Promulgado com dúvidas reforço do combate a "portas giratórias" entre cargos públicos e empresas
Principal alteração determina que um ex-governante que não tenha cumprido um período de três anos na passagem do exercício de funções públicas para outras em empresas que tutelava fica obrigado a cumprir um interregno de três até cinco anos se quiser voltar à carreira governativa.
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O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, promulgou esta segunda-feira, embora com "potenciais dúvidas", o decreto da Assembleia da República que aumenta de três até cinco anos o período em que ex-governantes que não cumpram o regime de impedimento ficam impedidos de voltar a exercer funções públicas.
O regime de impedimento determina que, durante três anos, um ex-governante não pode exercer funções em empresas privadas do setor que tutelava. Se este período de nojo for cumprido e o mesmo protagonista pretender voltar a cargos da esfera pública, não terá de cumprir novo período de nojo.
O decreto também alarga a aplicação do impedimento ao estabelecer que os ex-titulares de cargos políticos não podem exercer funções nessas empresas "por si ou através de entidade em que detenham participação".
A alteração de fundo prende-se com o incumprimento da primeira janela temporal, aquela que compreende a passagem de cargos públicos para a esfera de empresas privadas, e as consequências dessa quebra.
Se um ex-governante não tiver cumprido os três anos de interregno entre as funções governativas e as novas funções numa empresa que antes tutelava, não respeita o chamado regime de impedimento e, assim, fica obrigado a cumprir um período de três até cinco anos se quiser voltar a ocupar cargos públicos.
Numa nova norma, a lei passa também a penalizar "as entidades que contratem antigos titulares de cargos políticos em violação do disposto" neste regime, determinando que "ficam impedidas de beneficiar de incentivos financeiros ou de sistemas de incentivos e benefícios fiscais de natureza contratual por um período de três a cinco anos", o que levantou "potenciais dúvidas" a Marcelo, mas que não impediram a promulgação.
O texto final deste decreto que reforça o regime sancionatório do combate às "portas giratórias" resultou de um processo legislativo na Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados, a partir de um projeto de lei do PCP ao qual o PS introduziu alterações.
O PCP pretendia, entre outras mudanças, aumentar para cinco anos o próprio impedimento de ex-titular de cargo político e que as empresas que os contratassem em violação da lei ficassem obrigadas a devolver os apoios ou fundos de que tivessem beneficiado por decisão direta ou indireta do referido titular, propostas que não vingaram.
Questionado em direto no Fórum TSF sobre esta promulgação, o secretário-geral comunista Paulo Raimundo apontou que o problema da corrupção tem "expressões várias" que incluem "a promiscuidade do poder económico e do poder político, a grande questão", pelo que era preciso ir mais longe.
"Tem expressões a nível dos governos, a nível das câmaras municipais, a nível das regiões autónomas e por aí fora. O facto de o poder político estar subjugado ao poder económico, isto é preciso alterar, e olhe, um exemplo concreto: o que é a Zona Franca da Madeira, os paraísos fiscais? O que é isto?", apontou o líder do PCP, sublinhando também que é a corrupção "que faz mexer e mover milhões e milhões" aliada a "todos os processos de privatizações" que levantam dúvidas.
Sanção avaliada caso a caso
O deputado socialista Pedro Delgado Alves, da Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados, explicou à TSF que o objetivo desta medida não é o combate à corrupção, mas sim a eventuais dúvidas que possam surgir.
A duração da proibição do exercício de funções públicas “terá em conta a gravidade dos factos” e é tomada “em relação a cada caso concreto”, mas agora num quadro que “pode ir até cinco anos quando anteriormente era só de três”.
Se não houver intenção de voltar a cargos da esfera pública, a pessoa em questão “não é sancionada”.
Desde que a lei foi criada, em 1993, só foi conhecido "um caso conhecido de uma pessoa que tenha incumprido ou que ponderava incumprir esta proibição”, apontou o deputado sem citar nomes.
O caso implícito é o da antiga secretária de Estado do Turismo do PS, Rita Marques, que mês e meio depois de sair do Governo de António Costa tentou ir para uma empresa que tinha tutelado, incumprindo o período de impedimento de três anos.
“Foi apenas uma situação”, sublinha o deputado, “portanto a norma tem tido tradução e tem impedido o exercício de funções posteriores ao exercício de funções públicas com uma exceção que, aliás, em grande medida, esteve na origem da reflexão que se fez sobre esta alteração legislativa”.
O parlamentar do PS afirma também que as alterações à lei servem ainda para regular a situação de muitos candidatos às legislativas de 10 março, onde há casos de pessoas que "estiveram alguns anos fora da atividade política, não a tiveram, tiveram atividade partidária, não exerceram cargos públicos e agora estão candidatos novamente a exercê-los”.