"Portugal desliza para políticas autoritárias e discriminatórias, onde o discurso de ódio começa a ser pesado demais para não notarmos"
A Amnistia Internacional Portugal tem um novo diretor. Na sua primeira grande entrevista, na TSF, João Godinho Martins denuncia a deriva portuguesa para políticas autoritárias e discurso do ódio e a discriminação crescente no acesso a serviços de saúde. Primeira parte de uma conversa nos estúdios da rádio
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João Godinho Martins regressou a Portugal após mais de uma década de atuação Internacional, durante a qual liderou missões humanitárias em contextos de elevada complexidade. Foi chefe de missão em países como Angola, Iémen, República Democrática do Congo, Síria, Ucrânia, Líbano. Sempre nos Médicos Sem Fronteiras. Nos últimos dois anos esteve em Bruxelas, onde integrou a Comissão Europeia, trabalhando em políticas de acesso humanitário e no reforço das relações estratégicas da União Europeia com o Comité Internacional da Cruz Vermelha. É natural de Vila Nova da Barquinha, formado em economia com mestrado em Cooperação e Desenvolvimento. É o novo diretor da Amnistia Internacional de Portugal.
João Godinho Martins, obrigado por ter vindo à TSF. Com que objetivos parte para esta para esta empreitada para estas novas funções à frente à amnistia em Portugal?
Obrigado pelo convite. Vivemos num momento muito complicado ao nível nacional e ao nível Internacional. Quando decidi voltar a Portugal, quando se apresentou esta oportunidade para me juntar à Amnistia, os meus objetivos passavam por ajudar. Basicamente acho que era o momento de voltar, o momento em que os direitos humanos estão sob ataque, em que Portugal desliza em relação a políticas autoritárias, políticas discriminatórias, onde o discurso de ódio começa a ser pesado demais para não notarmos. E foi isso que me moveu; começo agora aqui em Portugal com a Amnistia, com esse objetivo de, em conjunto com a sociedade civil, conseguirmos mudar a direção para onde estamos a ir.
Já lhe vou fazer algumas perguntas relacionadas com a com a situação portuguesa, e concretamente, com essa questão do discurso de ódio e da discriminação, mas o trabalho como diretor da Amnistia Internacional passa, por exemplo, por conseguir mais financiamento?
Não é esse o nosso objetivo. Obviamente que a Amnistia Internacional é independente e é independente porque depende do financiamento de indivíduos, da sociedade civil, de famílias, das pessoas, dos nossos vizinhos, das nossas famílias. E obviamente que é importante que eles continuem a contribuir para mudar o mundo, mas esse não é o objetivo da Amnistia Internacional. Nunca foi o objetivo da Amnistia Internacional. São os direitos humanos e é a igualdade e é a não discriminação e são os direitos das Mulheres e é o direito à habitação. É melhorar a condição de vida das pessoas.
São esses os temas que mais o preocupam atualmente?
Sim, sem dúvida. Acho que a Amnistia Internacional tem feito uma boa leitura do que é a situação em Portugal. Aliás, no início do atual Governo, fizemos uma lista de 13 recomendações que passavam primeiro, por uma habitação condigna, o acesso aos serviços de saúde que nos preocupa bastante no Serviço Nacional de Saúde, a crescente discriminação, a violência doméstica…
Discriminação no acesso aos cuidados de saúde, por exemplo, por parte da população imigrante?
Também porque é isso que ouvimos hoje em dia com os imigrantes, mas não só imigrantes, no fundo, pessoas que vivem em Portugal e portugueses em condições desfavorecidas. E como há uma diferença de tratamento em serviços de saúde, mas também noutros sítios.
Houve uma carta aberta. Conjunta da Amnistia Internacional, da Associação Portuguesa para a Diversidade e Inclusão, APPD e da Associação Crescer intitulada: “ódio não é opinião, carta aberta contra a discriminação em Portugal”. O discurso de ódio em Portugal é cada vez mais um problema?
Sem dúvida. E é um problema, porque é um problema que alimentamos, especialmente as forças políticas, grupos ou indivíduos aos quais estávamos habituados a ouvir uma palavra de ponderação e que neste momento decidiram que o seu sucesso passaria por navegar a onda da discriminação, a onda da desinformação e do discurso de ódio. Aliás, é isso que se vê hoje no Parlamento, com a discussão da lei da nacionalidade e das leis da imigração.
Como é que avalia esta questão dos nomes das crianças divulgados por deputados do partido Chega?
Como muitas outras coisas que temos observado, coisas que pensávamos que não existiriam em Portugal. Nós sempre dissemos, ‘não nós, os portugueses não somos racistas, nós, os portugueses somos isto e somos aquilo’; mas nós, os portugueses votámos em 60 pessoas que fazem o que fizeram agora recentemente no Parlamento e continuam a fazer.
Portanto, o discurso de ódio e comportamentos discriminatórios estão a aumentar no espaço Público e nos meios digitais e os partidos políticos e concretamente alguns partidos políticos têm uma responsabilidade concreta nesse aumento?
Sem dúvida nenhuma, sem dúvida nenhuma; porque o fazem ou porque o admitem.