O frente-a-frente Mário Soares / Álvaro Cunhal, mais de três horas e meia de televisão, foi há quarenta anos. A TSF desfiou memórias de quem esteve nos bastidores.
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Soares e Cunhal chegam ao debate depois de um caminho de progressivo afastamento entre PS e PCP desde o 25 de Abril de 74. Em dezembro, no I Congresso do PS, surge uma primeira demarcação, com Soares a assumir uma posição mais moderada e a segurar a liderança do partido. Depois, perto do final do ano, há o primeiro grande embate legislativo entre PCP e PS - a unicidade sindical, de onde acabaria por nascer, com o apoio do PPD, a UGT.
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Já em 1975, a 11 de março, surgem as nacionalizações e a linha dura no MFA ganha peso. Começa a questionar-se, no PCP, a necessidade de haver eleições. No Alentejo e no Ribatejo, as grandes herdades são ocupadas e transformadas em UCP; as grandes empresas estão nas mãos das comissões de trabalhadores.
A 25 de abril de 75, o PS ganha as eleições para a Constituinte, com 37,8% dos votos, o PCP não passa dos 12,4%. No 1º de Maio, Mário Soares e a delegação do PS são impedidos, pelo PCP, de chegar à tribuna no Estádio 1º de Maio, onde um ano antes tinham comemorado em conjunto. A RR é ocupada pelos trabalhadores. A 19 de Maio, o República, jornal afeto ao PS, é ocupado.
A 10 de julho, grande manifestação de apoio à "Aliança Povo/MFA", e no dia 17 o PCP fica sozinho no governo, com a saída de elementos do PPD e alguns independentes. Dois dias depois, a 19 de julho, o PS organiza o comício da Fonte Luminosa, com Soares a fazer um dos mais duros discursos contra o PCP. A 8 de agosto nasce o V governo provisório, o último, e o mais "puro" do Gonçalvismo.
Com o país dividido ao meio, há ataques a sedes do PCP, sobretudo no Norte. Divisões no MFA levam ao nascimento do Grupo dos Nove, liderado por Melo Antunes - é a face mais moderada do poder militar. Melo Antunes terá na RTP, na noite de 25 de Novembro, uma frase decisiva - "O PCP é indispensável à democracia".
O verão quente é longo e entra pelo Outono e pelo Inverno. Só há-de parar com o 25 de Novembro. O frente a frente Soares - Cunhal, mais de três horas e meia de televisão, acontece 19 dias antes.
A propósito dos 40 anos de um dos mais acalorados debates na televisão portuguesa, a TSF ouviu Carlos Brito, dirigente do PCP e deputado na Constituinte na altura do debate, e Alfredo Barroso que em 75 era dirigente socialista.
Carlos Brito lembra-se de um debate que revelou diferenças, cisões entre PS e PCP e conta que Álvaro Cunhal foi muito cuidadoso na preparação do debate.
Já Alfredo Barroso descreve um ambiente de grande tensão antes do início da troca de argumentos. O então dirigente socialista lembra que o debate se estendeu por mais de três horas porque não houve limite de tempo, e afirma que não foi ali, na televisão, que as feridas entre PCP e PS se abriram. O pior foi mesmo o verão quente diz Alfredo Barroso.
Ainda esta sexta-feira vai poder ouvir na TSF um trabalho alargado sobre o debate do "olhe que não... olhe que não...".