Paulo Cunha à TSF. Cargos de topo? "Espero que todas as partes do acordo sejam cumpridas"
O eurodeputado eleito pelo PSD defende que a UE deve retomar o crescimento económico, aumentando produtividade, empresas e indústria
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Eleito pelo PSD para o Parlamento Europeu, Paulo Cunha defende "a paz, a solidariedade, a coesão, a competitividade e a sustentabilidade" como prioridades políticas nos próximos cinco anos.
O antigo presidente da autarquia de Famalicão entende que a União Europeia deve "reconquistar o seu capital de influência global" através da qualidade da governação e da cooperação com a NATO, reforçando também as políticas de defesa. Destaca ainda a importância de uma política de migrações regulada, que combine solidariedade com regras claras para proteger os migrantes.
Sobre o acordo para os cargos de topo na União Europeia, Paulo Cunha espera que “o compromisso que permitiu a eleição de António Costa seja respeitado nas outras dimensões deste acordo”.
Eurodeputado Paulo Cunha, na perspetiva do PSD, quais são os desafios para os próximos cinco anos no Parlamento Europeu?
Há um contexto que envolve o exercício do mandato prestes a começar, influenciado por circunstâncias novas, algumas agravadas e outras que continuam no topo da agenda. Elejo áreas como a paz, a solidariedade, a coesão, a competitividade e a sustentabilidade. São dimensões do nosso quotidiano, que agrupam múltiplos interesses de Portugal, das várias regiões de Portugal, da Europa e do Mundo. Estando num espaço europeu, as preocupações da União Europeia não se restringem aos seus Estados-Membros, abrangendo o mundo inteiro. O que acontece no Brasil, nos Estados Unidos, na China, no Japão e na Índia também interessa à União Europeia. Por isso, estas dimensões abrangem todas estas preocupações. A grande preocupação da União Europeia e das suas instituições, particularmente o Conselho Europeu, a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu, é cuidar do mundo e contribuir para uma vida bem-sucedida à escala global. Os europeus não ficam satisfeitos apenas pelo facto de o modo de vida europeu se atingir dentro das fronteiras europeias. Queremos produzir um efeito positivo das políticas europeias além das fronteiras europeias.
A Europa ainda é capaz de ter essa influência no mundo? Esta ideia da Europa tem sido desafiada recentemente com uma guerra às portas da Europa, mas também em outros pólos geográficos. A Europa ainda consegue afirmar-se? O que é necessário fazer para que a Europa tenha uma voz ativa no mundo? Falou da questão da paz...
Sim, a Europa ainda consegue afirmar-se, embora reconheça que a União Europeia tenha perdido um pouco do seu capital de influência global ao longo dos anos. É preciso reconquistar esse capital de influência global, o que se consegue, acima de tudo, através do conceito de qualidade do governo, o chamado bom governo, ajustado às realidades. Quanto mais bem-sucedido for o plano de governo à escala europeia, maior será a capacidade de influência da União Europeia à escala global. As populações em diversas latitudes e longitudes olharão para a Europa com maior admiração quanto melhor ela for sucedida. O sucesso da governação europeia é uma trave mestra da capacidade de influência à escala global.
Dentro do Parlamento Europeu, há agora um grupo que alia partidos de extrema-direita como a terceira força política. Na próxima legislatura, será mais difícil formar maiorias dentro do Parlamento ou vê isso como um desafio?
Vejo mais como desafio do que como dificuldade. Se tivéssemos um Parlamento Europeu maioritário, seria mais fácil, mas não necessariamente melhor sucedido. Às vezes, as dificuldades são oportunidades para melhorar as nossas políticas. A maior fragmentação que acontece nos vários parlamentos, como em França, Inglaterra, Portugal e Espanha, obriga a um esforço qualitativo nas medidas e decisões. Quando tomamos uma posição com apoio parlamentar garantido, há menos preocupação com a decisão. Sem apoio parlamentar garantido, temos que incrementar a busca pela boa decisão e apostar na qualidade. A fragmentação no Parlamento Europeu e ao nível do Conselho obriga a uma capacidade de negociação maior, que resulta em melhores medidas e políticas públicas para o espaço europeu.
Essa negociação necessária dentro do Parlamento não pode trazer dificuldades à eleição da presidente do Parlamento Europeu, na terça-feira, e da presidente da Comissão, na quinta-feira?
Houve uma concertação entre as três principais forças políticas - PPE, socialistas democratas e liberais - para a distribuição das quatro áreas principais de responsabilidade: política externa, Conselho Europeu, Parlamento Europeu e Comissão Europeia. Essas forças políticas têm representatividade no Parlamento Europeu para que estas eleições sejam bem-sucedidas. Espero que o compromisso seja cumprido, e que o acordo que permitiu a eleição do António Costa, seja respeitado nas outras dimensões deste acordo. Se isso não acontecer, abre-se uma situação de imprevisibilidade e insegurança acerca do futuro das instituições, o que seria mau para a sua reputação e credibilidade. É fundamental eleger Ursula von der Leyen e Roberta Metsola.
Falou da questão da paz. Como vê iniciativas como a do primeiro-ministro húngaro que foi a Kiev e a Moscovo e se apresentou, em certa medida, em nome da União Europeia, embora ninguém o reconheça como tal?
Ele não tem esse título. Estou seguro que Putin, ao receber Orbán no Kremlin, não o recebeu como porta-voz dos 27 Estados-Membros da União Europeia para falar sobre a guerra e a paz. É uma atitude de Orbán para tentar tirar algum protagonismo à escala global, mas vejo isso com preocupação. Primeiro, porque não está mandatado para esse efeito. Segundo, porque pode dar um contributo negativo para o processo de paz ao alimentar a força beligerante da Rússia. A relação com a Rússia e a aproximação a Pequim contrastam com a tendência consensual dentro do espaço europeu. Aproveitar o contexto de presidir ao Conselho para fazer este tipo de diligências vai contra a posição que devia ser de consistência com as decisões das instâncias europeias.
Como é que a União Europeia se deve posicionar em matéria de política de defesa, que é um dos aspetos em que a presidente da Comissão tem tido alguma proatividade? Como é que o Parlamento e, na perspetiva do PSD, deve olhar para esta questão?
Há duas linhas fortes em matéria de defesa. A primeira é aumentar a consistência na relação com a NATO. A NATO é o interlocutor mais certo, mais seguro e melhor definido para que a União Europeia atue em plataformas globais de defesa, nomeadamente na relação com a Ucrânia, apoiando a sua defesa territorial. Devemos canalizar a energia para a NATO, assumindo uma posição intensificada da União Europeia e dos países europeus no contexto da NATO. O Reino Unido, mesmo fora da União Europeia, tem um papel relevante neste reforço. O segundo eixo é a atuação da União Europeia por si. A defesa deve ser uma prioridade e está a ser reforçada por Ursula von der Leyen. Cada país deve aumentar os seus orçamentos de defesa, atingindo 2% em políticas de defesa. Esta estratégia reforça a posição da União Europeia e atua em complementaridade com a NATO.
Falou também da competitividade. Esta pode ser uma área para aumentar a competitividade da Europa? E há espaço para Portugal?
Há espaço. Primeiro, tem que haver espaço para a Europa. A Europa está em processo de perda de protagonismo à escala global. A União Europeia deve ser um protagonista económico global, mantendo o padrão de vida que atrai muitos para o espaço europeu. A permanência deste padrão pressupõe atividade económica contínua. É preciso que a Europa retome um processo de incremento da sua dimensão económica, com mais produtividade, empresas e indústria. A agricultura e a indústria são essenciais. Apostas na agricultura e na indústria são fundamentais para a competitividade da Europa, desafiando novos blocos como a China, os Estados Unidos e os BRICS. A União Europeia deve ter melhores políticas de promoção do emprego, da produtividade, de apoio à indústria e à agricultura para ser mais autónoma e competitiva globalmente.
Há grupos políticos no Parlamento Europeu que querem reabrir o Pacto das Migrações, que foi tão difícil fechar. Qual é a perspetiva do PSD sobre este tema?
Achamos que é preciso revisitar o Pacto das Migrações. Foi um ganho comparativo com o que tínhamos antes. Defendemos uma política de migrações regulada. A solidariedade está presente na política de migrações. Devemos reconhecer que há povos que se aproximam de nós à procura de uma vida melhor e é legítimo que o façam. Não podemos construir uma fortaleza em torno do espaço europeu, mas é preciso fazê-lo de forma regulada, com regras. Isso protege os próprios migrantes, evitando a exploração. Em Portugal e na Europa, conhecemos muitas situações de migrantes explorados devido à sua situação irregular. Quanto mais regulada for a política de migrações, mais protegemos os migrantes.