"Partilhamos a cauda com países que não têm a mesma afeição que os portugueses pela UE"
Pedro Valente da Silva dirige o gabinete do Parlamento Europeu em Portugal e começou por explicar ao TSF Europa como é que vão assinalar este Dia da Europa. Uma conversa sobre abstenção, inovação do sistema de voto, alargamento da União Europeia
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Como é que vão assinalar este Dia da Europa?
Nós temos umas celebrações centrais no na Fundação Champalimaud, em Lisboa, a partir das 5:30 da tarde. Portanto, o nosso objetivo é que seja um evento essencialmente lúdico. Nós estamos já num período, enfim, de pré-campanha eleitoral e, portanto, vamos celebrar a Europa, vamos celebrar os respetivos valores. Não vai haver momentos discursos oficiais. Temos uma mestre de cerimónias que é uma figura bastante conhecida, a Filomena Cautela. Vamos apresentar um vídeo, a que nós chamamos o documentário que que faz ou fez o lançamento da campanha. Institucional audiovisual do Parlamento Europeu com vista às eleições.
E é um vídeo importante porque apela à memória?
É isso, exatamente. No fundo, o vídeo podemos dizer que é uma espécie de passagem de testemunho. Qual é o conceito que está na origem do vídeo? É um diálogo entre cidadãos seniores, portanto, que viveram momentos de guerra, viveram em regimes autocráticos. Que, entretanto, felizmente sobreviveram para contar a sua história e que estão a passar o testemunho de tempos não democráticos, de tempos de opressão às gerações mais jovens. Nós temos alguns deles que estão em diálogo com os netos ou as netas. Alguns são pessoas conhecidas, mas há aqui uma relação de proximidade e é, no fundo, uma passagem de testemunho e um alertar da consciência de que a democracia é um bem que tem que ser cuidado.
E desde ontem à noite, há uma série de monumentos no país que estão iluminados com as cores da Europa…
Exatamente; nós tivemos a ideia é fizemos um apelo através da Associação Nacional de Municípios, convidámos os municípios a iluminarem edifícios emblemáticos dos respetivos concelhos. É já desde ontem, dia 8, pois o objetivo, obviamente, é que neste dia da Europa essas imagens possam ser exibidas quer no evento que vamos levar a cabo na Fundação Champalimaud, quer pelos média, quer mesmo nas redes sociais do Parlamento Europeu.
Que edifícios ou monumentos estão iluminados com as cores da Europa?
Nós temos uma grande panóplia, começando aqui pela região de Lisboa, temos os Paços do Concelho, do lado do lado de lá do rio temos o Cristo Rei e depois temos todo um conjunto de norte a Sul. Por exemplo, temos o Castelo de Guimarães e temos o Castelo de Bragança. Temos em Vila Nova de Gaia as arcadas da Serra do Pilar, temos as Portas do Mar em Ponta Delgada, temos os Paços de Concelho de Angra do Heroísmo, temos Coimbra, portanto, enfim, todo um conjunto de que seria até quase discriminatório estar agora aqui a referi-los todos, mas podemos dizer que tivemos uma boa adesão por parte de um grande número de câmaras municipais e, portanto, elas começam a iluminar ontem os respetivos edifícios e obviamente, temos também a Assembleia da República. E, portanto vamos tentar, sempre que possível, ter a cor azul e ter o amarelo das estrelas da bandeira da União Europeia. O objetivo é criar aqui, utilizando linguagem contemporânea, um fenómeno viral, algo simbólico, não apenas no território português, mas também no território europeu.
O vosso maior receio, vosso no sentido de quem representa o PE e estas são eleições para escolher os eurodeputados, o vosso maior receio é a abstenção?
Sim, enfim, nós temos assistido nas eleições europeias a uma tendência negativa de participação. No caso português, um pouco ao contrário do que se tem verificado, pelo menos nas últimas eleições, em termos de média europeia.
A afluência nas últimas eleições europeias, entre os 27, foi um pouco mais de 50% e em Portugal foi de 30%...
Sim. Nós estamos em contracorrente, digamos assim. E depois, sobretudo o que é o que pode ser visto como algo paradoxal. Sempre que a Eurobarómetro, os estudos de opinião, saiu agora um em Abril em que, por um lado é demonstrada a afeição dos portugueses pelo projeto europeu e o reconhecimento do impacto das decisões tomadas pela União Europeia na vida quotidiana dos cidadãos. Mas infelizmente depois isso não tem reflexo na participação eleitoral, ou seja, nós estamos por um lado no topo em termos de Estados Membros cujos cidadãos afirmam a sua afeição pelo projeto europeu, mas depois partilhamos a cauda em termos de votação com países cujos cidadãos nesses mesmos inquéritos não demonstram a mesma afeição que os cidadãos portugueses pelo projeto europeu. Portanto, há aqui algo de paradoxal.
O que é que está a ser feito para tentar minorar essa potencial montanha de abstencionistas?
Nós temos feito obviamente o vídeo, o spot rádio. Tudo isso está a ser feito, em termos de formatos audiovisuais através das redes sociais. Nós escrevemos a múltiplos parceiros em Portugal, quer públicos quer quer privados, no sentido de incluírem nas suas redes, todos os materiais de informação do Parlamento Europeu nos seus sítios, de modo a que não falte informação porque parece que continua a ser um dos problemas das pessoas, dizem que não há informação sobre União Europeia. Enfim, eu acho que hoje em dia a informação existe, é relativamente fácil de encontrar, mas, enfim, não seja por isso. Portanto, nós temos todo um conjunto de parceiros, quer a nível de autoridades pública, quer a nível de entidades privadas que estão a partilhar todo esse material informativo das eleições. Nós temos uma inovação, que terá lugar nestas eleições e que tem a ver com o chamado voto em mobilidade no dia das eleições. Ou seja, houve um reconhecimento de que a data de 9 de Junho não seria a data ideal.
Mas, quer dizer, no fundo, a data das eleições europeias é um processo decisório que tem dois atores, tem a própria União Europeia e o Conselho que define uma janela dentro da qual tem lugar as eleições europeias…
E a janela definida foi 6 a 9 de Junho…
Exato, 6 a 9 de Junho. Depois temos cada Estado membro que, de acordo com a sua tradição ou de acordo com a sua legislação, decide em função da janela temporal, qual é o dia da votação. Nós sabemos para aplicação da lei eleitoral portuguesa ela seria no domingo, tradicionalmente em Portugal, votamos aos Domingos. De facto, tendo o dia 10 de Junho imediatamente a seguir, dia de Portugal, enfim, a tentação de um fim de semana prolongado seria grande…
Em muitas cidades do país, inclusive em Lisboa, há o feriado de Santo António a 13…
Aí podemos ter quase a tentação de não ter um fim de semana prolongado, mas uma semana de férias, enfim, gastando poucos dias de férias. Esta inovação é algo que vai acrescer a outros mecanismos ou procedimentos que já existem, portanto, o chamado voto antecipado em mobilidade continua a existir. As pessoas têm que se inscrever no voto em mobilidade mas não têm que justificar. Basta deslocarem-se a uma mesa de voto no sítio ou no local onde se encontrarem, no dia 9, ou seja, se aproveitarem para passear, para fazer um fim de semana prolongado, não têm que votar na mesa de VOTO onde seria suposto votar: deslocam-se a uma qualquer mesa de voto, leva o cartão cidadão, identificam-se e votam. E também não há aqui dificuldades adicionais, aliás, eu penso que é isso que permite o voto em mobilidade, uma vez que é, de certa medida, indiferente o local onde nós votamos, já que nas eleições para o Parlamento Europeu, temos apenas um círculo eleitoral para eleger 21 eurodeputados. Não é a mesma coisa nas eleições legislativas; aí sabemos que votamos nas listas que dizem respeito ao distrito onde nós estamos recenseados.
Ou seja, para as eleições europeias e para eleições presidenciais, estes processos são mais fáceis…
Eu penso que é mais fácil, portanto, o que levou à adoção do voto em mobilidade foi o facto de termos uma circunscrição eleitoral única. Portanto, é indiferente votarmos aqui, em Vila Real, na Madeira ou nos Açores, estamos a votar numa única lista por partido e nos respetivos candidatos a eurodeputados.
A Fundação Francisco Manuel dos Santos apresentou ontem 4a feira à noite o Barómetro da Política Europeia que revela que o nível de apoio à UE bateu recordes em 2024; que, em Portugal, a confiança nas instituições europeias é largamente superior à confiança nas instituições nacionais; e que as migrações se tornaram uma das principais preocupações dos portugueses, ao contrário do verificado nos anos anteriores…
Segundo o mesmo estudo, a confiança, o apoio e o conhecimento sobre a UE são consistentemente mais elevados em grupos socioeconómicos específicos: os que concluíram o ensino superior; os cidadãos mais jovens entre os 18 e os 34 anos, bem como os cidadãos com 55 anos ou mais, que ainda se lembram de Portugal antes da adesão à UE. Já as mulheres tendem a ter uma imagem mais positiva da UE do que os homens.
Como é que avalia estas indicações deste estudo de opinião?
Eu penso que elas vão também no sentido dos eurobarómetros. A grande novidade que há aí relativamente… bem, enfim, no caso das mulheres, eu acho que é evidente que tem havido uma grande atenção por parte das instituições Europa à questão dos direitos das mulheres nesta legislatura, pelo menos. Por exemplo, foi aprovada a questão da representação feminina nos cargos das empresas cotadas em bolsa. Portanto, tem que haver uma participação feminina órgãos de direção dessas mesmas sociedades e também recentemente foi aprovada legislação que obriga à chamada transparência salarial, ou seja, eu trabalhador tenho direito de saber o que é que ganham as pessoas que fazem o mesmo trabalho e que estão dentro da mesma categoria ou escalão profissional que eu. Isto permite, desde logo, que haja aqui um escrutínio e é uma forma de combater uma eventual desigualdade de em termos de tratamento salarial, por exemplo, em função não apenas da questão de género, mas também em função da questão de género.
Desigualdade que existe e está na ordem dos 15 a16%...
É. O único ponto aí que digamos, não vai completamente em linha com o Eurobarómetro é a questão das migrações. Eu não sei se terá a ver com algum impacto mediático, não sei exatamente a altura em que o estudo foi feito.
A aprovação do Pacto Europeu das Migrações e Asilo e a contestação à volta, pode ter tido influência nisso?
Exatamente. Porque, de facto, foi um dos últimos instrumentos legislativos que foi aprovado nesta legislatura no Eurobarómetro, que o Parlamento levou a cabo. A questão, no caso português, e até no caso no caso europeu, mas mais no caso português, as principais preocupações dos cidadãos portugueses tinham a ver com questões económicas, ou seja, achavam que a União Europeia deve continuar o seu combate na luta contra a pobreza e exclusão social, deve apoiar a criação de empregos, deve apoiar e fortalecer a saúde pública. E, curiosamente, há uma prioridade que aparece como emergente e que era a quarta prioridade, quer em termos europeus, quer em termos cidadãos portugueses, tem a ver com a segurança e com a defesa. Portanto, não sei se eventualmente, esse estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos tenha apanhado a altura em que foi aprovado o pacote legislativo para a imigração e o asilo porque, de facto, neste Eurobarómetro que, cujo estudo penso que foi feito em Março e foi divulgado em Abril, no caso português, as migrações e o asilo não estava entre os temas.
Mas não antecipa que nos 27, nesta campanha eleitoral, migrações, por um lado, segurança e defesa por outros, sejam temas centrais ou temas fortes desta campanha?
Eu penso que serão temas incontornáveis na campanha, partindo do princípio que nesta campanha, não apenas em Portugal, mas nos demais Estados Membros, se discutam temas europeus. Eu até me atrever-me-ia acrescentar a esses temas, o tema da do alargamento.
O alargamento da UE é uma inevitabilidade, uma necessidade ou nenhuma das duas coisas?
Eu acho que depende do prisma do prisma com que analisamos a questão e penso que se analisarmos de um prisma geoestratégico, eu acho que há todo o interesse por parte da União Europeia em atrair o interesse por parte desses Estados Membros, porque apresentaram as suas candidaturas…
E não deixar que os Balcãs Ocidentais, por exemplo, sejam uma espécie de buraco negro no meio da Europa…
Nós já sabemos que a vida tem horror a espaços por ocupar, digamos assim não é. E, portanto, os Balcãs Ocidentais, tiveram uma guerra que não foi assim há tanto tempo quanto isso, uma guerra nas fronteiras da Europa. Nós neste momento temos outra guerra nas fronteiras da Europa, porque tivemos a invasão da Ucrânia pela Rússia e, portanto, sabemos que há vários países que são Estados Membros da União Europeia que fazem fronteira com a Ucrânia. Penso que a questão dos Balcãs Ocidentais é que, se quisermos usar uma linguagem geoestratégica, eles estão a ser de certa medida, alvos de tentativas de sedução por atores internacionais que não são a União Europeia. Basta ver que neste périplo do Presidente da República Popular da China ele vai visitar, por exemplo, a Sérvia. Portanto, isto não é com certeza, obra do acaso. Na diplomacia chinesa e nas diplomacias em geral, nada é obra do acaso.
A Sérvia tem relações próximas com a Rússia tem uma dependência considerável em relação à República Popular da China há bastante tempo. Ainda dos tempos em que a Sérvia ou antiga República da Jugoslávia era governada por Slobodan Milosevic, e, curiosamente, dá-se a coincidência de estar a fazer também 25 anos que os Estados Unidos bombardearam a Embaixada da República Popular da China e em Belgrado, no que foi considerado um dano colateral dessa guerra de 1999…
Exatamente. Nós sabemos, eu tive o privilégio de ter vivido cinco anos em Macau. Na China nada é ao acaso e, portanto, há aqui todo um conjunto de simbolismo que o Ricardo acabou de escrever, que enfim são factos e, portanto, temos que os analisar como são; portanto, eu acho que há aqui, um jogo. Penso também que a Europa continua a ter capacidade de atração e como tem capacidade de atração os países candidatos continuam a demonstrar o seu interesse em fazer parte da União Europeia. Obviamente, nós sabemos que o alargamento é um processo complicado e lento, porque obriga, se quisermos, a um esforço recíproco; por um lado, a um esforço de acomodação daquilo que é a legislação Europeia, porque quando um país adere à União Europeia (e também foi esse o caso de Portugal), a sua legislação tem de ser devidamente adaptada para que designadamente as liberdades, as quatro liberdades fundamentais possam entrar imediatamente em vigor. Depois, há questões que têm a ver com a governação económica, mas há questões que têm a ver com o Estado de direito e, portanto, eu apraz-me registar que por parte desses Estados candidatos há interesse em fazer parte deste conjunto desta Comunidade de Nações que preza um determinado conjunto de valores. O risco que nós temos é que, se há uma demora muito longa neste processo de adesão, esses próprios candidatos podem começar a esfriar o seu interesse, ou pode haver uma certa pulsão ou tensão entre algumas faixas da população que se manifestam designadamente com bandeiras da União Europeia e muitas vezes o poder incumbente que tenha, sim, por vezes uma relação algo ambígua relativamente aos incumbentes mudam, mas sabemos que em alguns destes países candidatos, hoje em dia há quase uma espécie de esfriar relativamente às candidaturas europeias. Portanto, enfim, é uma zona obviamente que faz parte da Europa. Culturalmente, no caso da Sérvia, é óbvio, têm relações culturais e históricas muito longas com a Rússia, desde logo até por razões religiosas. Mas enfim, nós temos também Estados ortodoxos que já fazem parte da UE. Obviamente, há que reconhecer no caso de Belgrado, uma relação muito próxima com a Rússia. Mas enfim, eu acho que eles fazem parte naturalmente do projeto europeu e acho que seria também por uma questão de solidariedade e nós muitas vezes não podemos esquecer que a nossa adesão à UE não foi sobretudo ditada por razões económicas. Ela foi ditada porque, enfim, as principais forças políticas em Portugal compreenderam o interesse não apenas económico da nossa pertença a esta Comunidade, mas o interesse também político e da parte dos principais atores da então Europa, bastante mais reduzida, compreenderam que a nossa adesão e a adesão dos nossos vizinhos espanhóis era uma forma de consolidar definitivamente a democracia portuguesa. E nestes países candidatos, também não são democracias assim tão antigas quanto isso. Portanto, podemos também encarar perfeitamente que a adesão seria um corolário lógico da consolidação de uma democracia para poder ser uma plena democracia, que respeita os valores do Estado de direito democrático.