O tabu de Montenegro (outra vez), Pedro Nuno admite derrota na pobreza e ainda o futuro da Justiça e da Segurança Social
O derradeiro debate entre os líderes partidários nestas legislativas aconteceu na rádio e ficou marcado pela ausência do candidato do Chega.
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Houve um lugar vazio, entre as oito cadeiras que deveriam estar preenchidas no debate das legislativas na rádio. André Ventura alegou conflitos de agenda, por causa da campanha eleitoral, e não compareceu ao debate organizado pela TSF, a Antena 1, a Rádio Renascença e a Rádio Observador. Durante vinte minutos de debate, os lugares vazios chegaram até a ser dois. Luís Montenegro chegou atrasado, perdendo a primeira parte do debate. Quando apareceu, voltou a não desfazer, por nada, o tabu e recusou responder se viabilizará um eventual futuro governo socialista.
Em cima da mesa, ao longo de debate, estiveram temas até agora mais ausentes da discussão entre os candidatos - desde a realidade da pobreza às questões de Defesa. E houve ainda espaço para uma série de perguntas mais "fora da caixa".
O “tabu” que Montenegro não desfaz
Questionado sobre os cenários futuros de governabilidade, o líder do PDS voltou a rejeitar dizer se rejeitar viabilizar ou não um Governo socialista, assim como não respondeu o que fará perante a pressão do Presidente da República.
"O PSD e a AD vão governar o país com a confiança dos portugueses e é nesse cenário que nos apresentamos às pessoas", disse Luís Montenegro, acusando o secretário-geral do PS de trocar constantemente de posição sobre o assunto: "É uma perfeita confusão."
Pedro Nuno Santos respondeu e esclareceu que a visão do PS "é muito distante da do PSD", mas também escusou-se falar da possibilidade de um governo minioritário à direita. Para o líder socialista, é possível "construir maioria com o objetivo de fazer o país avançar e o povo viver melhor".
Com portas abertas à uma nova gerigonça, Pedro Nuno lembrou que "um acordo escrito é mais transparente, permite compromissos claros, mas não impede que possamos fazer mais". A coordenadora do Bloco de Esquerda partilhou a mesma posição e defendeu ainda que "vale a pena haver entendimento", e que esse entendimento deve ser para a legislatura. "Não vai haver nenhuma maioria absoluta, o que importa são as alternativas em jogo", afirmou Mariana Mortágua.
"Temos sido claros desde o início sobre a necessidade deste entendimento. Já foi assim no passado, não há nenhuma razão para que não possa voltar a sê-lo", acrescentou a líder bloquista, que disse "confiar" numa maioria de esquerda. Desta forma, defendeu, será possível resolver problemas como o aumento das prestações do credito à habitação - que, para Mariana Mortágua, deve ser controlado com recurso à CGD. "Já tentaram convencer-me de que era ilegal, mas não é", atirou.
Por outro lado, Paulo Raimundo considerou que o que "fará a diferença" nas eleições de 10 de março é o número de deputados que CDU vai conseguir eleger. Depois disso? "O que conta é o conteúdo", disse, mantendo disponibilidade para conversações com o PS. "Queremos ser determinantes para os conteúdos e soluções", ao contrário da direita que quer que "voltemos aos tempos da troika", criticou.
Se Montenegro manteve o tabu, o líder da IL foi claro sobre que posição tomará após os resultados das eleições de março. "Sabemos com quem nos entendemos e com quem não nos entendemos e nunca mudamos de posição (...) connosco ‘não’ é ‘não’”, disse Rui Rocha, garantido que não há espaço para entendimentos nem com o Chega nem com os socialistas. Numa referência a André Ventura, Rui Rocha acusou a esquerda de querer trazer ao debate quem não está e não quis estar, com "falta de respeito pelos ouvintes".
O deputado único do Livre serviu-se destes argumentos para concluir que em cima da mesa estão, por isso, duas possibilidades: um Governo à esquerda ou à direita, sendo que "o Chega, longe vai o agoiro, se obter uma maioria absoluta". Assim, Rui Tavares defendeu que o importante é responder ao seguinte: "Imaginemos que o campo da esquerda tem 42% das intenções da direita e o campo da direita 38%. Sabemos que o Chega apresentará uma moção de rejeição (...). A IL votará a favor? E o PSD?"
Rui Tavares admitiu que o país pode entrar numa fase de ingovernabilidade e, como tal, o papel de Marcelo Rebelo de Sousa pode vir a ser "muito importante", sublinhou.
Sobre esta questão, a porta-voz do PAN considerou que os socialistas “desperdiçaram” uma maioria absoluta, o que prova que obter a maioria dos assentos no Parlamento não é garante de estabilidade.
O mea-culpa de Pedro Nuno e o futuro da Segurança Social
De possíveis cenários para uma realidade concreta, Pedro Nuno Santos assumiu que a pobreza é "a maior derrota" socialista e considerou que o combate ao problema é um dos maiores desafios do país, destacando a necessidade de diversificar as fontes de financiamento da Segurança Social, como, por exemplo, utilizando receitas de novas concessões de autoestradas ou portagens.
"Esta proposta é para avançar, tal como é o debate para chegarmos à reforma estrutural de financiamento da Segurança Social, que não dependa exclusivamente das contribuições dos trabalhadores", realçou o líder do PS, acusando a IL de querer acabar com fontes de financiamento fundamentais como o adicional do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), ou o adicional da contribuição do setor bancário.
Já o presidente do PSD, Luís Montenegro, em representação da Aliança Democrática (PSD, CDS-PP E PPM), deixou o debate em aberto para fazer uma discussão profunda sobre as fontes de financiamento e a sustentabilidade da Segurança Social.
"A nossa perspetiva não é fazer nenhuma alteração nesta legislatura", admitiu, esclarendo que primeiro pretende fazer um estudo de toda a informação sobre esta matéria que, nesta altura, frisou, está nas mãos do Governo. Para Montenegro, é preciso perceber, de facto, se estamos numa rota de sustentabilidade, porque, alegou, no passado, houve outras alturas em que outros governos garantiram que ela existia e não existia.
Questionado também sobre a proposta da IL para a privatização da Caixa-Geral de Depósitos, Luís Montenegro garantiu que está "fora de hipótese" para o PSD.
Antes, o líder da IL tinha considerado que não se pode falar em sustentabilidade, quando uma pessoa atualmente com 50 anos perspetiva uma perda de rendimento de 50% quando se reformar e defendeu a "possibilidade de as pessoas que estão no mercado de trabalho, além de contribuírem para as reformas, começarem também a construir a sua poupança". Rui Rocha garantiu que, se a IL chegar ao poder, "não haverá um cêntimo de redução das pensões em pagamento”.
Para o BE, o objetivo da IL "não é proteger as pessoas", mas sim "entregar mais um negócio aos mercados financeiros", o que teria consequências "desastrosas", exemplificando com o curto Governo da liberal Liz Truss, no Reino Unido, cuja instabilidade causada nos mercados financeiros teve consequências nos fundos de pensões.
Mariana Mortágua insistiu na necessidade de "diversificar o valor acrescentado bruto através de fontes diversificadas" e propôs um imposto sobre as grandes fortunas. "Uma forma de combater a pobreza é reduzindo as desigualdades", notou.
Já o secretário-geral do PCP defendeu que "não há nenhum problema de sustentabilidade da Segurança Social", mas sim "um problema de sustentabilidade da vida das pessoas". Para Paulo Raimundo, "não vale a pena estarmos a chorar lágrimas de crocodilo" e o aumento dos salários e das pensões são uma resposta para o problema, argumentou, numa ótica de que levantando-se os rendimentos, também se elevam as contribuições.
Da parte do PAN, a porta-voz, Inês Sousa Real, criticou também a proposta da IL de usar receitas da privatização da CGD, lembrando que a única caixa que continua a ser privada é a dos advogados e solicitadores, apontando os problemas que tem ao nível de proteção na maternidade ou na doença, propondo ainda a sua integração no sistema público.
Por fim, Rui Tavares, do Livre, felicitou a escolha das rádios para o primeiro tema do debate, que tinha ficado de fora dos anteriores, e defendeu a criação da chamada "herança social", que garantisse cinco euros por bebé e de um imposto sobre as grandes heranças, acima de um milhão de euros. “O nosso país é suficientemente rico para querer erradicar a pobreza como fenómeno estrutural", conclui.
O pacto na Justiça
Relativamente à Justiça e ao funcionamento do Ministério Público em Portugal, Pedro Nuno Santos recusou-se a criticar alguém que não Luís Montenegro. Questionado sobre se está disponível para um novo pacto de justiça com a AD durante a próxima legislatura, o secretário-geral do PS disse que não pode esperar resposta por parte da oposição, já que “do líder do PSD normalmente vem um ‘nim’”.
No entanto, Pedro Nuno sublinhou que uma discussão sobre Justiça seria melhor se existisse um "consenso mais alargado", que incluisse o PSD . “O mau sistema judicial em Portugal só ajuda verdadeiros corruptos”, condena.
O PS quer "clarificar a hierarquia do Ministério Público, sem nunca colocar em causa a sua autonomia" e Pedro Nuno Santos defendeu que a comunicação pública deste órgão "deve ser clara". Para o líder socialista, "o mau funcionamento da Justiça só serve verdadeiros corruptos porque podem dizer no meio desta confusão que é tudo igual e não é tudo igual".
Por outro lado, o presidente do PSD deu uma nota "mais negativa do que positiva" à Procuradora-Geral da República "na medida em que o Ministério Público tem, fruto da sua ação, muitas vezes visto as suas conclusões contrariadas por decisões de juízes".
"E portanto, desse ponto de vista, é criada uma expectativa relativamente a acusações que são feitas, relativamente a imputações que são feitas até em fases processuais anteriores à acusação que muitas vezes não têm respaldo", acrescentou.
Na ótica de Luís Montenegro, "o Ministério Público não existe para acusar, existe para investigar", ressalvando que "não existe nenhum problema do ponto de vista legal com o MP em Portugal" e que este, "grosso modo, funciona bem".
Tal como Luís Montenegro, também Rui Rocha mostrou-se "disponível" para um pacto entre partidos", desde que "não for para manter tudo como está". No campo da Justiça, Rui Rocha propõe avaliar a fase de instrução dos processos (que considera que se tornou num outro julgamento), e critica a avaliação que é feita do Ministéirio Público, dando-lhe "notas", considerando que se trata de uma polarização com base na Justiça.
Já para a líder bloquista, o problema da Justiça não é exclusivo ao Ministério Público. Para Mariana Mortágua, o tempo das investigações, o excesso de recurso a privão preventiva e o custo "demasiado caro" da Justiça são alguns dos problemas estruturais que importam debater.
Além de meios e apoios, na perspetiva do PAN, é preciso garantir uma Justiça célere e eficaz, mas também acessível - porque não pode "ser só para ricos". No debate das rádios, Inês Sousa Real defendeu que é preciso "rever a tabela de custas processuais". Também os honorários dos profissionais da Justiça, alegou, têm de ser revistos.
Por fim, o deputado único do Livre defendeu um consenso alargado na Justiça, mas exluiu o Chega, considerando que "claramente há um partido em Portugal interessado em cavalgar ideia de que na política são todos uns malandros".
Rui Tavares disse que o programa do partido de André Ventura inclui medidas que “atentam contra a dignidade humana”, como a defesa da legitimidade de obter informação de forma abusiva. “Há uma grande ingenuidade da parte da direita quando acha que pode pôr toda a gente no mesmo pacto”, rematou.
O apoio (quase) unânime ao apoio militar à Ucrânia
Numa pergunta lançada a todos os protagonistas, todos respondem "sim" ao apoio à Ucrânia, à exceção do PCP, que se opõe ao "apoio militar" apesar de ser a favor do "apoio humanitário" ao “povo ucraniano e russo”.
Pedro Nuno Santos afirma que os compromissos com a NATO, até ao final da década, é para ser respeitado. "O Estado português vai cumprir", garante o líder socialista, a propósito do investimento de 2% do PIB exigido pela Aliança Atlântica. "Nao há espao de hesitação."
"O reforço da indústria militar tem de ser uma prioridade", acrescenta Pedro Nuno Santos, afirmando que, em vez de comprar sempre lá fora, seria bom que a despesa do Estado tivesse consequências na indústria portuguesa.
No ataque ao PSD, o líder do PS sublinhou que pode fazer este invetsimento já que não procura fazer uma "aventura fiscal" que vai arrombar com as contas do país. "Não temos esse problema", disse.
Questionado sobre um eventual regresso do serviço militar obrigatório, Pedro Nuno Santos rejeita-o. "Não é esse o caminho." Defende que o caminho deve ser, em vez disso, "valorizar a carreira militar" - "temos de rever a carreira e a grelha slaarial, dentro da capacidade financeira e orçamental do Estado".
Também Luís Montenegro não coloca em cima da mesa o serviço militar obrigatório, mas defende “um sistema de incentivos para recrutar mais portugueses para o serviço militar”.
O líder da AD diz-se comprometido em reforçar o investimento na Defesa e em manter como aliados a NATO e a União Europeia, acusando o PS de admitir entendimentos com partidos que rejeitam estes aliados, numa referência ao Bloco de Esquerda e ao PCP.
A Iniciativa Liberal também diz "não" tanto ao recurso a grupos militares privados como ao serviço militar obrigatório: "É uma recruta que não serve para nada a não ser os jovens perderem tempo", defende.
Mariana Mortágua começou por responder a Luís Montenegro, afirmando que "se não baixar o IRC à banca, talvez possa fazer investimentos na defesa". Centrando-se nas propostas do Bloco de Esquerda, a coordenadora do partido considera que "Portugal deve colocar-se em posições de paz", nomeadamente em altura de guerra na Ucrânia e do "genocídio" em Gaza.
Mortágua criticou ainda as compras de submarinos a uma empresa alemã e "cuja utilização é questionável", defendendo que o investimento na Defesa não deve "ceder aos interesses estrangeiros". O BE lembra que hoje em dia "volta-se a discutir a necessidade de comprar navio polivalente do que os submarinos".
No que à Defesa diz respeito, o PCP defende que a prioridade é responder ao “descontentamento crescente e latente nas Forças Armadas”, argumentando que não o fazer seria "um erro perigoso".
Sobre a possibilidade de os militares poderem fazer greve, Paulo Raimundo diz que podemos "ficar descansados" que os profissionais das Forças Armadas encontrem formas responsáveis e cumpridoras da Constituição que "juraram cumprir e fazer cumprir".
O comunista não compreende como é possível "gastar 2% do PIB" com a NATO e por outro lado não responder às reivindicações das Forças Armadas.
Os temas "fora da caixa"
Questionado sobre se Pedro Passos Coelho participará na campanha do PSD, a resposta de Luís Montenegro foi curta: "Logo veremos".
Depois de ter afirmado que a última vez que foi a um hospital foi no setor privado, Pedro Nuno Santos é questionado sobre quando foi a última vez que foi ao um hospital público. "Não foi há muitos meses", responde. "Fui ao Hospital Santa Maria", acrescenta, "e o meu filho também, à Estefânia".
"O SNS dá resposta aos problemas da minha família, como dá resposta aos problemas dos portugueses", declara Pedro Nuno Santos, admitindo que, ainda assim, não deixa de recorrer também ao setor privado "como outros portugueses".
O líder socialista foi também questionado, depois da promessa socialista de que todos os portugueses teriam médico de família, se ele, de facto, tem médico de família. E Pedro Nuno Santos admite que não. "Eu, neste momento, não tenho médico de família", afirma. "Tem a minha mulher, tem o meu filho, eu não tenho."
Rui Rocha foi várias vezes ao centro de saúde de Algueirão Mem-Martins, onde não há taxa moderadora, daí a questão dos jornalistas: quanto custa uma taxa moderadora nas urgências? “As taxas moderadoras foram abolidas”, ressalva o líder da IL, mas nos casos em que ainda se paga ronda os 20 euros, responde. Entre 14 e 16 seria a resposta mais correta.
À esquerda, questionada se é desta que cumpre o sonho de Francisco Louçã de ser ministra das Finanças, Mariana Mortágua assume que o BE estará "pronto para assumir responsabilidades".
O PCP exige que se averigue a morte de Navalny? Desta vez não é uma ingerência num assunto interno da Federação Russa? “Não”, responde o líder do PCP. “Perante as circunstâncias doo acontecimento é normal que se exija o esclarecimento cabal do que aconteceu e que perante esse esclarecimento cabal se retirem consequências.”
Inês Sousa Real afirma que a proteção dos animais é uma "linha vermelha" do partido, para o futuro político, mas não faz depender a aprovação de um Orçamento de Estado de uma medida que estabeleça que a assistência às tourada suba para a idade mínima de 16 anos.
Círculo de compensação e telemóveis nas escolas
Outra pergunta para todos, a propósito dos 50 anos do 25 de Abril: concorda com a introdução de um círculo nacional de compensação? Com mais ou menos ressalvas, todos os partidos à esquerda se mostraram disponíveis para fazer essa "reflexão", incluindo o PS.
Luís Montenegro colocou mais reservas. “É mais importante reforçar a representatividade dos ciclos com menor representação”, defende. Já a IL dá “um sim claro” à introdução de um círculo nacional de compensação.
Questionados ainda sobre o uso de telemóveis nas escolas, o BE considera que devem existir limitações" e Portugal deve pensar "sobre dar um passo atrás" para que se mantenha o princípio de que o "recreio deve ser para conviver".
Luís Montenegro admite que está "90% de acordo com o que disse Mariana Mortágua", enquanto Paulo Raimundo afirma que "têm de ser feitas opções". Para Rui Tavares, "por precaução" a limitação "pode fazer sentido".
Pedro Nuno Santos é claro: "Sim". Em sentido contrário, Rui Rocha defende que a decisão deve “partir das escolas". Já Inês Sousa Real não responde e clarifica que o partido quer que a tecnologia esteja aliada aos princípios ambientais.