O secretário-geral do Partido Comunista Português acusa o PS de abrir caminho a políticas populistas do atual governo, que agradam ao Chega e à Iniciativa Liberal. Em entrevista à TSF e ao Jornal de Notícias, Paulo Raimundo afasta alianças políticas com o atual PS
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Pela primeira vez, de forma tão clara, um secretário-geral do PCP assumiu uma perda eleitoral. Quis deixar um grito de alerta?
Não, não foi um grito de alerta. Foi uma constatação. Não há nenhuma dúvida, e é um facto que nós não temos tido propriamente resultados eleitorais que correspondam desde logo às nossas ambições, nem muito menos que sirvam - no nosso entender - aquilo que são as necessidades do povo, dos trabalhadores e do país. Portanto, são factos concretos, e não vale a pena nós enterrarmos a cabeça na areia. Eu afirmei várias vezes que não menosprezamos as dificuldades. A questão é o que é que fazemos perante elas? Ou assumimos uma atitude de confronto e de ultrapassar essas dificuldades, e o ambiente que está colocado em torno do partido - aquilo que nós classificamos. e acho que justamente, uma ofensiva contra o partido - ou esperamos que os fortes ventos passem, ou atacamos esses fortes ventos. E aquilo que nós decidimos foi atacar esses fortes ventos. E, portanto, com os pés assentos na terra, conscientes das dificuldades, não vamos ficar à espera que os tempos melhorem, vamos fazer para que os tempos melhorem.
Então, e qual é a estratégia para atacar esses fortes ventos, como diz, que podemos também chamar-lhe de ciclo de derrotas? Que estratégia tem o PCP para romper com este ciclo?
Acho que não devemos menosprezar o grau do contexto em que intervimos. E nós estamos perante um quadro que nós titulamos como muito exigente e difícil, que puxa por tudo, em particular sobre as concepções mais reacionárias e até fascizantes, e quando nós temos um ambiente desses, as forças progressistas não têm facilidades, pelo contrário. Mas nós, como disse, já tínhamos essa ideia e o Congresso sublinhou isso: como é que se ultrapassa isso, como é que se faz frente a isso. E a solução que temos para 2024, 2025, 2026, 2027, é a mesma que encontramos ao longo de 103 anos de história do PCP, que foi: quando a situação é mais difícil, mais obriga que o partido vá para as massas, ligar-se às massas, aos problemas concretos, intervir sobre sobre eles, mobilizar essa gente, ir buscar forças aí, e é isso que estamos a fazer. Nós temos em curso uma ação nacional que intitulamos “Aumentar salários e pensões por uma vida melhor”, uma ação que está em curso, que se iniciou no final de setembro, de esclarecimento, de contacto, de ouvir gente e muita gente já foi confrontado certamente com algum membro do PCP nesta ação, e que tem como objetivo colocar-se em questões de exigência. Aumento dos salários, aumento das pensões, acesso ao Serviço Nacional de Saúde, acesso à habitação, como uma questão fundamental dos dias de hoje, e a resposta aos problemas das crianças e dos pais, nomeadamente com acesso à creche. E a verdade é que desde o final de setembro até agora, mais de 80 mil pessoas que subscreveram estas nossas exigências num abaixo assinado que não é um abaixo assinado online, não é uma petição online. É uma conversa, é um esclarecimento na rua, olhos nos olhos. E isso significa o quê? Significa que para nós termos 80 mil assinaturas de pessoas que decidiram, nas empresas, no local de trabalho, nos centros de saúde, nos comboios, nos transportes, em vários sítios, significa que nós fizemos muitas mais conversas do que aquelas... E, portanto, é por aqui que nós estamos. Empenhados, ligados às pessoas, aos problemas, na construção da exigência de uma alternativa que se impõe no nosso país. E que este rumo que está a ser levado a cabo e acentuado pelo atual governo é um rumo que não corresponde, no nosso entender, aos interesses do povo, do país, dos trabalhadores e da juventude, e precisa ser rompido e criar uma alternativa a isto.
Não há um risco de, colocando o partido na necessidade de resistir, esquecer um bocadinho o lado progressista, que é também uma marca do PCP?
Não, sabe porquê? Porque aquilo que nós colocámos com muita força neste Congresso foi resistir, mas resistir não é ficar à espera. Nós não confundimos resistência com desistência. A nossa resistência é uma resistência que não fica à espera, que vai criar vai procurar acumular forças para avançar e para crescer e para vencer é isso que nós estamos empenhados
Resistir não é garantir as trincheiras?
Nós achamos que a grande emergência nacional nos dias de hoje é o aumento geral dos salários. O aumento geral e significativo dos salários. Porque isso corresponde a um problema de justiça, de distribuição da riqueza que está criado. Corresponde às necessidades do ponto de vista de cada um, daqueles que trabalham. Nós não podemos esquecer nunca que o país em que vivemos, um terço dos trabalhadores, 2,7 milhões de trabalhadores recebem até mil euros de salário bruto por mês. É esta a realidade, não é outra. É uma emergência para aumentar, para dinamizar a economia, porque também não podemos esquecer uma outra realidade, é que o país é assente em mais de 90% em micro ou pequenas empresas, cujo o grande mercado é o mercado interno e, portanto, quanto menos condições as pessoas tiverem de comprar, mais dificuldades vão ter as micro, pequenas e médias empresas. Nós achamos que esta é a grande emergência nacional. E estamos a bater-nos por isso do ponto de vista político e ideológico. Eu sei que há um vento muito forte que procura situar os problemas do país noutras realidades. Muitas vezes assente-se em percepções e não na realidade. Mas a questão fundamental é esta: aumento dos salários, aumento das pensões. E é aqui que nós estamos concentrados. Quando nós colocamos esta questão como emergência nacional, não estamos numa trincheira. Estamos a procurar levar para a frente uma questão concreta.
Esta posição de resistência do PCP resulta também de ameaças. Quais são estas ameaças?
Nós temos 2 milhões de pessoas em risco de pobreza, 300 mil crianças nessa situação, que é uma coisa dramática, dramática. Mais de um milhão de pensionistas com pensões de miséria, 2,7 milhões de trabalhadores com menos de mil euros de salário por mês e em contraste com isto tudo temos 19 grupos económicos que têm qualquer coisa como 32 milhões de euros de lucros por dia. Não é por ano nem por semana. É por dia! Ou seja, quando chegarmos ao final do dia de hoje, esses 19 grupos económicos tiveram mais de 32 milhões de euros de lucro a somar aos que tiveram ontem, e amanhã vão ter os mesmos. Se isto não mudar, cria uma situação de grande fragilidade. E depois, temos uma política que já vinha de trás - temos que ser justos, não é de agora mas que agora se acentua - em que tudo se encaminha para corresponder a esses interesses e não aos interesses da maioria. Qual é a grande marca do Orçamento de Estado aprovado há um mês? A sua cerejinha no topo do bolo é a descida do IRC. Para quem? Para os tais 19 grupos económicos dos tais dos 32 milhões de euros lucros por dia. Ora, isto não pode ser! Com um país com dois milhões de pobres, com quase metade dos trabalhadores a ganhar menos de mil euros por mês, e o esforço do Governo, o caminho que traçamos, é diminuir ainda mais os impostos para esses grandes grupos económicos. Não pode ser. Mas acresce a isto uma outra coisa. É que acresce a isto ainda mais 1.800 milhões de benefícios fiscais que orçamento do Estado dá aos grupos económicos, mais 1.500 milhões de euros das parcerias público-privadas, mais metade do orçamento do Serviço Nacional de Saúde, que é transferido para quem? Para os tais grupos económicos que fazem da demência o negócio. Isto não é caminho. Eu já disse várias vezes, e desculpem a falta de criatividade, mas os problemas do país não se resolve de um dia para o outro. Quem chegar e disser que vai resolver tudo amanhã está a mentir ou é demagógico e infelizmente confrontamo-nos com muitas coisas dessas. E qual é o caminho que se abre? Se há um caminho de justiça e de igualdade, ou se há um caminho de acentuar as injustiças e as desigualdades? E nós dizemos que a história nos demonstra que quanto pior estiver a situação, pior é a resposta. Mais exigente é a resposta e mais difícil. Não é melhor. Ao contrário do que se possa pensar, quanto mais dificuldades a grande maioria das pessoas tiverem, mais dificuldade há em responder a isso. E as falsas saídas nestas coisas são sempre... Por isso é que nós enfrentamos hoje dois problemas. O problema da realidade da vida, das dificuldades da vida, da grande maioria do nosso povo e dos trabalhadores, e a percepção sobre as causas desses problemas. Qual é a tática da reação? Não há outra palavra para descrever, é mesmo assim, da reação e das concepções reacionárias e fascizantes. A tática é procurar identificar no vizinho, no primo, naquele que apanha o autocarro, naquele que trabalha ao nosso lado, o responsável da situação. E isso volta-se geralmente para quem? Para aquele que vem à procura, em Portugal, de uma vida melhor. Da mesma forma que nós vamos. Tivemos agora 5 mil jovens portugueses que foram para os Países Baixos à procura de uma vida melhor. E, portanto, enquanto nós tivemos uma situação em que se desviam as atenções, e em que se procura encontrar a responsabilidade no vizinho, no parceiro, no colega de trabalho, olhando para a sua cor da pele, para a sua religião, para a sua cultura, nós estamos a desviar a atenção daquilo que é grosso. E o que é grosso é, volto a dizer, que a vida está difícil para a maioria, mas há 19 grupos económicos que têm 32 milhões de euros lucros por dia. Esta situação cria dificuldades às forças progressistas, e naturalmente ao PCP.
Se atacar as causas e tiver resultados no ataque às causas, consegue diminuir as tais percepções?
Claro, há uma evidência. Quando as pessoas se aperceberem que o seu inimigo não é o seu vizinho, independentemente da sua cor da pele ou religião, que o seu “inimigo” no sentido daquilo que é o responsável pela sua situação... o problema está na grande diferença entre a realidade e a percepção. Se nós vamos para a rua conversar, as pessoas acham que há sempre alguém da sua condição, igual à sua condição, trabalhador como ele é, que é responsável pela situação em que está. Quando o problema não é esse.
Introduzi na questão o populismo de direita, provavelmente é isso que se refere, pelo menos à forma das coisas vão sendo difundidas e sendo conhecidas...
E de quem os alimenta, peço desculpa.
E isso favorece os grandes grupos? Liga uma coisa à outra?
Claro, então não favorece? Enquanto nós andamos aqui distraídos com estudos, com percepções, com notícias, aberturas de telejornal, noticiários, a causa funda da instituição da desigualdade passa ao lado. Eu quero dizer-lhe com toda frontalidade e com esta clareza com que estamos a conversar, que responsabilizo as concessões e responsabilizo quem puxa por elas. Responsabilizo isso tudo mas também responsabilizo quem puxa por elas, e quem os alimenta. Um exemplo concreto: o Orçamento de Estado aprovado há um mês. Quem é que o aprovou? Aprovou o PSD e o CDS, claro, e o PS viabilizou este Orçamento de Estado e o que é que fez ou viabilizou? Não só se comprometeu com as políticas e com os conteúdos concretos do orçamento, mas permitiu uma outra coisa, que ainda é mais perigosa, ou tão perigosa como a primeira. Permitiu que o Chega e a Iniciativa Liberal se dessem ao desplante de poder votar contra um orçamento com o qual estão profundamente de acordo. Ou seja, quem permitiu ao Chega e à Iniciativa Liberal que se façam agora de fanfarrões, como se fossem a última bolacha do pacote, desculpem a expressão popular, mas foi o Partido Socialista. Nós não podemos proclamar combate às forças reacionárias e ao mesmo tempo alimentá-las. E o que o PS fez foi alimentá-las, mais uma vez.
Nas teses que foram discutidas e aprovadas no congresso de Almada, há um reforço do papel que a CGTP pode ter neste levar para a rua destas causas. A contestação tem regressado às ruas, mas não tem sido nas estruturas - vamos chamar-lhe regulares - do sindicalismo em Portugal. Esta concorrência de algo que nós ainda não sabemos o que é, mas que é fora do que estávamos habituados, é uma situação que o preocupa?
Acho que é uma injustiça, porque se há luta constante, consequente, que não tem expressão, muitas vezes na comunicação social mas que lá está, nas empresas, nos locais de trabalho, no setor público, no setor privado, com grandes ações de convergência. Permitam-me esta ousadia, mas esta casa é uma prova disso, desse ponto de vista, da ação reivindicativa, de mobilização, e justamente. Mas está está-se a desenvolver com toda a força e com vitórias importantes. Essa é uma questão. A outra questão é, podemos dizer assim, existirem novas formas de expressão da luta. Nós conhecemos isso, acompanhamos todos esses processos, sabemos que eles têm picos de altos e baixos, mas depois desses picos mais visíveis, mais pirotécnicos, e mais musculados, aparecerem, da mesma forma que aparecem, desaparecem. E o que é constante é a luta organizada dos trabalhadores.
Mas estes movimentos surgem para preencher algum tipo de vazio?
Sinceramente, não parece. Aparecem porque há formas de organização e descontentamentos que se expressam naturalmente por expressões muito diversas, fora daquilo que é o trabalho organizado do movimento sindical. Não é novo nem é inédito. Mas também não é inédito aquilo que eu lhe estava a dizer. Da mesma forma que aparece, desaparece. E aquilo que é constante, aquilo que é permanente, aquilo que é o grande motor do processo de luta dos trabalhadores e que anima outras classes é a luta organizada dos trabalhadores, que naturalmente tem na CGTP e nos seus sindicatos, com um papel central. Não é um papel único, mas é um papel central em todo esse processo.
Mas não fica a ideia que há aqui uma espécie de perda de capacidade de mobilização?
Acho que não. Se me permitem, vou fazer um desafio. Quem nos está a ler e a ouvir, as forças vivas, concentremos-nos durante três dias sobre a vida real, sobre a situação da vida das pessoas, sobre os salários, sobre as pensões, as dificuldades, sobre a luta do movimento sindical, três dias concentrados nisso. E se nós fizermos todos isso, vamos ver que a perceção do que é central na vida das pessoas vai alterar-se completamente face àquilo que hoje é propagandeado desse ponto de vista.Portanto, acho que não há... Pelo contrário, acho sinceramente que o movimento sindical está reforçado e com uma grande dinâmica fora dos holofotes. É preciso que os holofotes lá estejam também com importantes mobilizações e conquistas e com grande capacidade de mobilização que esteve aí e vai estar aí porque é necessário.
Receia que a promessa do Chega de criar uma federação sindical arraste o movimento sindical mais para a direita e para o populismo?
Eu há dois anos e qualquer coisa que sou secretário-geral do PCP e uma das primeiras perguntas que me fizeram depois de ser eleito secretário, foi essa: se não receava a concretização disso que estava iminente. Pronto.
Continua iminente?
Não sei, não faço ideia.
Vamos virar aqui um pouco a agulha para as autárquicas . Deixar de ser a terceira força política autárquica seria uma derrota pessoal ou um fracasso coletivo?
Acho que era uma derrota para as populações. Acho que isso não vai colocar-se.
Tendo em conta que a CDU tem 19 câmaras, e que há 11 onde os atuais presidentes estão impedidos de se candidatar, aumenta o grau de risco?
Se quiserem, meio a brincar, meio a sério, isso é válido para nós, é válido para todos, e portanto, se quiserem, se nós ganharmos todas as 50 câmaras que o PS vai ter que mudar de cabeça de lista por essa mesma razão, o saldo não fica mal.
E entre as autarquias perdidas, quais são aquelas que acredita que o PCP ou a CDU podem recuperar?
Os nossos objetivos são claros. O primeiro objetivo fundamental para as eleições é aumentar e elevar a base popular de apoio ao projeto da CDU. Essa é a primeira questão. Claro, as eleições são muito importantes, os resultados são muito importantes, mas nós precisamos de aumentar a base popular de apoio à CDU.
É importante o número de votos no final da noite?
Não é só o número de votos. É o número de votos, o número de pessoas envolvidas. Eu percebo a ideia de fazer uma leitura nacional das eleições, mas as eleições autárquicas são muito particulares. São 308 batalhas eleitorais. E em 308 locais com características muito particulares. E às vezes, há situações muito particulares de cada sítio que dão a volta completa. E, portanto, nós vamos olhar para elas como 308 batalhas. Não vamos olhar para elas como uma única eleição. Claro que a CDU tem uma base popular de apoio que está muito para lá das fronteiras do PCP, que está muito para lá das fronteiras do Partido Ecologista Os Verdes, e que tem muitos independentes e tem até muita gente de outras forças que vota em eleições nacionais - legislativas e outras - e que no local votam na CDU. E são bem-vindos e apoiam. E é isso que nós queremos. Nós temos 19 presidências com um trabalho feito e uma obra feita, e queremos que se compare com outros. Estamos completamente à vontade desse ponto de vista. Comparem o nosso trabalho com o trabalho de outros, com um projeto completamente diferente de todos os outros. Não só queremos trabalhar para aguentar essas, para reconquistar essas com outros objetivos. Nós vamos disputar naturalmente com convicção.
Quando no Congresso fez uma referência muito concreta à necessidade de ir buscar independentes, pergunto-lhe se este apelo à convergência dos independentes, se tem alvos específicos já pensados? Ou seja, onde é que isto se pode materializar de forma mais concreta?
Vi com alguma surpresa o destaque que foi dado a essa afirmação porque se há coisa que a CDU tem prática e em particular no que diz respeito às autárquicas, é ter muitos independentes envolvidos. Gente muito diferente que não está lá para preencher lugares. Está lá para participar com a sua opinião, com a sua construção. Esta é a matriz que temos.
A CDU vai ter independentes a encabeçar listas?
Sim, mas isso não é inédito. Temos tido várias experiências dessas, todas elas bem sucedidas, felizmente, e vamos continuar a apostar nisso. Nós estamos numa grande acentuação da ofensiva da injustiça e da desigualdade no nosso país. E é preciso que os democratas e os patriotas - aqueles que acham que o país não está condenado a este processo de desigualdade e injustiça - se mobilizem e se envolvam. Então, que olhem para o PCP como o porto seguro que é. Um partido de confiança, que pode ser confiável e de confiança, para se agregarem ao PCP, no quadro mais amplo, nomeadamente nas batalhas eleitorais no quadro da CDU, para abrir caminhos para a alternativa que se impõe ao país. É neste sentido que é feito este apelo e que terá uma expressão concreta nas autárquicas, que é a próxima batalha eleitoral que vamos ter, se não tivermos eleições na Madeira antes, naturalmente.
Está completamente fora dos planos do Partido Comunista, estabelecer entendimentos com o Partido Socialista nestas autárquicas?
Mas qual o Partido Socialista? O das proclamações ou aquele que votou a favor do Orçamento de Estado do PSD e CDS?
O do Pedro Nunes Santos que foi o que votou a favor do Orçamento...
Do Orçamento de Estado do PSD e CDS, não é?
É esse mesmo.
Que se subjugou a estes objetivos do Governo, que se tornou cúmplice dele, e que vai ser, se me permitem, responsabilizado pelas consequências de um desastre que é o Orçamento de Estado. Mas, se me permitem ainda, não foi só isso que o PS fez. O PS fez uma outra coisa por opção própria. Ninguém o empurrou para isso. Há duas ou três semanas, o PS na Câmara Municipal de Lisboa, aquela Câmara que o PS diz “tudo contra o Moedas, o Moedas é um desastre”, viabilizou o orçamento da Câmara Municipal de Lisboa. Os votos do PS permitiram que o orçamento passasse. O tal orçamento que é um desastre. Mas ao mesmo tempo, ao lado, em Setúbal, que é uma terra pela qualql que eu tenho uma paixão particular e até digo isto com uma certa emoção, esse mesmo Partido Socialista votou contra o orçamento da Câmara Municipal de Setúbal gerida pela CDU. Não sei se isso responde à pergunta que fez, mas clarifica muito bem quais são as opções de fundo do Partido Socialista.
Não nota diferença entre o PS nacional e os PS locais?
Eu teria essa dúvida se o PS nacional tivesse votado a favor do orçamento de Estado do PSD e CDS e tivesse feito opções diferentes do ponto de vista autárquico. Infelizmente, acho que isto não é um problema de juízo de intenções, não é um problema dúvida. É um problema de factos. E o PS optou pelos caminhos que entendeu. Agora, não nos venham a pedir ao PCP e à CDU para pôr a mão por baixo dessas opções, isso é que não.
O Partido Comunista teve um entendimento com o Partido Socialista, e passou assim, de alguma forma, a ter voz ativa no governo. Estou a referir-me aos primeiros anos do António Costa. Aparentemente, há uma viragem mais à esquerda do Partido Socialista com Pedro Nuno Santos, e há um governo de direita, mas em vez das esquerdas aparecerem unidas, parece que há um afastamento. Porquê?
Eu percebo a pergunta seja feita a mim porque só eu que estpou aqui. Mas essa pergunta não pode ser dirigida ao secretário-geral do PCP. Quer dizer, poder pode, e eu vou procurar responder, mas o alvo principal dessa pergunta não não sou eu. Porque todo o quadro que desenhou está certo, falta um ligeiro pormenor. É que nesse quadro todo, foi o PS que deu mão, foi o PS com sua abstenção que deu a mão ao orçamento de Estado do PSD e do CDS. Não foi o PCP! Não foram as outras forças de esquerda! Não, foi o PS! E portanto a pergunta, se me permite esta ousadia, tenho que a devolver ao Partido Socialista, que tem que explicar por que carga de água é que decidiu apoiar um orçamento de Estado que deixa 1% do IRC, que dá 1800 milhões de euros em benefícios fiscais aos grupos económicos, que dá 1500 milhões de euros em parcerias público-privadas, em que mais de metade do orçamento do Serviço Nacional de Saúde é entregue aos grupos que fazem da doença, o negócio. O PS vai ter que explicar isso. Da nossa parte estamos muito tranquilos! Preocupados, mas tranquilos.
O ano de 2025 vai ser muito preenchido pelas autárquicas mas depois, ao virar da esquina em 2026, logo no arranque, há presidenciais. Estamos a 13 meses. Não teria sido mais mobilizador tratar do assunto com outro destaque no Congresso da Almada?
Acho que não, porque é claro que o tempo passa muito depressa, e nós não podemos ser apanhados na curva, como se costuma dizer. Mas eu acho que as presidenciais é daquelas coisas que estão não só distantes do ponto de vista do calendário, como estão muito distantes das preocupações das pessoas. As pessoas estão preocupadas em como é que chegam ao final do mês com o salário que têm, como é que chegam ao final do mês com as pensões que têm e têm que comprar os medicamentos, a comida, pagar tudo. Estão preocupadas porque no dia 1 de Janeiro vão entrar em vigor duas coisas. É o orçamento de Estado, que é um desastre, volto a dizer, e é uma outra coisa que se chama, na gíria, “atualização de preços”, mas na conversa popular se chama “aumentos”. E é a isto que é preciso responder. Estamos nós, nesta bolha mediática, demasiado preocupados com as presidenciais, quando devíamos estar todos concentrados na resolução da vida das pessoas. Agora, é uma batalha política da qual o PCP não vai prescindir de intervir, isso é uma evidência. Aliás, até com um historial que fala por nós, de que não prescindiremos de nenhum espaço e não faltaremos ao combate pela defesa do regime democrático.
Falou em não prescindir de espaço, mas de qualquer forma, já admitiu que o PCP pode não avançar com um candidato próprio. Que perfil de candidato defende? Será que Sampaio da Nova poderia ser um nome aceitável para o Partido Comunista?
Nós sabemos que aquilo que tem marcado a nossa intervenção no quadro das presidenciais tem sido procurar encontrar uma voz que afirme um elemento central do que está em discussão nas presidenciais. Precisamos de uma pessoa que, de uma vez por todas, cumpra e faça cumprir uma coisa que se chama Constituição da República Portuguesa, nos seus artigos todos. Não é só no artigo A, B ou C. É nos seus artigos todos. Desde logo no artigo 65º, do direito à habitação. Talvez seja o perfil central de uma pessoa que o PCP esteja em condições de apoiar e uma pessoa da qual o PCP esteja em condições de mobilizar em função de uma pessoa que cumpra e faça cumprir a Constituição da República.
Os últimos dois secretários-gerais foram candidatos presidenciais...
Foram, mas também já houve um secretário-geral que não o foi. Aliás, mais que um, dois, não é? Um por razões óbvias, e outro que não foi por opção.
Durante o Congresso de Almada, falou em alguns erros de comunicação na passagem da mensagem do PCP em relação à guerra na Ucrânia. Não se nota, pelo menos no PCP, uma mudança significativa no discurso. O discurso do PCP vai mudar ou não vai mudar, em relação à situação na Ucrânia?
Passados estes dois anos, aquilo que nós podemos constatar, infelizmente, é que o PCP tinha razão. Quer dizer, uma coisa foi aquilo que caricaturaram da posição do PCP, outra coisa foi a posição que o PCP teve. E, infelizmente, nós estamos numa situação em que tudo está a comprovar aquilo que nós dissemos. Nós dissemos que os intervenientes na guerra não eram apenas Rússia e Ucrânia. Está provado que não são os únicos intervenientes na guerra. Dissemos que a guerra não tinha começado naquele dia 22 de fevereiro, tinha começado antes. Claro, teve um aumento brutal da sua dimensão, mas não começou naquele dia. E dissemos uma outra coisa: talvez seja a coisa até mais importante daquilo que dissemos na altura. Era preciso que todos nos empenhássemos - já que não foi possível evitar - no fim daquele processo de guerra. Dois anos depois, o que é que aconteceu? Uma parte significativa do mainstream, posso assim dizer, achou que o caminho era mais armas, mais mortos, mais destruição. E nós chegámos a não sei quantos milhões de mortos e de feridos - não sabemos quantos são de um lado e do outro - chegámos a um país destruído, economias destruídas, economias não só da Ucrânia e da Rússia, mas também as outras, por efeito dominó. Para quê? Para quê? Para chegarmos ao fim de dois anos, ou ao fim de dois anos e meio, qual vai ser o desfecho daquilo? Vai ser o desfecho que nós antecipámos há dois anos. Concentremos-nos todos na paz. E se nos concentrarmos todos na paz, evitamos uma destruição. Não só não evitámos a destruição, como não evitámos milhões de mortos. É como lhe digo: o PCP, mais uma vez, infelizmente, tinha razão! Não digo isto com satisfação, sinceramente. Mas o PCP, mais uma vez, tinha razão. E volto a dizer: aquilo que se impõe neste momento, é que todos nos mobilizemos. Não para mais armas, não para mais guerra, não para mais destruição. Eu até, sinceramente, fico um bocadinho constrangido com a insensibilidade daqueles que acham que falam de forma leviana sobre a possibilidade de um confronto nuclear entre potências nucleares. Não sei se alguém está a perceber bem o que é que isso significa. Ou então, devem estar a pensar que isto é como nos filmes de Hollywood, que volta para trás e começa a...
Mas essa posição de guerra nuclear ou de ameaça nuclear, não é uma posição assumida essencialmente por Moscovo, mais que pelos aliados?
Escute lá uma coisa: Moscovo também faz parte deste processo. E portanto, não há que ter em conta essa questão também? Eu acho que há que ter em conta isso. Eu acho que há pessoas que pensaram que isto era um um jogo de vídeo. E portanto, começava e recomeçava... Nós estamos a falar de milhares de mortos.
Portanto, não há saída para isto, sem haver cedências territoriais de ambas as partes?
Não há saída para isto, sem sentar à mesa os intervenientes na guerra. E os intervenientes são a Rússia, a NATO, os Estados Unidos, a União Europeia e a Ucrânia. Sem sentar à mesa estes intervenientes, não há saída para este problema. Eu acho que está na cara que não há um desfecho militar deste processo. Tem que haver um desfecho político e um desfecho negociado. Coisa que podia ter acontecido há dois anos. Se fossemos nós a mandar, ela não tinha começado e tinha tido naturalmente este desfecho.
Paulo Raimundo, olhando um bocadinho agora também para dentro do PCP que desde 2020 perdeu cerca de 2 mil militantes. As novas entradas aparentemente não compensaram as saídas. O que vai ser feito para recrutar e formar novos quadros?
Estamos empenhados, é um facto. Nós tivemos entre um congresso e outro, cerca de 5 mil saídas, grosso modo. Mais de 90%, infelizmente, por questões de falecimentos, não há como alterar isso, é a vida, a lei da vida a impor-se. E, de facto, o número de gente que entrou para o partido não compensou o número daqueles que saíram, em particular estes cerca de 4 mil, mais de 4 mil, por falecimento. Mas há um elemento que. não nos satisfaz só por si, mas dá-nos sinais de esperança. É que destes 3.500 novos que entraram, grosso modo, 70% têm menos de 40 anos. O que nos dá uma ideia de que é gente nova, nova gente, inserida no dia a dia, na vida, no trabalho, e, portanto, dá-nos confiança para a frente. E, se me permitem, já que estamos a falar para dentro, como foi aqui dito, nós tínhamos lançado na Conferência Nacional uma linha de trabalho de responsabilização de mil novos quadros. Chegámos ao Congresso com essa meta ultrapassada. O que é que quer dizer mil novos quadros responsabilizados? Quer dizer que há mais mil militantes com responsabilidades concretas para dinamizar o partido, a sua atividade, a sua ação, para chegar a mais gente. E volto a dizer: comigo as coisas são muito claras, sem menosprezar as dificuldades, mas nós estamos no caminho certo. Estamos no caminho certo!
O retrato que é feito nas teses, mostra que 10% de militantes têm menos de 40 anos, e mais de 50% têm mais de 64. Isto é um desalinhamento do partido em relação à sociedade portuguesa ou o partido está alinhado?
Nós estamos a envelhecer. Mas, desse ponto de vista, estamos alinhados. Mas nós somos um partido que chegámos ao 25 de Abril com 5 mil militantes. E, passados 3 meses, passámos de 5 para 150 mil militantes. Agora, o 25 de Abril foi há 50 anos. Está vivo, está jovem, mas foi há 50 anos. Isso quer dizer que aqueles que tinham 20, 30 anos, hoje têm as idades que têm, uns 40. O que é que eu quero dizer com isto? Nós temos um orgulho imenso de todos aqueles camaradas que têm hoje 70, 80, 90 anos, que, em alguns casos, ainda hoje, são construtores do partido. E fazem cá muita falta. E não dispensamos nenhum. E temos um orgulho imenso de ter essa gente toda. Agora, precisamos de gerações mais novas, é um facto. E é isto que estamos a procurar fazer. Aliás, aqueles números de recrutamento vão nesse sentido.
Como é que estão as contas do PCP. Porque as subvenções têm baixado, isto é uma ameaça à existência do partido? E como é que estão as contas, particularmente?
As contas estão certas. Eu orgulho-me muito nisto, sinceramente, orgulho-me nisto. É um motivo de orgulho e um motivo de independência política e ideológica do PCP. 90% das receitas do PCP são receitas próprias. Isso significa o quê? Ao contrário de outros partidos. Significa que 10% são receitas que prevêm de subvenções e menos eleitos significa menos subvenção, menos votos significa menos subvenção. É nesse quadro e no quadro atual, que esse partido com menos subvenção foi o que propôs uma redução da subvenção aos partidos. Portanto, não estamos muito à vontade com isso agora! Mas, claro, contamos com um empenho extraordinário dos militantes do partido, dos seus amigos das iniciativas, dos contributos, dos eleitos. Está aqui um bom exemplo deste princípio de não ser beneficiado nem prejudicado o que significa também de contributo financeiro para o partido e é com grande orgulho que digo que podem atacar-nos muito e faz moça, não tenho dúvida ,mas nós mantendo a nossa independência financeira, também mantemos a nossa independência ideológica e política, coisa que outros não podem dizer.
O património do PCP é uma força também, nesse caso?
Claro! Aliás, nós gerimos o nosso património como gostaríamos de gerir o país: com rigor, com transparência, com eficiência e ao serviço, neste caso, do partido. Se fosse do país, era ao serviço do país. Neste caso, é do partido
O património não está ameaçado?
Estamos a geri-lo da melhor maneira, em função da realidade concreta.
