
Rita Chantre
Henrique Gouveia e Melo denuncia "uma pressão tremenda dos partidos" para que os seus membros se afastem da sua candidatura e defende que "não podem usar o poder das estruturas do Estado para condicionar eleitores". O almirante fala de apoiantes que recuaram no apoio que tinham formalizado por imposição dos autarcas. Sobre a greve geral, defende negociação e sublinha que, "curiosamente, com o Código do Trabalho que temos, a produtividade portuguesa até tem aumentado". Avisa ainda que o aumento da duração dos contratos a prazo "não é para as empresas encontrarem uma nova forma de contratar trabalhadores para sempre". Sobre Justiça e a propósito das escutas, questiona se "estamos num estado de vigilância policial", que antigamente se "chamava PIDE". Na Saúde, diz que falta rumo
Se for eleito, adotará um estilo de presidência diferente dos mandatos de Marcelo Rebelo de Sousa, que dissolveu três vezes a Assembleia? Em que cenários admite optar por esta via?
A dissolução da Assembleia deve ser o último recurso porque precisamos de estabilidade para governar. Não há nenhum governo que, se estiver a pensar que tem de ir a eleições daqui a um ano ou dois, tenha a coragem para fazer mudanças e reformas estruturais no país. Portanto, o presidente ser lido como um indivíduo que é instável e que poderá, em determinadas situações, criar instabilidade política vai fazer com que qualquer governo tenha uma meta de curto ou médio prazo, no máximo. Só vejo a dissolução do Parlamento em casos mesmo muito graves. Precisamos de reformas no Estado, precisamos de reformas na Justiça e no nosso modelo económico.
Também na Saúde, defendeu coragem para reformas estruturais. Acredita que podem ser feitas com a atual ministra, Ana Paula Martins?
Não me vou pronunciar sobre o ministro A ou o B porque isso seria uma interferência na governação. Mas vou dizer o que acho que está a correr mal na Saúde. É um sistema muito paralelizado, ou seja, não tem uma hierarquia bem definida. Pelo menos quando trabalhei na saúde, havia diversos sistemas a funcionar em paralelo, sem uma grande coordenação central. O que acontece, muitas vezes, é que há responsabilidades sem poder e poder sem responsabilidades. E isso quebra qualquer organização. O que está a falhar na Saúde é que não há uma verdadeira direção. A execução é mais caótica e depois não há controlo, ou seja, não há gestão. Parece-me difícil acreditar que se vai resolver isto criando uma unidade antifraude porque o controlo vai ficar fora da gestão. Uma unidade exterior, ainda por cima com um cariz que é pelo menos percebido como persecutório. E não há transformação nenhuma que se faça contra as pessoas do sistema. É preciso verdadeiramente envolvê-las num novo modelo.
Prometeu ser exigente com a governação, mas, ao mesmo tempo, ajudar o Executivo a ter estabilidade, de forma a equilibrar o próprio sistema. Como pensa fazer isso?
Podemos, simultaneamente, dar segurança e exigir uma boa governação. O Governo precisa de fazer reformas que implicam com interesses instalados. E, às vezes, tem medo de as fazer. O que o presidente pode dizer é: "se as reformas forem verdadeiramente no sentido da transformação e não do enquistamento desses interesses, os senhores contam comigo, não vos vou tirar o tapete". Muitas vezes, e agora vou voltar à Saúde, não se percebe se todas as confusões que acontecem são para fragilizar o SNS, dando uma grande oportunidade a grupos privados para se fixarem no modelo, ou não. Por isso, convém ser claro. Vou fazer uma pequena analogia com a minha vida de marinheiro. Imagine o que é meter num navio uma tripulação e afirmar "agora os senhores vão para o mar", sem dizer qual é o destino. Este Governo ainda não definiu bem que modelo do SNS quer. Tem de dizer que quer aquele modelo para poder ser escrutinado. É muito fácil dizer generalidades, porque depois não conseguimos escrutinar ninguém. Esse é verdadeiramente o problema. Quem não sabe o destino não tem rumo.
Por falar em rumo, recordo uma expressão que utilizou, de que andam a governar para os telejornais e não para o médio e longo prazos. É uma crítica que faz ao estilo de governação de Luís Montenegro?
É uma crítica que faço a alguns aspetos, não apenas da governação atual, mas de todas as anteriores. São as tais governações dos ciclos curtos. Antes de fazer uma reforma, temos de definir o objetivo e o caminho, porque as duas coisas têm de ser compatíveis. Depois, podemos verificar se o Governo está a cumprir as promessas. Por exemplo, tenho um problema de habitação que é multifatorial. Mas há um fator fácil de implementar. Vou aos telejornais e digo que já estou a fazer qualquer coisa porque baixei o imposto X. Só aquilo não vai mudar nada. Mas já fui aos telejornais fazer um anúncio. Esta tática política, ou politiquice, não leva o país para soluções que resolvam os problemas dos portugueses. Quero ser um presidente que exija ao Governo, através da magistratura de influência, verdadeiramente soluções. Não posso andar a criar distratores políticos quando estou num período de dificuldades. Isso é jogo político baixo.
Contou já que recebeu vários apoios oriundos de partidos como PS, PSD e CDS, e deu o exemplo do socialista Manuel Pizarro, ex-ministro da Saúde e candidato à Câmara do Porto. Que outros apoiantes nos pode revelar?
Há uma pressão tremenda dos partidos sobre os seus elementos partidários para se afastarem de mim. Ao ponto de ter tido pessoas que assinaram a propositura da minha candidatura e depois foram chamadas pelo autarca porque faziam parte da estrutura autárquica. Disseram "a senhora não pode assinar a propositura". E a senhora pediu então para retirar, por ordem superior do autarca. Não estamos a viver numa democracia plena, estamos a viver numa democracia tribal. As pessoas não estão livres de decidir. Também me dizem o seguinte: "apoio o senhor almirante, mas não me posso manifestar porque posso perder o emprego". E estou a falar de empregos no Estado. Que raio de democracia estamos a construir? São estas coisas que me revoltam. Sinto que estou verdadeiramente a batalhar contra um sistema, mas não é um sistema que é a democracia. É um sistema que é uma coisa mais difícil de materializar e de identificar, um conjunto de compadrios.
Refere-se aos partidos?
Estou a referir-me a práticas que não deviam existir. Acredito firmemente na importância dos partidos para a democracia porque é a única forma de organizarmos as diferentes correntes de opinião que existem na população, para poderem participar politicamente na vida do país. O que contesto são algumas práticas que não têm a ver com a democracia. Um partido não é dono dos eleitores. E não vai exigir aos eleitores, tipo rebanho, "os senhores vão todos para ali porque sou pastor destes eleitores e acho que têm de ir para ali". Os eleitores são livres, incluindo os que estão nas estruturas do Estado. E, portanto, os partidos não podem usar o poder das estruturas do Estado para condicionar eleitores. E isso é que me parece grave em termos democráticos. Já tive essa situação. E, por isso, há muita gente que me apoia, mas tem medo de revelar o seu nome. Não posso sequer revelar os nomes dessas pessoas. Porque acham que vão ter um problema, ou porque depois não conseguem ter uma licença ou vão-lhe fazer a vida negra. E essas coisas são verdadeiramente preocupantes. Estamos a falar numa eleição que não tem a ver com os partidos. Estamos a falar de uma eleição presidencial, que é de um indivíduo para a Presidência. Sei que agora estamos numas segundas legislativas disfarçadas, todos os partidos têm o seu candidato. E querem meter o seu cavalinho de Troia na Presidência para fazer o trabalhinho partidário. Esta lógica político-partidária é precisamente aquela contra a qual estou a concorrer. A Presidência da República deve procurar o máximo denominador comum de todos os partidos. Não uma ideia de que vou para a Presidência para ajudar o meu partido a ter poder ou a manter-se no poder. A Presidência não é esse instrumento. E é nisso que me distingo de todos os outros.
Tem insistido na defesa do segredo de justiça e da presunção de inocência. O sistema está em risco?
Está claramente em risco. O que aconteceu agora com a Operação Influencer é uma demonstração disso. Há alguém que está a ser vigiado, pediu para ser constituído arguido ou que lhe dessem acesso ao processo. Não lhe deram acesso. E depois as escutas vêm todas na Comunicação Social. O que é isto? E depois sabemos que houve 300 mil escutas. Não deste processo, mas ao todo. Mas nós estamos num estado de vigilância policial? Essa coisa chamava-se antigamente PIDE. Estamos num Estado democrático ou não? Estamos a vigiar políticos ou outras pessoas quatro anos ou mais seguidos?
Produtividade até tem aumentado com atual Código do Trabalho
Crê que, nesta altura, o Ministério Público é um Estado dentro do próprio Estado, até tendo em conta o caso de António Costa?
Não quero demonizar o Ministério Público. Tem de fazer uma autorreflexão. Mas o segredo de Justiça pode sair por outros atores. Agora, não pode haver coincidência entre eventos políticos e revelações que afetam os atores políticos. Para quem está de fora, a sensação é de causa e efeito. E mesmo que não seja, só essa suspeita já acaba com a credibilidade do sistema. Acredito que o Ministério Público, o Ministério da Justiça, com todos os seus agentes, são capazes de fazer uma autorregeneração com ajuda do poder político, porque muitas vezes há problemas materiais. Porque é que se abusa demasiado das escutas? Se calhar, não há recursos para outro tipo de investigações. Ou as nossas leis proíbem outro tipo de investigações que deviam ser mais facilitadas. Estou a falar, por exemplo, do acesso a dados bancários. Portanto, a culpa não é do Ministério Público. A culpa é de todos nós. O que estamos a criar é uma coisa perigosa para a democracia. E a solução tem de passar por todos. O presidente da República tem de ser uma voz firme nisto. Há um candidato que diz que vai resolver isto fazendo um Conselho de Estado, que é Luís Marques Mendes. Isto é demagogia e atirar areia para os olhos das pessoas. O problema só vai ser resolvido com os atores que estão no sistema. E nós temos de os convencer da importância dessa mudança.
Já está a preparar uma segunda volta com Luís Marques Mendes?
Não. Vou falar sobre outros candidatos, se quiser. Há ideias extremistas e simplificadoras com as quais não concordo. Depois, há outros que têm ideias redondas e ingénuas, que parecem não levar a lado nenhum. Há candidatos para todos os partidos e feitios. Agora, só há um verdadeiramente independente e abrangente. Esse candidato sou eu.
Num debate com António Filipe, defendeu que o Governo devia ter "uma atitude mais negocial" relativamente ao pacote laboral.
Acredita que há margem para negociar após esta paralisação?
Tem de haver, porque não vamos ficar num braço de ferro. Portugal precisa de um novo contrato social, em que os patrões e os trabalhadores se unam para modernizar a economia. Por um lado, tem de haver alguma flexibilidade. Mas, por outro, não podemos fazer essa modernização precarizando de tal forma o trabalho que acabamos por aumentar a falta de coesão social, 20% da nossa população está no limiar da pobreza. Neste momento, a coesão é o elemento mais importante que temos para mudar a nossa sociedade. Andamos preocupados em descer 1% do IRC e depois não fazemos o trabalho de casa que verdadeiramente transforma as empresas. E, agora, andamos a discutir outra vez o Código do Trabalho como se isso desse um salto gigantesco na produtividade. Curiosamente, com o Código do Trabalho que temos, a produtividade portuguesa até tem aumentado. E tem aumentado mais do que a média europeia. O que mostra que, sem coesão, não há produtividade. Além disso, a coesão é muito mais alargada, não é só entre empregadores e empregados. É a coesão com o Estado. Sem ela, vamos lentamente corroendo a democracia. E podemos, de um dia para o outro, encontrar-nos num dos extremos do espetro político com ideias que nunca resultaram no passado, mas são apelativas em momentos de tensão. Em vez de referir o número três da lei X, falo de um princípio. E temos é de encontrar soluções nesse princípio, na concertação social.
Que exemplos concretos nos pode apresentar?
Estamos a falar de contratos a termo certo e a termo incerto, e queremos aumentar o período. A natureza do contrato, a termo certo e a termo incerto, é para as empresas reagirem a flutuações do mercado. Não é para encontrarem uma nova forma de contratar trabalhadores para sempre. Estarmos a transformar um instrumento que entrou na lei para facilitar as empresas quando têm flutuações de mercado num contrato definitivo, mas sem as condições de um contrato definitivo, é um erro para a coesão social. Vai minar a confiança entre quem trabalha e quem emprega, sob pena de ter um trabalhador que está lá a fazer o mínimo possível para não ser despedido.
Aceitaria uma revisão constitucional que fosse feita apenas pelo PSD, com apoio do Chega? A Direita deve procurar um consenso com o PS?
Tudo o que seja mais abrangente implica maior adesão, não só política, mas da própria população. Mas isso é um princípio que deve estar subjacente a todas as decisões. Não acredito que o PSD aceitasse mudar a parte material da Constituição que está no artigo 288.°. Portanto, não vejo perigo. A revisão à Direita pode ser feita, desde que não seja atacado esse núcleo central. Isso seria refundar um regime. Seria uma nova Constituição. Não está sequer no horizonte mais longínquo. Para bem do país, era bom que houvesse um consenso mais alargado. Imagine que o pêndulo que agora está à Direita vai depois para a Esquerda. Vamos fazer revisões umas atrás das outras? Aí o nosso grande navio, que é Portugal, não avança.
Daria posse a um governo que fosse liderado pelo Chega, tendo em conta a sua agenda extremista?
Claro que sim. O Chega só vai governar se tiver maioria. Nesse dia, o que o povo estará a dizer é que quer um governo à Direita. Não estou a dizer que é uma Direita extremista porque não acredito que, face à sua taxa de rejeição atual, que é quase 80% da população, o Chega alguma vez conseguisse governar se não se moderasse nas suas posições. O que é a democracia? É respeitar o voto popular.

