O investigador Armando Nhantumbo afirma, em declarações à TSF, que a cerimónia de posse de Daniel Chapo ficou "assombrada pela crise de legitimidade" dos órgãos eleitos
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No dia em que Daniel Chapo tomou posse como Presidente eleito, o jornalista de investigação Armando Nhantumbo afirma que "parece haver uma democracia para Moçambique e uma outra para o Ocidente".
O investigador fala em "atos muito claros de fraude eleitoral" e sublinha que os moçambicanos têm lamentado a falta de uma posição mais "contundente" por parte de Portugal no seu posicionamento contra as "irregularidades" que existiram no processo eleitoral.
"[A posição de Portugal] é comentada de forma negativa, porque as pessoas dizem que não se está a ver de Portugal um posicionamento muito forte em relação a toda esta descrença que existe nos resultados eleitorais em Moçambique. É uma crítica que está a ser feita não apenas em relação a Portugal, mas a outros países europeus", confessa.
A eleição de Daniel Chapo, candidato pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, no poder desde 1975), tem sido contestada nas ruas desde outubro, com manifestantes pró-Mondlane – candidato que segundo o Conselho Constitucional obteve apenas 24% dos votos mas que reclama vitória – em protestos a exigirem a “reposição da verdade eleitoral, com barricadas, pilhagens e confrontos com a polícia, que tem vindo a realizar disparos para tentar a desmobilização.
Armando Nhantumbo aponta igualmente que a União Europeia alertou para "problemas que tinham de ser atendidos pela Comissão Nacional de Eleições, a bem da transparência". No entanto, considera que estas recomendações passaram em branco, levando os moçambicanos a saírem à rua até aos dias de hoje.
"Os cidadãos estão a dizer que parece haver uma democracia para Moçambique e uma outra para o Ocidente. Há coisas inaceitáveis que ocorreram nas eleições deste ano, incluindo assassínios de apoiantes de Venâncio Mondlane, atos muito claros de fraude eleitoral, que foram registados para, no final do dia, essa eleição ser assim", conta.
Venâncio Mondlane, que convocou manifestações de segunda até esta quarta-feira no país, teceu duras críticas ao ministro português dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, acusando-o de ter estado em "hibernação", de "parcialidade" e "manipulação" da opinião pública. Defendeu ainda que o governante nada fez para contribuir para o diálogo político em Moçambique.
Este entendimento é partilhado por uma grande camada da população moçambicana, adianta o jornalista. Nas ruas, é notório o "descontentamento" de vários segmentos da sociedade perante a falta de uma postura "mais contundente" de Portugal, assim como da União Europeia, perante as "irregularidades" no processo eleitoral.
Sobre as últimas 24 horas, o jornalista dá conta de um cenário de "muitas incertezas". Há dois meses que, devido aos protestos, "há bloqueios" um pouco por toda a capital, Maputo, onde é "difícil" circular. Os sucessivos protestos têm provocado medo à população, que tem evitado sair à rua.
A cerimónia de posse de Daniel Chapo desta quarta-feira ficou marcada pela sua componente "militarizada". Armando Nhantumbo considera mesmo que o evento ficou "assombrado pela crise de legitimidade" dos órgãos que estão a ser empossados.
"Nenhuma instituição conseguiu provar por que é que Daniel Chapo e a Frelimo são os vencedores destas eleições", destaca.
Armando Nhantumbo, jornalista do jornal A Savana tem trabalhos publicados sobre corrupção e direitos humanos e está ligado à plataforma de fact-cheking em Moçambique MISA.