto de ele ter sido publicitado. E foi um sucesso parcial, podia ter sido um sucesso muito maior, mas por decisão política, no tempo do governo do Dr. Durão Barroso, o Euro 2004, foi um sucesso que coartou uma operação que podia ter sido uma operação tremenda para os serviços de informações portugueses em conjunto com a Polícia Judiciária. Muitos dos atores naquele momento estão hoje em funções, a Sra. ministra da Administração Interna, o Sr. diretor nacional da Polícia Judiciária, que na altura – e isto não é nenhuma violação de segredo –, partilhava a minha opinião, mas acho que houve uma necessidade grande do poder político de capitalizar em torno de um incidente de cariz terrorista, se quisermos, matando a possibilidade de um trabalho futuro muito mais estruturado, porque as informações não trabalham por processos. Nós não temos o objetivo, a não ser em casos limite, trabalhando com a investigação criminal e com a Polícia Judiciária, de levar as pessoas ao tribunal, levar as pessoas a serem condenadas. Se tivermos meios de controlo de uma determinada situação, preferimos controlar essa situação para podermos recolher informação no futuro, informação que é fundamental e muito difícil de obter sobretudo no meio terrorista e sobretudo no mundo, no caldo de cultura do fundamentalismo islâmico, do extremismo islâmico e do terrorismo de inspiração islâmica.
Mas houve consequências no futuro, é isso? Daquela intervenção ter sido tornada pública?
Houve consequências de ter matado a possibilidade de se ter acabado com possibilidade de continuar por diversas formas que não interessa para aqui trazer, mas conseguir assegurar, digamos assim, o contínuo de recolha de informação ou matar quase totalmente.
A sua oposição à forma como se desencadeou essa operação ficou bem expressa no livro que escreveu em 2018 sobre o seu percurso no serviço de informações. E também fala na Dra. Margarida Blasco, atual ministra da Administração Interna, que era na altura a diretora do Serviço de Informações de Segurança. A ideia com que ficamos do que descreve no livro é que não ficou com muito boa impressão do desempenho da Dra. Margarida Blasco. Vou citar aqui uma parte que se refere à Dra. Margarida Blasco. Que diz que era “uma senhora descontraída, ligeira, simpática, preocupada com os vestidos e com as viagens internacionais”. Como é que vê agora a Dra. Margarida Blasco como ministra da Administração Interna? É assim tão ligeira?
Tento ser uma pessoa institucional, sempre tentei. A senhora ministra da Administração Interna merece-me todo o respeito por ser a ministra da Administração Interna de Portugal e certamente não contarão comigo para diminuir uma pessoa que tem a missão de gerir uma pasta tão importante para o país como a Administração Interna. As minhas opiniões do passado reitero-as, é uma recordação muito pessoal de um determinado momento da vida em que me expressei e tento sempre expressar-me de uma forma cortês em relação às pessoas, não gosto de ir longe demais ou ir ao osso, se quiser, nos comentários. O que posso dizer é que o Ministério da Administração Interna é hoje uma pasta central para o país a vários níveis, não só para o país que somos, mas para o país que também poderemos vir a ser, nomeadamente em dois capítulos fundamentais. Um que é o da imigração, é a política da imigração e a estrutura de controlo da imigração, e segundo, as áreas da segurança pública em geral, as áreas da atividade de polícia em geral. Depois há uma terceira área que é muito importante para o país e que tem repercussões nas populações, que tem a ver com a proteção civil e sobretudo com a atividade de bombeiros, prevenção de fogos e a reação a essa área. E que infelizmente tem sido sempre uma área dramática, apesar de tudo com algumas melhorias nos últimos anos. Dito isto, a Dra. Margarida Blasco é uma pessoa que tem uma experiência já consolidada, que não tinha na altura quando foi diretora dos Serviços de Informações. No fundo, caiu ali um pouco desamparada para uma missão que era particularmente técnica e difícil, mas hoje, fruto da sua experiência na IGAI, etc., já tem um lastro de conhecimento que deve ser relevante. Obviamente que sabemos também que na vida, quando falamos de experiência, às vezes a experiência é apenas um acumular de erros, sobretudo quando não temos a capacidade de tirar daí conhecimentos, tirar daí lições para mudarmos o nosso próprio curso e para melhorarmos a nossa própria capacidade de atuação. Mas diria que o Sr. primeiro-ministro, nesse aspeto, esteve bem. É sempre bom ter uma senhora no Governo. Acho que é importante para o país e ter uma senhora na administração interna, uma área particularmente masculinizada, tal como a Defesa. Acho que é importante termos alguém que venha com uma boa estrutura de conhecimento legal, jurídico, que venha da magistratura também. Portanto, nesse aspeto, formalmente, a Dra. Margarida Blasco corresponde.
Qual é o ponto fraco?
O ponto fraco, acho que é o Ministério que vai estar sob fogo cerrado para o aproveitamento político por parte de outros partidos da oposição. Em particular de um partido à direita da coligação governamental. Nem sempre esse debate se fará de uma forma leal. Haverá muita tentação de usar as estruturas sindicais, todas as reclamações justas, algumas um bocadinho injustas no sentido de serem desproporcionais, porque não se tem em atenção as condições efetivas do país, mas haverá muita tentação para usar isso para uma guerra sem quartel. E depois há um tema em particular, que é o tema da imigração, que é muito aberto também a todos os populismos e a todos os aproveitamentos que se possam querer fazer. A Dra. Margarida Blasco tem, na minha opinião, uma vantagem grande. É uma pessoa que gere silêncios e é importante a gestão desses silêncios, mais do que se expor a debates que depois revelarão mais fragilidades, digamos assim.
E essa fragilidade parte, por exemplo, da forma como foi refeita a organização do sistema de acolhimento de imigrantes, dividindo a parte policial da parte administrativa?
Acho isso um disparate de dimensões incomensuráveis. Se há coisa que foi feito de mal feito, de quase lesa-pátria em termos de reforma do país, foi a extinção do SEF. O SEF, independentemente dos seus defeitos e independentemente até das suas dificuldades, era uma organização que representava um avanço civilizacional. Nós regredimos civilizacionalmente. A separação das coisas pode parecer bem. Se fôssemos um país de uma determinada matriz organizacional, não faria muita diferença dividir as atividades, a atividade policial ou de investigação criminal, e a atividade administrativa. O problema é que somos um país avesso a fórmulas de cooperação. Não temos na nossa matriz genética, da organização pública, somos um país de casas fechadas. E, mais ainda, não somos um país que tenhamos enfrentado dificuldades extremas em matéria de segurança pública ou de segurança interna. Os países que as enfrentaram, países que estão permanentemente sob o foco do terrorismo, sob o foco da violência urbana, sob o foco de determinadas atividades agressivas que causam baixas na população, países europeus, o Reino Unido, a própria Espanha, que teve uma situação interna de terrorismo interno, uma situação de terrorismo externo de grande gravidade, França, o Reino Unido, as entidades aprendem a cooperar em matéria de segurança. Sabem que se não cooperarem as pessoas morrem ou pode haver dramas. Em Portugal isso nunca aconteceu. Nós vivemos numa espécie de jardim à beira-mar plantado em que as coisas vão correndo bem, porque a rede de amigos, a rede de contactos, as coisas vão-se falando e vão-se resolvendo. Mas nunca tivemos um stress test desta estrutura. Temos feito isto que fizemos, ainda por cima pelos motivos que aparentemente foram feitos.
Não foram provocadas pelas próprias falhas de que falava na organização do SEF?
Não. Acho que essa foi, aliás, a coisa mais terrível que foi feita. Foi uma liderança política que aproveitou um momento muito mau da história de uma organização para colocar quase que a infâmia sobre toda a organização, aproveitando esse momento para, de alguma forma, pôr em causa a organização e as pessoas que dela faziam parte. E isso da parte de uma pessoa, de pessoas ou de quem lidera o poder político é de muito mau nível. É francamente mau. Mais, extinguiu-se um serviço, que era um serviço respeitado, com quadros respeitados. Hoje muitos dos nossos quadros de topo do SEF estão hoje no Frontex, por exemplo, e foram recrutados por mérito próprio. São pessoas que quase que os vieram recrutar como os bons jogadores de futebol. E voltámos a ter o sistema, ou praticamente o mesmo sistema, que tínhamos antes com as polícias, com as forças de segurança, PSP, GNR, a Polícia Judiciária com a Investigação Criminal, o que tenho a certeza que será bem assegurado, porque a Polícia Judiciária é uma entidade profissional. Mas falta aquilo que depois havia com o SEF, que é uma coordenação in-house, uma coordenação dentro de casa completa e total. Em vez de se ter investido no SEF, em vez de se ter promovido uma reforma, em vez de se ter melhorado e ter atuado com uma cirurgia estripando o que estivesse de mal no SEF, não, fez-se uma coisa pior. Criou-se um monstro que ainda está longe de conseguir e criou-se mais do que isso, pôs-se em causa a credibilidade nacional. Portugal hoje, por várias formas, não apenas pela extinção do SEF, é um país visto com reservas ao nível do espaço Schengen porque não estamos a cumprir a nossa parte. Apesar da vontade, não estou a dizer que as pessoas não tenham vontade ou que as organizações não queiram fazer as coisas bem feitas, mas hoje o nosso passaporte vale pouco, é visto como um passaporte de aquisição fácil. Hoje a entrada de cidadãos da forma que é feita, não controlada, não verificada, sem nenhuma triagem, com imensas facilitações políticas, com pressões políticas inclusive sobre as embaixadas e consulados para que entrem pessoas, por motivos económicos e não só, Portugal tornou-se um bocadinho uma espécie de país em que os nossos parceiros europeus, sobretudo os do espaço Schengen, olham para nós com alguma renitência, digamos assim.
Isso coloca a imigração, o tema imigração, mais do lado da segurança ou mais do lado social?
Percebo a pergunta, mas não considero que se possa sequer dizer que não se põe do lado da segurança ou do lado social. A questão da segurança é fundamental. Só pode haver uma resposta económica e social através da imigração se for assegurado o capítulo da segurança, porque senão, não é viável, porque mais tarde ou mais cedo vamos hipotecar tudo. Nem sequer para as próprias pessoas que vêm.
Ou seja, o primeiro filtro tem de ser eficaz.
É securitário, claramente. O primeiro filtro passa por dois momentos. Uma coisa que Portugal nunca quis fazer, porque dá trabalho, que é selecionar o que é que queremos como perfil de imigração económica. Temos necessidades, claramente, e temos também uma necessidade conexa de substituição, de preenchimento da própria população, tendo em conta o decréscimo que a população portuguesa tem sofrido. Mas tomar decisões, tomar decisões políticas, independentemente de elas serem criticáveis, é legítimo trazer pessoas do espaço lusófono, por exemplo, que são pessoas com a nossa matriz linguística, que são pessoas que querem vir para Portugal, pessoas que querem vir trabalhar, que sempre vieram, é legítimo dar mais condições para que essas pessoas venham em detrimento de pessoas de outras origens? Na minha opinião, claramente que sim.
Mas com isso não se está a fazer uma discriminação? A escolher os imigrantes?
Não, mas a discriminação é do nosso direito. A discriminação subjetiva e económica.
E a questão humanitária das pessoas que fogem das guerras?
É diferente. A questão é precisamente a questão fundamental. O que se está a fazer, e a partir do momento em que se baixa o filtro, em que se deixa de ter em atenção aquilo que é a imigração económica, que é necessidade nossa, e também a necessidade das pessoas que para cá vêm, e que deixamos de filtrar, de escolher, de tomar decisões, e deixamos vir ao desbarato só estamos a fazer duas coisas. Na área económica, estamos a deixar que continuemos a fazer prevalecer uma economia de baixo valor. Porque, no fundo, vêm pessoas pouco qualificadas, porque não as selecionamos em função das necessidades que o país tem em termos económicos, não as selecionamos em função das suas características e, sobretudo, do seu contributo futuro, da sua formação ou conhecimentos profissionais. E, portanto, estamos a pôr em causa uma outra coisa. Estamos a inundar o país de pessoas que, legitimamente, querem vir trabalhar para sítios melhores, estamos a sobrecarregar determinadas áreas do país, não estamos a tirar vantagens, estamos a perpetuar uma economia de baixo valor, que é aquela que ainda temos. Pior, estamos a criar, porque como isto é feito desta forma, quer as pessoas queiram, quer não, como técnico da área securitária não tenho a tentação de fazer uma mudança da mentalidade do país. As pessoas são o que são, o país é o que é. E as pessoas quando se assustam, assustam-se. Quando as pessoas têm medo, têm medo. E reagem em função do medo. A minha função como técnico é aconselhar a fazer as coisas de forma diferente e os decisores políticos têm de ter em atenção se querem lidar com esse medo ou se querem lidar com uma integração estruturada das populações estrangeiras. Este medo que está a ser criado pela inundação imigrante, estes receios e o aproveitamento populista que é feito disso, põe em causa a própria política de refugiados. Porque as pessoas em Portugal e as pessoas na Europa em geral, passam a ter menos flexibilidade para entender as pessoas que vêm em fuga, que vêm por necessidade humanitária. Sobretudo quando essa necessidade humanitária é invocada por tudo e mais um par de botas, perdoem-me a expressão.
Se calhar do outro lado a porta está fechada, não é?
Não, não está. Aliás, a imigração ilegal, primeiro, é óbvia, mas a União Europeia não tem sequer espaço para agir da forma que deve agir. Porque neste momento é utópico pensar que Portugal, ou qualquer país europeu, consegue lidar com os problemas do mundo. Se pensarmos um dia que a China tenha um conflito interno e pensarmos que 500 milhões de habitantes da China vão fugir para a Europa, estamos conversados. O que a Europa tem de fazer é olhar para a sua política externa, cada vez mais numa lógica de prevenção destas situações. E aí a Europa continua a ser um anão político internacional. Há muito apoio individual, há muitos países a desenvolverem políticas individuais, mas não há uma política coletiva de antecipação do problema da imigração. Claramente que as coisas depois de acontecerem, é difícil não lidarmos com elas. O que aconteceu na Síria é um desastre humanitário de proporções gigantescas, assim como o que veio do Afeganistão. Mas a solução não é acolhermos todas as pessoas, é tentarmos resolver na origem e evitar que essas pessoas também percam. Não tenho dúvidas nenhumas que qualquer afegão preferia ficar na sua terra desde que tivesse condições de criar a sua família.
Sendo que resolver na origem não é necessariamente pagar para as pessoas ficarem lá retidas.
Não é forçosamente pagar, mas é ajudar a que as coisas se possam compor. Por outro lado, como a Europa, em particular a Europa, mas também os Estados Unidos, estamos a ser depois alvo, porque a imigração, esta imigração em geral, estes refugiados e a imigração ilegal está a ser usada como arma, por regimes autoritários, por regimes que são hostis aos países europeus e democráticos, liberais, e que querem pôr em causa esses países com essa imigração. A Turquia foi dos primeiros países a usar essa arma, a Rússia está a fazê-lo, outros países estão a fazê-lo. Isso para quê? Para provocar o desequilíbrio em países que eles veem como países hostis, porque a Rússia vê o espaço europeu como uma área hostil aos seus interesses. E, portanto, também não os quer, não quer esses imigrantes na Rússia, não quer esses imigrantes na Turquia, toleram-nos até certo ponto, mas preferencialmente querem encaminhá-los. Portanto, acho que devíamos questionar mais isso e menos a capacidade europeia, porque às vezes na Europa e nos países europeus, temos uma mentalidade hoje que se tornou mais evidente que é a mentalidade do coitadinho. E achamos que devemos ser mais bonzinhos que os bonzinhos e depois estamos a fazer o jogo de terceiras pessoas que não têm o mínimo pejo em tratar essas pessoas que vêm e que são pessoas penalizadas pela vida e tratá-las como se fossem, primeiro, um instrumento até de guerra, mas sobretudo sem a mínima preocupação humanitária, sem a mínima preocupação de qualquer modo. E, portanto, despejando em nós. E nós estamos a ser autofágicos. Muito da nossa população, muito da nossa reação mediática é autofágica.
Entende que estes fluxos de imigração podem ser associados diretamente à importação de métodos ou de redes criminosas para Portugal?
Sem qualquer dúvida.
Mas na mesma proporção? Ou seja, se aumentar a imigração aumenta na mesma proporção o risco de importar redes criminosas ou métodos?
Neste momento, e isso são dados relativamente públicos, mas mais do que dados públicos, grande parte da imigração de determinadas origens, vou citar só duas ou três, indo-paquistaneses e a imigração vindo do Brasil, grande parte dela já é controlada por redes ilegais.
Isso é na origem?
Na origem e não só. Porque, tal como o tráfico de droga, rapidamente essas redes se estabelecem nos países de destino. Portugal será mais ponto de receção do que de destino, porque muita dessa imigração também não fica aqui e isso é pernicioso porque os decisores políticos sabem disso. Claro que pensaram nisso só em termos económicos, sabem que Portugal tem pouca capacidade de reter a imigração. Porquê? Porque as pessoas estando no espaço Schengen preferem ir para economias mais desenvolvidas. Até economias que lhes deem outras condições, que paguem subsídios maiores, que tenham outro tipo de apoio, que haja mais emprego.
Então são fatores de fragilidade de Portugal no contexto internacional?
Sim, mas o que estamos a fazer é enxaguar e fizemos isso, até facilitamos a nacionalidade portuguesa, como se fosse uma coisa que é dada quase que por prémio, como se fosse um diploma universitário. O que também tem uma perda de valor inerente, porque as pessoas que aqui adquirem uma nacionalidade e em muitos países do mundo adquirem-na com quase como uma opção de vida, com brio, querem ser parte daquela comunidade.
Mas isso não cria um estigma? Se identificarmos esses pontos de origem como pontos complicados e também de importação de redes criminosas, então estamos a estigmatizar todos os que vêm de lá.
Não se fizermos as coisas como deve ser. Ou seja, não se o nosso sistema de controle de imigração começar nesses países como acontece com muitos países. Por exemplo o caso do Canadá ou o caso da Austrália.A Austrália desde cedo e o Canadá desde cedo que escolhem, primeiro, o tipo de pessoa, o tipo de formação que querem, que necessitam. Se são médicos, enfermeiros, engenheiros, com a maior das tranquilidades. E fazem a sua publicidade e escolhem inclusive as nacionalidades. Na Ucrânia, na Moldávia, na China,em Singapura, nos países que entenderem e têm quotas. E definem claramente isso. Até fazem mais: atribuem zonas do país onde essas pessoaspodem ser colocadas habitacionalmente e de uma forma estruturada. Isto são países profundamente democráticos. São países estabilizadíssimos. São países abertos e são países que nós não somos mais do que eles. A diferença é só esta: essa filtragem tem a participação imediata dos serviços de informações através das suas próprias embaixadas e é feita no exterior.Neste caso, o serviço de informações canadiano e australiano tem uma componente de vetting securitário e migracional tendo em conta a organização, porque não tem o mesmo tipo de organização de fronteiras que nós temos e de polícia de fronteiras.O Canadá tem uma polícia global, que é a Real Polícia Montada, e, portanto, tem uma componente específica diferente da nossa organização anterior, SEF, e da atual organização. Mas o que é certo é que as pessoas que fazem a atividade estão láe estão presentes na origem e estão presentes na origem das pessoas. Estão presentes no país onde se vai recrutar, onde se vai fazer esse advertising e onde se vai trazer imigrantes e vai-se dar oportunidades de uma forma aberta, porqueestes sistemas são controláveis. Não são vítimas de corrupção, não são vítimas de chantagem, não são vítimas de pressão política. Os sistemas canadianos e australianos são testados e verificados e há toda uma accountability por partedas pessoas que trabalham nessas áreas. Não quer dizer que não tenham erros, não tenham fugas, não tenham os seus equívocos, mas é assim. Portanto, o que eu defenderia para Portugal era uma coisaparecida, era uma atividade parecida e era uma política de imigração pensada. Que seja aberta, que seja baseada em fundamentos objetivos e que depois nos permita tercapacidade para sermos uma parte fundamental na política europeia de acolhimento aos refugiados. Porque para isso é preciso ter capacidade financeira e disponibilidade. Agora, se está tudoamarrotado com a imigração ilegal, com a imigração que não é ilegal, mas que é excessiva, que é facilitada, não vai haver capacidade social nem boa vontade para acolher os refugiados. Vai ser só vistocomo um ónus e vai ser tudo misturado. E isso é o que está a acontecer hoje na Europa.
Foi chefe durante quase três anos da chamada "Casa da Rússia", uma unidade de contraespionagem dos serviços de informações estratégicas de defesa para os países da antiga União Soviética. Há dois anos tinha dito numa entrevista aqui, no Diário de Notícias, que o regime russo era um cancro que só se estancava com a resistência da Ucrânia e com o drama que estava, e ainda está, a ser vivido pelo povo ucraniano que está a lutar também pela Europa. Acredita que é possível ganhar a guerra que se agravou nos últimos dois anos?
Depende do que entender por ganhar. Entendo que é possível que a Rússia não triunfe na Ucrânia. E até lhe digo mais, entendo que coloco-me naquele grupo de pessoas em que entendo que não temos outra hipótese senão prevenir isso e impedir que a Rússia ganhe na Ucrânia. Este regime russo é tudo aquilo que eu disse em 2022. Eu, aliás, estive a reler essa entrevista e não mudaria uma única vírgula daquilo que disse. Essa entrevista conjugada com um ou dois artigos que escrevi na altura pintam-nos exatamente aquilo que hoje temos na Ucrânia e a situação que temos na Ucrânia e sobre o regime russo digo exatamente a mesma coisa. Nada do que o regime russo esteja a fazer atualmente, nada dos mecanismos que usa, da forma como manobra e controla a informação e controla a desinformação em particular, me surpreende. Nada daquilo que tem sido a evolução interna do regime russo e a própria personalidade do presidente Putin me surpreende. Surpreende-me, não obstante, a estupidez que existe no mundo ocidental, quer à direita, quer à esquerda, de pessoas que ainda defendem esse regime, que ainda, de alguma forma, numa lógica quase antiamericana e antiocidental, uns pretendem defender o regime russo. Outros com saudosismos da lógica da União Soviética, como se fosse necessário ser pró-russo para ser antiocidental ou para ser antiamericano. Mas depois há outros mais graves ainda, que é uma extrema-direita e uma nova extrema-esquerda, mas uma extrema-direita em particular muito conservadora, que olha para o regime russo como uma salvaguarda de tudo aquilo que está errado para uma democracia.
E um financiador também.
Um financiador também, e não só um financiador, mas sobretudo como uma bandeira. O regime russo tem um conjunto de contradições. É um regime neoimperialista e neocolonialista e, no entanto, todo o discurso é anticolonialista e de apoio aos países em relação ao contrariar as potências coloniais anteriores. As potências coloniais anteriores são muito menos imperialistas atualmente do que é o regime russo. O regime russo é um regime expansionista como se vê na Ucrânia. Todo o discurso russo em relação à Ucrânia era a mesma coisa que nós, Portugal, se calhar com mais legitimidade, diríamos em relação a Cabo Verde, São Tomé, Angola, etc. E, portanto, é tão ridículo quanto isso. Mas é válido se os russos dizem, mas se nós o disséssemos já não era a mesma coisa, já teríamos aqui uma série de reações. Na extrema-direita é mais grave, porque a extrema-direita e a direita populista olham para o regime russo como o arauto do combate aos excessos do movimento woke, o combate aos liberalismos excessivos na política de integração das minorias, inclusive regimes autoritários, e já não é só a Rússia, mas regimes autoritários que na Europa hoje são muito acarinhados por alguns grupos de extrema-direita e de extrema-esquerda e que são profundamente repressivos em relação ao direito das mulheres, em relação aos próprios direitos democráticos mais básicos, o direito a voto, o direito a eleições. Estas eleições na Rússia não são eleições, são uma charada destinada a endeusar o senhor Putin. Todos nós sabemos disso, mas, por exemplo, é triste ver órgãos de comunicação social em Portugal, para falarmos do mais óbvio, a fazerem títulos como “Eleições. Putin ganha com X%”, como se tivessem sido eleições efetivas. Assumirmos isso é de alguma forma legitimarmos e pormos aquela charada de democracia ao nível daquilo que são as nossas democracias, por muito imperfeitas que sejam. Portanto, a Rússia não vai parar. A Rússia olha para nós e vai usar sempre esta dupla face. A Rússia tem a lata, recentemente o senhor Putin e o regime, de questionar Portugal e de uma posição de hostilidade. Há dois anos declarou Portugal seu adversário por fazer parte da NATO e da União Europeia. Portanto, Portugal que nunca fez nada contra a Rússia foi logo posto nesses termos. Não temos hostilidade nenhuma em relação à Rússia. Nem Portugal, nem nenhum dos nossos líderes políticos têm alguma hostilidade em relação a Rússia. Temos hostilidade em relação às práticas da Rússia e em relação ao senhor Putin e em relação àquilo que ele defende internamente, que é uma posição, no fundo, protofascista dentro do seu país. O senhor Putin é um protofascista. Exatamente com a mesma mentalidade e com o perigo de se tornar uma espécie de novo nazismo na Europa. E isso, por mais cores que lhe ponham e por mais gente que em Portugal possa achar que, com base na sua motivação política ou ideológica antiamericana, antiocidental, possa defender.
Ficou surpreendido com o acordo militar feito entre São Tomé e Príncipe e a Rússia?
Não. Temos dentro do espaço lusófono países que são praticamente inviáveis. São Tomé e Príncipe houve uma altura que, por exemplo, tinha relações diplomáticas com Taiwan. É um país muito frágil em termos económicos, muito frágil também em termos políticos. Portanto, não me admira que num determinado momento, num determinado contexto como o que aconteceu agora, possa haver esse puxo da parte, neste caso, da Rússia também, porque não é São Tomé. Não foi São Tomé que foi bater à porta dos russos e disse que venham. E, portanto, de onde venha dinheiro, basicamente, perdoe-me a expressão e ser um bocadinho mais cru na atuação, mas poderia dizer-se o mesmo na Guiné-Bissau.
Mas isso não foi um vazio deixado por Portugal também?
Sim, mas isso é um vazio grave. Podemos dedicar quase um tema de uma entrevista a isso e tem muito a ver com o que se passou no último governo, mas também nos governos anteriores, porque Portugal tem-se vindo a demitir da sua componente de interesses nacionais na lusofonia. A lusofonia tem vindo a tornar-se um parceiro menor e uma área de política internacional menor porque é incómoda. É incómoda perante uma determinada mentalidade que graça hoje na esquerda portuguesa, que é lidar com as ex-colónias, como se isso fosse uma tragédia ou fosse um problema. Não é, não temos de ter vergonha da nossa história, tem aspetos muito positivos e tem aspetos negativos, mas temos povos irmãos, porque com Angola, com Moçambique, com todos os países lusófonos, temos uma relação quase de irmandade. Só quem não conhece a realidade é que não percebe como as comunidades angolanas e portuguesas estão, por exemplo, interligadas, ou a cabo-verdiana. Só quem não tem a capacidade de olhar para Timor-Leste e não percebe o que é o peso histórico e o peso social e demográfico das relações entre os dois países. Se olharmos só num contexto económico, então de um contexto puramente económico podemos desvalorizar. O que acho é que Portugal, e foi assumido também pelo anterior governo, claramente que se passou a dedicar aos assuntos europeus de uma determinada forma. Mas até isso foi pequena política, porque a intenção de dar mais importância aos assuntos europeus não teve a ver com o desenvolvimento nacional, mas teve a ver mais se calhar com as saídas profissionais das lideranças políticas nacionais. É mais fino estar na Europa, tem cargos disponíveis, etc. Acho que Portugal aí tem de recuperar e muito, até porque tem um papel para a nossa economia, para a nossa imigração, com a vantagem, por exemplo, de facilitar muito a integração social. Porque nos países da lusofonia temos pessoas qualificadas. Mesmo a nossa economia de baixo valor precisa de trabalhadores que poderiam vir claramente das ex-colónias e que poderiam integrar-se facilmente em Portugal. Portugal não é um país que discrimina tradicionalmente em função da cor. Nós estamos habituados a sermos pessoas multiculturais e multicoloridas, digamos assim. Somos um país, só quem não nos conhece, somos um país que poderia ter passaportes que tem pessoas de origem chinesa, de origem timorense, de origem goesa e continuaremos a ser assim. E, portanto, fazer o contrário é que está a insuflar em Portugal novos estigmas e novas reações muito provocadas pelo medo, pelo receio, por algumas resistências e pelo alimentar de alguns medos também politicamente, que criam depois resistências à imigração, digamos assim.
