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Na entrevista TSF/JN, Rui Tavares afirma que se o “Livre tiver mais votos do que a IL e se o PS tiver mais do que a AD, a esquerda governará”. Considera que o Presidente fez “uma correção de rumo” e que o próximo Governo não será conhecido na noite das eleições: “Vai ser preciso partir pedra.” Pedro Nuno Santos deve preocupar-se em ultrapassar “a incapacidade de crescer ao centro”. O Livre quer governantes a passar pelo crivo do Parlamento para evitar questões éticas.
Pedro Nuno Santos afirma que o Livre pode contribuir indiretamente para a vitória da AD porque, no ano passado, o PS perdeu por 50 mil votos e o Livre obteve 200 mil. Como é que contraria este argumento para o voto útil?
Bem, há tantas maneiras de contrariar que a dificuldade é escolher. Em primeiro lugar, Pedro Nuno Santos não foi primeiro-ministro há um ano porque não o quis. A esquerda tinha mais deputados do que a soma da AD e da IL, o Chega estava posto fora de qualquer bloco de governação pelo famoso “não é não”, e Pedro Nuno Santos simplesmente disse a Luís Montenegro e ao PSD tomem lá a bicicleta, governem. Não insistiu, nem junto do Sr. Presidente, nem sequer na contagem dos votos, portanto toda a gente se lembra que, ao contrário do que tinha dito, por exemplo, António Costa, Pedro Nuno Santos não quis esperar que os votos acabassem de ser contados, quis ir para a oposição. Eu estou convicto que ele percebeu que isso foi um erro. Deu a marcação da agenda e da dinâmica política a Luís Montenegro e estamos a pagar esse preço agora. E tenta, de certa forma, compensar esse erro dizendo o que disse sobre 50 mil votos que o PS não conquistou. Não são 50 mil votos do Livre ou de outro partido qualquer, são 50 mil votos que o PS não conquistou para um jogo completamente espúrio que é o de saber quem é que fica em primeiro na tabela. Ora, o parlamentarismo não é como o futebol, quem fica em primeiro lugar na tabela não quer dizer que vá governar, quem governa é quem consegue estabelecer um bloco governativo com um apoio mais coeso e mais coerente. Aliás, não nos fica bem a nós à esquerda, depois da experiência das geringonças, estar a dizer às pessoas uma coisa que não é verdade. O Livre neste momento está a fazer o seu trabalho que é crescer. E já nem estamos nos 200 mil votos que tivemos há um ano. A gente olha não só para as sondagens, mas para a resposta que as pessoas nos dão e o Livre pode ter bastante mais do que 200 mil votos, isso significa muitas vezes votos disputados à direita e que regressam à esquerda dentro dos 800 mil que a esquerda perdeu, não nos podem criticar por fazermos o nosso trabalho. E também, além disso, se o Pedro Nuno Santos gostaria que o Livre tivesse tido menos 50 mil votos para o PS ter mais 50 mil, qual é que é exatamente o deputado do Livre que ele acha que nós não deveríamos ter? Votos tirados entre a esquerda não aproximam a esquerda de governar. Seria muito mais simples, inclusive para Pedro Nuno Santos pensar assim, nós precisávamos ter tirado 25 mil votos e não 50 mil à AD, porque 25 mil votos tirados à AD é um que a AD perde e teria sido um que o PS ganhou. Portanto, o problema foi a incapacidade do PS na altura, de crescer ao centro. Não se deve preocupar que os partidos à esquerda cresçam, porque o crescimento deles todos é bom para que se voltemos a reequilibrar o nosso sistema político e a esquerda possa voltar a governar. Aliás, nas últimas sondagens, apesar de tudo, há um crescimento nesse sentido e não está tudo jogado, ainda pode acontecer até o dia 18 de Maio.
E, neste ano, o PS conseguiu crescer ao centro?
Há aqui uma coisa muito clara, para lá da disputa de quem é que fica em primeiro lugar, que como eu disse é completamente espúria, é preciso contar quantos votos, quantos deputados é que têm um bloco mais coerente de governação que há. Nós hoje em dia sabemos que a AD e a IL governarão juntas, se necessário for, o Rui Rocha já o disse muito claramente, quer dizer, diz que Luís Montenegro foi irresponsável, mas diz que está disposto a governar com ele. Portanto, mesmo que Pedro Mundo Santos tivesse mais um deputado do que a AD, não governaria, porque entretanto teria que contar também com os mandatos da IL. O que existe é a possibilidade da AD e IL governarem em conjunto ou do PS e Livre e outros partidos à esquerda que queiram fazer parte de uma solução governativa governarem em conjunto. Ou seja, se Livre tiver mais do que a IL e se o PS tiver mais do que a AD, a esquerda governará. Isto parece absolutamente claro. Portanto, o Livre está a fazer a sua parte do trabalho, disputar votos na juventude, disputar votos nas áreas urbanas, disputar votos com um discurso sobre a liberdade que se opõe a esta liberdade desidratada que os liberais nos querem dar, que é uma liberdade demasiado simplista, é só menos Estado, mais liberdade, menos impostos, mais liberdade. Nós contrapomos um discurso em que dizemos a liberdade, para ser livre, cada pessoa precisa de coisas diferentes. Para ser livre uma pessoa precisa de acabar os estudos, para ser livre uma pessoa que anda em cadeira de rodas precisa ter uma rampa à frente do seu caminho em vez de ter escadas e degraus. Para ser livre uma pessoa que é vítima de violência doméstica tem que ter acesso ao subsídio de desemprego para poder refazer a sua vida. É um discurso também sobre os valores da liberdade, mas que nos permite disputar votos ao centro e à direita. O PS tem de conseguir fazer o mesmo e eu não consigo responder empiricamente à sua pergunta, mas espero que daqui até 18 de maio consiga fazer, porque isso significa reequilibrar o sistema político português, que a partir do momento em que pendeu à direita só nos dá instabilidade.
O Livre receia o abraço do urso por parte do Partido Socialista?
Não, não receamos abraço do urso nenhum, nós temos potencial de crescimento e estamos a dar mostras disso, temos ideias novas, temos vontade de as pôr em prática, temos uma capacidade hoje em dia de chegar às pessoas que nunca tivemos no passado e estamos otimistas. Acho que quem tem ideias nunca receia nenhum tipo de abraço do urso, nem receamos que queiram fazer de nós pequeninos para pesarmos pouco, nem receamos assumir responsabilidades que são responsabilidades necessárias para o país. Agora, é verdade que para podermos pesar em soluções de futuro, nós temos de crescer e as pessoas devem apostar em nós. Vou dar dois exemplos muito concretos. Um tem a ver com a questão agora de Luís Montenegro e de saber se um primeiro-ministro pode ou não ter uma empresa de consultoria em funcionamento na sua esfera familiar. Nós dizemos que não deve e não pode e nós queremos que seja implementado um critério, como existe noutros países, no Canadá, no Reino Unido, noutros países que, na Dinamarca, noutros países que são dos mais eficazes na luta contra a corrupção, que são dos mais eficazes na luta pela transparência e pela integridade, que é que uma empresa deste tipo tem que ser colocada em gestão profissional independente, completamente separada em termos de informação, de fluxo de informação, o primeiro-ministro em causa da sua empresa. Num Governo que seja apoiado pelo Livre nós vamos fazer essa exigência e, portanto, não haverá um primeiro-ministro com uma Spinunviva a saber quem é que põe lá dinheiro e os que puserem lá dinheiro a saberem que o primeiro-ministro sabe. Mas também queremos outra coisa. Nós queremos que ministros e ministras e, se possível, também secretários de Estado venham primeiro ao Parlamento fazer audições parlamentares, que é o momento ideal para apanhar conflitos de interesse, se os houver, para os sanar também e também para ver se a pessoa tem uma visão para a sua pasta, porque um ministro ou uma ministra que não se aguente numa audição parlamentar, no início de mandatos, também não se vai aguentar a meio e é melhor apanhar isso no início, tal como no Parlamento Europeu se faz com os comissários. Nós não vamos conseguir impor isso ao PS com quatro deputados, mas se tivermos o dobro de deputados conseguimos. O PS precisar de compor uma maioria à esquerda. Sabemos que se tivermos poucos deputados não vamos conseguir impor essa ideia, se tivermos muitos passa a ser mais possível, é por isso que nós precisamos de mais força.
Há um ano teve conversas sobre cenários eleitorais e de governabilidade com Pedro Nunes Santos e Mariana Mortágua e agora? O telefone tem estado ativo?
Bem, nós mantemos sempre uma boa relação, devo dizer que da memória histórica que tenho deve ser o momento que tem melhores relações pessoais entre as lideranças à esquerda e, portanto, devo reconhecer que é sempre possível ligar ou atender o telefone para resolver qualquer coisa, às vezes, um mal-entendido antes dele se tornar numa coisa mais grave, uma situação de fogo amigo a qual seja preciso prevenir. Acho que ainda resta muito a disputar até às eleições, mas que pode ser importante ao arco do progressismo e da ecologia de que o Livre faz parte dar sinais claros, de estar pronto para ter uma solução para o país no quadro destas eleições. É natural que as pessoas achem que depois de praticamente dez anos de maioria sociológica à esquerda, primeiro com um Governo de Geringonça que foi o mais estável que tivemos e depois Governos do PS, um minoritário e outro maioritário, que foram muito instáveis, que haja da parte das pessoas uma natural dificuldade em aceitar uma nova mudança de polaridade política um ano depois de ter havido a última e, portanto, a maneira que a esquerda tem de descansar as pessoas e dizer que estamos prontos a governar com objetivos muito claros é, por exemplo, haver um acordo público de governação.
Um acordo escrito.
Escrito. Pode haver depois das eleições, é claro, mas eu acho que ainda será mais justo e honesto perante as pessoas que há já antes. Em que digamos, na saúde, não vai haver privatização da saúde, na habitação, vai haver um grande programa que vai ser um programa de 500 milhões de euros anual para a habitação, para construir habitação pública. Nas questões da governação, como estas que eu acabei de mencionar, a fasquia estará mais elevada em termos das exigências de transparência e integridade por parte dos governantes. Em matéria internacional será reconhecida a independência da Palestina e não será interrompido o apoio à Ucrânia. Se estes elementos estiverem assumidos publicamente entre as lideranças à esquerda, eu creio que isto pode ser o elemento dinâmico que faça as coisas mudar no aproximar das eleições. Eu exorto os outros partidos a perceberem as vantagens de nos apresentarmos com alguns pilares programáticos conjuntos a estas eleições, que isso, de qualquer forma, é mais eficaz para podermos todos crescer, em vez de daqui a umas semanas estarmos naquele jogo de quem é que rouba um voto ou outro, que no global não aproxima a esquerda de poder sanar a instabilidade política em que Portugal está agora, por causa da direita.
Mas nessas conversas já percebeu se há eco para essa proposta de um entendimento escrito pré-eleitoral?
Bem, eu tenho estado a fazer esta proposta em público recentemente e eu acredito que há capacidade por parte das lideranças dos outros partidos à esquerda de ver mais longe. Às vezes é difícil fazer o que nunca foi feito, não é? E ter um compromisso histórico entre estes partidos no aproximar das eleições é algo que nós temos defendido, defendemos há 10 anos, nas eleições de 2015, e muitas vezes há um certo receio dos partidos de fazerem isso e de certa forma acharem que estão a dar demasiada liberdade aos eleitores. Mas os eleitores já reclamam essa liberdade para si, já vão usar, aqui a grande questão é, estamos capazes de crescer e de assumir responsabilidades governativas, de dar estabilidade ao país, dar governabilidade ao país ou não? E eu acho que há aqui espaço para fazer uma reflexão que possa ser útil para todos. Caso contrário, eu também estou disponível para ouvir as ideias que vierem do outro lado.
Quando fala de um programa político de mínimos para a esquerda, em que balizas está a pensar?
Estou a pensar em saúde, habitação, educação, estou a pensar num compromisso muito claro com matéria europeia e internacional, num momento de crise como este que estamos a viver. Além dos exemplos que já dei atrás, posso dar um outro. O Livre propôs recentemente que fosse realizado um estudo que fosse, no fundo, uma espécie de estudo de stress sobre o nosso próprio Estado de direito, como foi feito para a França. E em França os resultados desse estudo foram bastante inquietantes. Um choque autoritário, ou seja, por exemplo, a eleição de alguém, de uma figura como um Orban, um Trump, um Bolsonaro, só precisaria de 18 meses para, de certa forma, esventrar o Estado de direito em França. Nós, em Portugal, não fizemos esse estudo, nós precisamos saber qual é a resiliência real do nosso Estado de direito e, por exemplo, isso é uma das coisas que, certamente, seria por nós colocado em cima da mesa como um elemento programático a realizar nesse pilar do Estado de direito.
Para as eleições autárquicas, já são conhecidas algumas coligações com o PS, o Livre e não só. É um bom indício, esses entendimentos locais, para abrir a porta também a um entendimento a nível nacional?
Bem, atenção que nenhuma coligação está fechada neste momento. Claro, nós estamos em conversações com o PS, com o Bloco de Esquerda, com o PAN, também em muitos casos. O PCP pôs-se fora dessas negociações e, claro, não podemos impedir ninguém de vir a público e dizer que está a fazer essas negociações e que espera que elas cheguem a bom porto, mas é preciso deixar claro que não estão fechadas ainda porque dependem de trabalho programático, que às vezes é bastante árduo de fazer e que agora, neste momento, é muito interrompido pela campanha eleitoral. Nós precisamos de saber o que é que os outros partidos estão dispostos a fazer em termos de planos municipais de habitação, em que áreas temáticas é que cada partido vai trabalhar mais. No caso do Livre, por exemplo, há quatro anos em Lisboa o Livre ficou com duas áreas principais, Cultura, Conhecimento e Direitos Humanos, por um lado, e Ambiente, por outro. São áreas em que trabalhamos bem e queremos continuar a trabalhar, noutros municípios vai ser ainda preciso escolher. Depois também há casos de negociações que temos feito com o Bloco de Esquerda, a exemplo do que já tínhamos feito em Oeiras, há quatro anos, em que apoiamos a candidatura independente da Carla Castelo e que os partidos, de certa forma, servem para um movimento de cidadãos fazer a sua oposição a Isaltino, que é muito importante e fazemos uma avaliação muitíssimo positiva dessa colaboração com o Bloco de Esquerda, em Oeiras . Haverá outros municípios em que vamos tentar replicar esse modelo.
No caso de Lisboa, em que ponto está o processo?
Eu estou otimista para que surja uma coligação em Lisboa que derrote Carlos Moedas. Eu acho que vemos hoje o quão danoso é para uma cidade estar alguém como Presidente de Câmara que não tem uma estratégia para a cidade, porque não contava ganhar e porque está mais tempo a cuidar das suas ambições políticas do que a cuidar da própria cidade. Acho que uma coligação em Lisboa não pode ser só uma coligação entre partidos, tem que ser uma coligação com a população e, portanto, tem que fazer muita escuta, tem que ir às freguesias todas, tem que fazer muito aquilo que o Jorge Sampaio fez em 89 e isso é que mobiliza as pessoas para uma vitória, que é quando elas começam a perceber os partidos aqui em Lisboa estão a ouvir-nos e querem mudar a cidade.
Já falou no cansaço que pode ter resultado da governação socialista, sondagens recentes mostram que a maioria dos inquiridos responsabilizam a AD pela crise, ainda assim, acreditam que vai ser a AD a ganhar as eleições...
Acho que as pessoas se estão a precipitar na análise das primeiras sondagens. No outro dia fiz uma linha do tempo desta crise política, foi muito recente. As pessoas iniciaram o mês de Fevereiro, não imaginando o que é que aconteceria a seguir. Nós para aí a 25 de Fevereiro, se não me engano, tivemos a moção de censura do Chega. E pensei “o homem até que se safou bem”. Passado poucos dias, aparece um título no Expresso sobreLuís Montenegro e a Spinunviva, que na verdade, é uma empresa sua, de uma maneira ou de outra,não vale a pena dizer que estava na bolsa da mulher ou estava na mochila dos filhos. É uma empresa para a qual ele angariou clientes, estava a receber avenças regulares desses clientes. A questão fundamental é informação. Ou seja, os clientes sabem que Luís Montenegro sabe que eles estão lá a pôr dinheiro e Luís Montenegro sabe quem são os clientes. Isto, por mais que um primeiro-ministro diga, “eu não faço fretes”, gera a possibilidade de uma influência e gera a desconfiança de uma influência. O que quer dizer é que baixa a fasquia da maneira de fazer política no país. Isto foi há um mês. Surgiram muitas notícias, estão sempre a surgir notícias. O que é que as pessoas neste momento estão a ver? Estão a ver que foi-lhes atirada para cima uma decisão que um eleitor, em geral, não quer que seja sua, os nossos concidadãos não são juízes, não são procuradores, como nós não somos, e portanto não querem perceber se num detalhe técnico isto aqui é uma questão mais criminal, mais cível, mais de corrupção, mais ética e depois virem dizer que cada um tem a sua ética, etc. O que as pessoas têm que responder é a uma pergunta muito simples: isto é normal ou não é normal? Luís Montenegro acha que é normal e por isso rodeia-se de pessoas que também acham que é normal. A gente vê que o Hugo que Soares acha normal ser líder parlamentar do partido que apoia o Governo e receber numa empresa de que aparentemente ele é o único consultor, três vezes mais do que recebe como deputado. Isso quer dizer que o seu critério ético é que isto deve ser tudo normal, deve ser tudo “à vontadinha”. Para nós não é normal e eu acredito que há uma enorme percentagem de portugueses para quem isto não é normal. O que pode acontecer é que muitas pessoas já tenham baixado os braços em relação a tentar ter um país em que a exigência seja maior.
Mas se a AD voltar a ter o mesmo resultado ou o PS vencer sem maioria, devem ter condições no Parlamento para governar?
Luís Montenegro não quer dar-nos estabilidade, ou melhor, quer tanto dar-nos estabilidade hoje como nos queria dar a ética há um ano. Isso é apenas uma palavra na sua boca para ganhar eleições. Luís Montenegro quer poder. E o poder nas mãos da AD, neste ano que passou, nós já vimos para o que é. Esse poder é para privatizar aspetos essenciais do Estado Social. Esse poder é para fazer uma razia enorme nos quadros do Estado e meter aparelhismo político. E agora as pessoas dizem-nos “se fosse o PS era a mesma coisa”. Bem, é por isso que o Livre existe, é por isso que outros partidos existem. Porque nós devemos aproximar-nos de um parlamentarismo mais puro, no qual nós olhamos para a composição de um parlamento depois das eleições e deve haver condições de governabilidade, não é falsa estabilidade, não é, digamos, a paz podre dos cemitérios. É verdadeira dinâmica parlamentar, em que os partidos põem os seus assuntos em cima da mesa. Pode ser o círculo nacional de compensação, por exemplo. O círculo nacional de compensação que é um elemento essencial para democratizar o nosso país. O Livre quer, a iniciativa liberal quer, o Bloco de Esquerda quer. Quem é que não quer? Nem o PS, nem o PSD. Mas quem é que quer mais? Querem os eleitores de Coimbra, de Santarém, de Évora, de Vila Real e por aí afora. Portanto, o que é que nós devemos fazer? Nós devemos dar força a quem quer as mesmas coisas que nós queremos e isso, no quadro parlamentar, deve levar a negociações que sejam visíveis, que sejam públicas, que demoram o tempo que demorarem e que dão confiança às pessoas.
Se fosse apresentada uma moção de rejeição do programa do Governo da AD, no caso de vencer as eleições, como é que o Livre votaria? Chumbaria essa iniciativa?
Bem, depende muito da maneira como fosse apresentada. Se fosse apresentada pelo Chega, nós não votamos a favor de moções apresentadas pelo Chega. Achamos que essa é uma identificação que é necessário ser feita de um partido que, para nós, está fora do jogo democrático,. Mas já votámos a favor de uma moção de rejeição do PCP ao último programa de Governo. Nós com o Governo à direita faremos parte da oposição, seremos parte da oposição, uma oposição que é honesta, que é responsável, que é leal, mas que é uma oposição vigorosa. O que não nos impede de ter tido, neste ano que passou, 50% das nossas iniciativas aprovadas, o que significa que o Livre consegue dialogar, mesmo com quem não está no nosso espaço político, e algumas destas iniciativas foram aprovadas também pelo PSD e por outros partidos à direita.
E no caso de o PS vencer, a AD deve viabilizar um eventual executivo?
A maneira mais fácil de garantir isso é haver mais deputados à esquerda do que deputados à direita, que é o que houve nas últimas eleições. Eu digo mais deputados à esquerda do que à direita porque estou a excluir a extrema-direita. Ela exclui-se a si própria e não só nenhum partido diz que governaria com ela, como todos dizem que não governariam com ela. Portanto, não conta para estas contas. Os partidos democráticos têm que ser responsáveis e fazer a democracia funcionar, é o que acontece num país como a Alemanha, pode demorar, pode significar partir pedra durante bastante tempo, agora não pode ser Luís Montenegro. Nós queixávamos de como António Costa nos tinha prometido que governaria como se não tivesse uma maioria absoluta e não o fez. O que é mais extraordinário é que, entretanto, tivemos Luís Montenegro, que ainda foi mais exagerado do que António Costa, porque não estava interessado em governar, estava interessado em esticar a corda até ela partir. Dessa maneira não vamos ter estabilidade, mas aí a culpa será dos grandes partidos, não dos outros.
Como é que leu a informação do Presidente da República de que dará posse a um Governo que consiga garantir que o programa não será inviabilizado no Parlamento?
Acredito que há ali uma certa correção de rumo em relação às eleições anteriores. Eu creio que o Sr. Presidente, há uma crise política atrás, ficou muito preso pelas suas palavras em relação à impossibilidade de mudar de primeiro-ministro a meio do Governo. E agora o Sr. Presidente faz uma correção de rumo em que diz, no fundo, que aqui o campeonato não é quem é que fica em primeiro e que nós não vamos saber imediatamente o Governo na noite das eleições. Vai ser preciso partir pedra, vai ser preciso que os partidos sentem à mesa, vai ser preciso que os partidos comuniquem ao Sr. Presidente da República até onde é que estão dispostos a ir em termos de governabilidade, o que é que exigem para formar Governo, que linhas vermelhas é que têm, para ele então poder ver qual é que é o Governo mais estável que pode formar. E, portanto, eu creio que desta vez já a situação vai ser muito diferente se novamente, como há um ano atrás, a esquerda tiver mais votos do que a soma da AD e da IL.
Belém também teve uma influência neste desfecho?
Claro que podemos achar que o Sr. Presidente tenha responsabilidades, eu disse, em relação à crise anterior, que me parece que ele teve responsabilidades, mas nesta, as responsabilidades são do Luís Montenegro. Eu acho que a gente não precisa procurar mais longe. Luís Montenegro quis rebentar com o seu próprio Governo para ir a eleições imediatamente. A única dúvida que tinha era quem é que ficava com a culpa. E como não se demitiu, e como imediatamente se reapresentou como recandidato da AD a primeiro-ministro, ele colocou Marcelo Rebelo de Sousa num túnel que só tinha como sair com eleições. A questão com o Luís Montenegro é sempre a mesma. Entre o interesse coletivo, seja do seu Partido, seja do Parlamento, seja do seu país, e o seu interesse pessoal, Luís Montenegro escolhe o seu interesse pessoal. É precisamente por isso que ele não deve continuar a ser Primeiro-Ministro de Portugal. Quando a gente vê um Ângelo Correia falar, a gente percebe que há muita gente no PSD que não se revê no que está aqui a passar, que é uma cooptação do partido por uma personalidade individual, que está apenas interessada em manter o poder, muitas coisas se têm de clarificar até o dia das eleições.
Nesta fase acelerada de elaboração de candidaturas, o Livre aposta nos mesmos cabeças de lista. Para que serviram as primárias no partido?
Bem, para escolher os candidatos e candidatas. Foram as nossas primárias mais participadas, tiveram mais de 700 votos na segunda volta, e não acho nada de bizarro que as pessoas tenham gostado de ver os seus deputados a trabalhar e queiram vê-los mais a trabalhar, e, portanto, que os eleitores do Porto tenham escolhido o Jorge Pinto e a Filipe Pinto porque gostaram muito de os ver a trabalhar no Parlamento, mas que também, logo a seguir, o número 13, a Raquel Pichel ou o Hélder Verdade Fontes, sejam excelentes novos quadros do partido, ela da área da saúde e ele da área da indústria, ou que tenhamos, por exemplo, no núcleo distrital do Porto, mas na preparação para umas eleições autárquicas alguém como o Hélder Sousa, que é um quadro extraordinário na área da cultura, na cidade do Porto. Mas também apareceram cabeças de lista novos, e isso também é muito bom, temos o Filipe Honório em Aveiro, que tem hipótese de eleição, portanto, as primárias serviram para aquilo que costumam servir, para muito debate, para a preparação dos candidatos, porque assim, antes de responder às vossas perguntas, já responderam às nossas, o que também é importante. E temos listas muito jovens, capacidade de disputar eleição em Braga, em Aveiro, em Leiria, talvez no Algarve também, vamos nesta campanha eleger um grupo parlamentar maior.
Há um ano considerava que dois deputados seriam pouco, conseguiu quatro, qual é a meta agora?
Bem, se formos por essa progressão, seria bom podermos também duplicar, mas é melhor não nos comprometermos com metas, nós queremos crescer e achamos que o crescimento do Livre é importante para o país. Mas o que é importante é que, para funções parlamentares, temos os quadros necessários, para funções governativas, se for necessário, também saberíamos quem iríamos escolher.
Portanto, o Livre quer ser parte de um Governo?
Se houver uma maioria à esquerda, somos parte da solução e quando dizemos que somos parte da solução, é capacidade para implementar política pública a partir de um executivo, não tenho a mínima dúvida de que teríamos os quadros suficientes, e conseguiríamos chegar a quadros para lá do partido, pessoas que se têm aproximado nós, ou pessoas com as quais trabalhamos nas universidades, nas pequenas e médias empresas, no associativismo de vários âmbitos. Caso não haja uma maioria que nos possibilite fazer esse desempenho de papéis executivos, termos deputados e deputadas que, numa comissão parlamentar, numa audição ao ministro, numa apresentação de um projeto de lei, todas as segundas-feiras, a ouvir os seus concidadãos dos distritos para que foram eleitos dão garantias, e estou não só muito sereno com isso, como estou mesmo com muita vontade de os ver a trabalhar. Até porque, para quem já lá estava como deputado único, há poucas coisas que deem mais prazer do que fazer os novos, trabalhar muito.
Mas liderando o lado esquerdo do hemiciclo?
É uma questão que parte de ser dinâmico, de apresentar ideias novas, não tem a ver com uma questão numérica. Nós convivemos muito bem com aquilo que é sair das eleições, neste momento estamos numa situação de paridade, que também tem as suas vantagens. Quer dizer, dá uma igualdade de tratamento entre nós, Bloco, PCP, não há arrogâncias de ninguém, em relação a ninguém, “eu sou maior do que tu”, ou quer que seja. Se as coisas mudarem, também estamos confiantes que as pessoas têm, digamos, a maturidade suficiente para essa boa relação continuar. De qualquer forma, a liderança dinâmica tem a ver com as ideias que se põe em cima da mesa. Às vezes, somos nós que conseguimos, às vezes são os outros, também é bom isso, ninguém tem o monopólio das boas ideias, nem da liderança à esquerda. Agora, há áreas em que, como se sabe, o Livre, de facto, tem um papel de maior protagonismo. Na questão europeia, por exemplo, na questão ecológica, são duas áreas em que temos um protagonismo maior. E ainda bem, porque se não, com aquilo que está a acontecer na Europa hoje em dia, a esquerda ficaria sem discurso se não tivesse o discurso do Livre.
