Pacto de regime na saúde é a Constituição: partidos respondem a Marcelo e denunciam falta de "pragmatismo"
Os partidos PSD, CDS, PS, Chega e IL não fecham a porta a um acordo político no setor da saúde, mas há quem entenda que não há condições para o criar. Já o Livre e PCP confessam estar "cansados" de ouvir falar neste tema, afirmando que o pacto de regime já existe e corresponde àquilo que a Constituição já prevê.
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Em causa está a sugestão deixada pelo chefe de Estado na quinta-feira para que os partidos cheguem a um acordo político sobre o papel do SNS, do setor social e do setor privado na saúde, para que haja um quadro de médio prazo. Marcelo Rebelo de Sousa defende que "sem definir isto com alguma clareza, é muito difícil ter um quadro de atuação política, a atuação política passa a ser casuística".
O tema foi debatido no Fórum TSF desta sexta-feira. Sobre isto, o deputado social-democrata Francisco Sousa Vieira afirma igualmente que é preciso um "novo consenso alargado", apontando que aquele que foi criado pelo Governo da geringonça (PS, BE e PCP) em 2019 deu "não surtiu efeito e foi até prejudicial".
"A Lei de Bases [da Saúde] de 2019 foi um consenso gerado à esquerda, mas ignorado aquilo que era a intervenção do PSD e CDS e de outros partidos. Quando a discussão foi feita para introduzir uma nova Lei de Bases da Saúde, esse consenso foi ignorado", critica.
Francisco Sousa Vieira acusa, por isso, os socialistas de continuarem a "bater o pé" para defender a manutenção da Lei de Bases da Saúde, que considera ser "castradora" e impeditiva da resolução de "muitos" dos problemas no setor.
Seguindo a mesma premissa, o deputado do CDS João Almeida entende que, durante a governação de esquerda, "a resposta pública em saúde piorou e o número de portugueses com seguro de saúde aumentou como nunca". Mas admite que também o Executivo da AD foi, até agora, incapaz de obter resultados que respondam à expectativa dos portugueses.
"Todos devemos ter essa humildade de reconhecer que ainda ninguém conseguiu, na saúde, resolver o problema. E isso tem muito que ver com questões estruturais, como, por exemplo, a falta de profissionais de saúde em algumas áreas. As áreas da ginecologista e obstetrícia são uma dessas áreas. Ninguém inventa ginecologistas e obstetras de um momento para o outro", justifica.
Já para Mariana Vieira da Silva, vice-presidente do grupo parlamentar do PS, é "muito difícil haver pactos de regime quando um dos intervenientes sistematicamente diz que a culpa de tudo o que está mal é do Governo anterior", assinalando que alguns desafios que o país enfrenta são comuns a toda a Europa. E lamenta a falta de resposta do Governo de Luís Montenegro relativamente às medidas propostas pelos socialistas.
"O PS ainda em junho propôs ao Governo uma medida que pudesse ajudar a organizar a gestão das emergências hospitalares. De junho a outubro não ouvimos nada", atira.
Durante a tarde desta sexta-feira, a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, vai estar no Parlamento para a discussão na especialidade do Orçamento do Estado para 2026. Mariana Vieira da Silva adianta, por isso, a questão que os socialistas vão colocar à governante. "Os recursos humanos no próximo Orçamento crescem 5% e neste ano estão a crescer 12,1%. A nossa pergunta é: esta verba que aqui está para recursos humanos é suficiente para continuar a contratar os que são necessários, para assumir os aumentos que já foram negociados e para prosseguir algumas negociações que estão em curso? Não nos parece fácil que possa conter essa despesa", sustenta.
E ressalva que o texto orçamental é uma "representação do falhanço de todas as medidas de política lançadas por este Governo", referindo serão feitos cortes na aquisição de bens e serviços, ao mesmo tempo que o Executivo garante que vai ter mais concessões ao setor privado. "É um orçamento muito irrealista", conclui.
A deputada do Chega Patrícia Nascimento garante, por outro lado, que o partido "não fecha a porta a nenhum consenso", sublinhando que há abertura a "qualquer tipo de diálogo", sobretudo se for para "valorizar e reconhecer os profissionais".
"Têm é de falar connosco", ressalva.
No caso da Iniciativa Liberal, o deputado Mário Amorim Lopes vinca que os liberais têm dito que é necessário um "acordo para as reformas no SNS", mas, mais do que isso, acredita que é urgente "mais pragmatismo".
"Em vez de se estar a alimentar esta guerra permanente entre público, privado e social, o que se devia fazer era ser pragmático e dizer assim: 'Como é que resolvemos os problemas na saúde aos portugueses?'", sugere.
O liberal confessa ainda estar convencido de que a "maioria" dos portugueses não quer saber se a instituição onde lhes são prestados cuidados de saúde é pública ou privada. "O que quer saber é se tem de pagar por aquilo ou não - e isso não pode estar em causa, o acesso à saúde tem de continuar a ser gratuita e universal - e tem de ser com qualidade", diz.
Quem partilha uma visão alternativa a estas posições é o Livre e o PCP, que admitem estar "cansados de ouvir falar de pactos".
"O pacto para a saúde que temos é aquilo que a Constituição prevê e aquilo que a Lei de Bases da Saúde também prevê", asseveram.
Paulo Muacho, do Livre, acrescenta igualmente que o plano de emergência apresentado pelo Governo para resolver os problemas na saúde é um "enorme falhanço".
Já o comunista Bernardino Soares denuncia que os pactos servem "sempre para desvalorizar mais os serviços públicos". "Há um pacto que está previsto na Constituição que diz que toda a gente tem direito à saúde e que o SNS é um instrumento para garantir a todos uma saúde universal, geral e gratuita. E, acrescento eu, em todo o território e não serem as pessoas discriminadas conforme o sítio onde estão", remata.
O Presidente da República comentou na quinta-feira que "está cada vez mais difícil" estabelecer convergências e aparecem "clivagens" mesmo "em matérias tão importantes como, por exemplo, a definição de quem é português, a definição de quem não sendo português pode viver em Portugal, a definição da política externa ou da política de defesa ou de segurança, a definição da política educativa".
Referindo-se ao setor da saúde, lamentou: "Se acaba o Governo, entra outro com outra política de saúde. Depois entra outro, que tem outra política de saúde. Não há política de saúde que aguente, não há. Ou melhor, não há saúde que aguente."
"Talvez valha a pena pensar que não é boa ideia de cada vez que muda de Governo mudar-se de política também no domínio da saúde", aconselhou.
Para o chefe de Estado, "as matérias sobre as quais se ganharia em fazer essa convergência" são essencialmente duas: "A visão que se tem do sistema nacional de saúde" e "a visão que se tem da gestão do SNS".
