Pedro Nuno admite viabilizar Governo minoritário da AD, Montenegro mantém tabu (e a "coação" dos polícias)
No frente-a-frente televisivo de Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro, falou-se de passado, presente e futuro - mas não foi possível ignorar os ecos das vozes dos polícias que protestavam à porta.
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No confronto entre os líderes dos dois maiores partidos da oposição, Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro falaram dos erros do passado e atiraram um ao outro culpas pelos problemas do presente. Da Saúde à Habitação, passando pelas pensões e pela carga fiscal, muito foi o que separou os dois líderes, que não deixaram de chamar ao debate vários "fantasmas" que os assombra. Mas houve também espaço para olhar para o futuro - e se é de futuro que se fala, vale viajar já para o que pode acontecer depois de 10 de março. O secretário-geral do Partido Socialista (PS) admitiu viabilizar um Governo da Aliança Democrática (AD). Já Montenegro não quer equacionar um cenário em que o Partido Social Democrata (PSD) perca.
Governabilidade
Pedro Nuno Santos não deixou margem para dúvidas: se a Aliança Democrátia vencer sem maioria absoluta, não será o PS quem irá inviabilizar um Governo de Luís Montenegro - mas não promete aprovar Orçamentos do Estado aos sociais-democratas.
O líder socialista afirmou que "o PS não apresentará nem viabilizará uma moção de rejeição", se os sociais-democratas forem os vencedores das eleições de 10 de março. Ainda assim, acrescentou, orçamentos que contenham o "definhamento do SNS", entre outras políticas que o PS considerem negativas, não contarão com a aprovação socialista.
Já Luís Montenegro foi menos claro sobre o que fará num cenário em que seja o PS a vencer as eleições. Recusa-se a equacionar a hipótese de o PSD não ser o partido mais votado, embora reconheça que será "difícil" conseguir maioria absoluta. O líder social-democrata considerou que será mais "alcançável" um segundo objetivo, o de formar uma maioria com a Iniciativa Liberal e, ao mesmo tempo, admitiu, estabelecer diálogo com o principar partido da oposição - no caso, o PS (embora dale em contactos e negociações com todos os partidos do arco parlamentar).
Forças de segurança
O debate entre os líderes dos dois maiores partidos políticos fica marcado por um protesto das forças de segurança em frente ao Capitólio, em Lisboa, onde decorria o frente-a-frente. Centenas de polícias concentraram-se à entrada do espaço, com faixas e entoando palavras de ordens para demonstrar descontentamento.
O assunto mereceu destaque e foi logo tema no arranque do debate, com Luís Montenegro a prometer negociações para tentar resolver uma "injustiça", referindo-se à desigualdade na atribuição de suplementos entre as forças de segurança.
Já Pedro Nuno Santos adotou uma postura bem mais dura e crítica perante o protesto, afirmando que, ainda que seja importante chegar a um acordo, "a garantia da ordem não se negoceia sob coação".
Pensões
Sobre a expressão usada por Montenegro, quanto a uma "reconciliação" com os pensionistas, o líder do PSD reconheceu que se referia aos cortes feitos no passado. "Assumo isso", disse. No entanto, ressalvou que não se tratava de uma "assunção de culpas". Luís Montenegro lembrou que foi o PS quem chamou a "troika" e pôs o corte das pensões nos termos do acordo e que os sociais-democratas "não tiveram opção" - afirmando ainda que, também em 2022, o PS quis cortar nas pensões, e que, depois em 2023, António Costa "arrependeu-se".
"Não podemos estar sistematicamente a mentir na campanha eleitoral", acusou Pedro Nuno Santos, frisando que "nenhum pensionista teve corte nas pensões" e que em outubro de 2022 foi adiantada meia-pensão.
Recordando a governação social-democrata, Pedro Nuno Santos acusou o PSD de ir "para lá do memorando", dizendo que se "gabaram de terem ido além da troika" e que tentaram fazer com que o corte das pensões fosse permanente, tendo sido travados pelo Tribunal Constitucional.
Olhando para um hipotético futuro, Montenegro garantiu que, se for primeiro-ministro, todos os anos haverá atualização de pensões de acordo com a lei - além de uma atualização maior das pensões mais baixas e a garantia a todos os pensionistas de um rendimento mínimo mensal de 820 euros.
Habitação
No que toca à Habitação, Pedro Nuno Santos afirmou que "não há balas de prata" e quem as promete "está a enganar as pessoas". O PS quer aumentar o parque público de habitação, que está nos 2%, e diz que é preciso atuar na oferta, mas também na procura.
"Neste momento, nós temos o país todo em obras", garantiu o socialista, dizendo que também há propostas para aumentar a oferta privada.
Do lado da procura, Pedro Nuno Santos diz que no PS "ninguém falou em garantia total" e diz que essa medida "tem de ser modelada". O líder do PS considera que a AD "está a contornar uma regra macroprudencial do Banco de Portugal" no apoio à compra de casa, propondo uma garantia pública de 15% ou 20% no empréstimo.
Já Luís Montenegro acusou Pedro Nuno Santos de "falhar" a promessa de que todos os portugueses teriam uma habitação digna quando se assinalassem os 50 anos do 25 de Abril. O líder do PSD considera que o líder socialista quer "iludir" os portugueses e apresenta propostas irresponsáveis nesta matéria. Pelo contrário, defende, o PSD escolhe tirar carga burocrátia, ter uma fiscalidade mais amiga dos investidores, apostar nas parcerias público-privadas, na isenção de imposto de selo aos jovens na compra da primeira casa, assim aumentando a oferta do lado privado, além da oferta pública . onde, assume, gostaria de alcançar, nos próximos quatro anos, uma média de 50 mil novas casas ao ano, embora admita que é um número "muito difícil de atingir".
Saúde e Educação
Pedro Nuno Santos começou logo por rejeitar a ideia de que PS e AD tenham a mesma preocupação relativamente ao SNS, além de negar as acusações de desinvestimento na saúde.
O líder do PS reiterou o aumento do número de consultas e cirurgias no Serviço Nacional de Saúde e afirmou querer"apostar na prevenção e nos cuidados de saúde primários" para retirar a pressão dos hospitais, garantindo que são "medidas para serem tomadas já".
Pedro Nuno Santos propôs também juntar os serviços de saúde e os serviços sociais para olhar de "forma diferente para o envelhecimento", tendo os médicos dos lares a prescreverem medicamentos.
Ao mesmo tempo, o líder do PSD acusou o PS de ver as pessoas "como números", notando que a execução do Orçamento para a Saúde, nos governos PS desde 2016, ficou sempre abaixo dos 59% (à exceção dos anos de pandemia de 2020 e 2021).
Luís Montenegro defende um "plano de 60 dias" para aplicar imediatamente à Sáude, caso se torne primeiro-ministro, e que passa por reorganizar a rede de urgências (em especial, obstetrícia e pediatria), garantir consultas nos centros de saúde, criar um gestor do doente crónico, assegurar o cumprimento de tempos maximos de espera para consultas e cirurgias - se esse tempo for ultrapassado, automaticamente dar ao utente um vale para procurar resposta no setor privado ou no setor social. Montenegro promete também garantir resposta de medicina familiar para todos até ao final de 2025.
Luís Montenegro apontou também o dedo ao PS, pelo número de hospitais privados que abriram em Portugal nos últimos anos. "Vocês são os melhores amigos da indústria privada da Saúde", disse Montenegro a Pedro Nuno Santos, falando numa "hipocrisia brutal", por os socialistas "diabolizarem" o setor privado, mas acabarem a promovê-lo.
O líder do PS reiterou que não tem dogmas com o setor privado da saúde, mas "havendo dinheiro" prefere investir no Serviço Nacional de Saúde e nota que não é desistindo dele que se resolvem os problemas que o afetam.
No que toca à Eduação, a proposta do PSD passa pela contagem do tempo de serviço congelado dos professores; o estímulo do ensino profissional e um plano de recuperação de aprendizagens - com Pedro Nuno Santos a responder respondeu que o PS não vai "propor o que aboliu" relativamente aos exames no primeiro ciclo
Montenegro notou que, hoje, 25% dos alunos do ensino secundário estão em escolas privadas. O líder socialista afirma que "mais de metade desses 25% são no ensino profissional e 11% estão no ensino secundário". Mas, para o líder do PSD, a realidade está a favorecer quem tem mais dinheiro, mas também a fazer com que as famílias gastem mais das suas poupanças para aceder a uma resposta educativa com maior qualidade - com o endividamento familiar a quadruplicar, face a 2015 (sobretudo por causa de despesas com Saúde e Educação).
"A juntar ao que aconteceu na Saúde, que foi o favorecimento do setor privado, há uma desvalorização da escola pública, penalizando sobretudo as que têm menos rendimentos", alega o presidente do PSD.
Crescimento económico e política fiscal
O presidente do PSD antevê até 2028 um crescimento de 3,4%. Fala numa "ambição legítima" e "exequível", perante a capacidade de atrair novo investimento. Visão que, defende, contrasta com a do PS, que, aos olhos de Luís Montenegro, "baixou os braços", antevendo um crescimento máximo de 2%. "Não confia sequer no que andou a fazer nos últimos anos", atirou, afirmando que é com uma política fiscal "mais agressiva" que se atrai esse investimento necessário - para que as empresas não escolham os países de Leste, em vez de Portugal - e não olhando para os impostos como um modo de "arrecadar receita".
Já Pedro Nuno Santos diz que o PS apresenta um programa para "dar resposta a problemas estruturais" em Portugal, admitindo que, até agora, Portugal não conseguiu selecionar setores científicos e tecnológicos para alavancar a economia, tal como outros países fizeram. Mas rejeita que seja um "choque fiscal", como propõe o PSD, a fazer o país crescer, contrapondo com um "choque de produtividade".
No que toca ao IRS, Montenegro promete baixar as taxas até ao oitavo escalão, com maior incidência sobre a classe média; ter um IRS dirigido aos jovens com uma taxa máxima de 18% e ainda isentar de IRS prémios de produtividade. Mas, para Pedro Nuno Santos, aquilo que o PSD propõe é uma "aventura fiscal", dizendo que "a perda acumulada em cinco anos são cinco mil milhões de euros".
"Mostrou a sua impreparação para governar ao não saber fazer contas", acuou Pedro Nuno Santos, que estabelece somente o compromisso de "atualizar todos os anos os escalões do IRS à taxa da inflação".
Polémicas e fantasmas do passado
Luís Montenegro não deixou de trazer ao debate as várias polémicas nas quais Pedro Nuno Santos esteve envolvido, enquanto ministro socialista. Desde logo, o episódio da decisão sobre o novo aeroporto, quando, diz Montenegro, "à revelia do primeiro-ministro" o então ministro das Infraestruturas anunciou uma localização. "Uma trapalahada", nas palavras do presidente do PSD, que afirma que foi ele próprio, enquanto líder social-democrata recém-eleito, chamada a resolver, quando António Costo pediu um consenso com o PSD sobre essa matéria. Luís Montenegro foi mais longe e afirmou mesmo que foi ele quem "salvou" Pedro Nuno Santos do "imbróglio" que havia criado.
"Nunca teve experiência governativa, não conhece a responsabilidade", respondeu Pedro Nuno Santos que, no que toca ao novo aeroporto, afirma que, se for primeiro-ministro, "vai procurar" um entendimento com o PSD, mas "se não conseguir, avançará".
Também os "fantasmas" dos ex-líderes partidários e ex-líderes de Governo das duas forças políticas, José Sócrates e Pedro Passos Coelho, foram invocados no debate. Quando Luís Montenegro defende uuma valorização do ensino profissional, como "a que existiu entre 2011 e 2015", Pedro Nuno Santos ironiza que esse período tinha sido muito bom e a discussão descambou para as lideranças anteriores dos dois partidos. Pedro Nuno Santos perguntou a Luís Montenegro se não convidou Passos Coelho para a convenção da Aliança Democrática, enquanto Luís Montenegro trouxe à baila José Sócrates e perguntou ao atual líder socialista se tem vergonha do antigo secretário-geral do PS.