Queda do Governo: médicos falam em "oportunidade" para "melhorar" SNS, hospitais "preocupados"
Há alguns diplomas do Executivo que podem ficar em suspenso. A Fnam considera que a equipa de Ana Paula Martins foi "das piores de sempre" e os administradores hospitalares apontam várias preocupações com a queda do Governo
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O chumbo da moção de confiança ao Governo deixa o executivo PSD/CDS-PP em gestão, pelo que alguns diplomas do Governo podem ficar em suspenso, nomeadamente na área da Saúde. À TSF, a Federação Nacional dos Médicos (Fnam) afirma que a queda do Executivo pode não ser uma má notícia, uma vez que já defendia há muito a saída da ministra da Saúde. Já os administradores hospitalares apontam várias preocupações.
Em declarações à TSF, Joana Bordalo e Sá considera que a equipa de Ana Paula Martins foi das piores de sempre nesta tutela.
"O que nós entendemos é que esta ministra da Saúde e esta equipa ministerial talvez tenha sido das piores que alguma vez o Serviço Nacional de Saúde conheceu. Deixam um Serviço Nacional de Saúde caótico, seja a nível dos centros de saúde, seja a nível dos hospitais e das urgências, tentou colmatar a falta de médicos com linhas telefónicas ou a tentar empurrar o ato médico para outros profissionais", explica à TSF Joana Bordalo e Sá, sublinhando que o SNS "merece melhor".
"Os profissionais de saúde e os médicos merecem melhor, merecem uma equipa com competência, mas, acima de tudo, com vontade política para ter mais médicos e mais profissionais de saúde no SNS, algo que, sem dúvida, esta equipa e este Ministério de Ana Paula Martins não conseguiu fazer", atira.
Por isso, Joana Bordalo e Sá vê a queda do Governo como uma oportunidade e um desafio para quem vier a seguir. "Seguramente algumas situações ficarão em suspenso, mas a verdade é que a mudança era e é absolutamente necessária e, portanto, no nosso ponto de vista, a próxima equipa que vier terá de fazer obrigatoriamente melhor. Olhamos para toda esta situação como uma oportunidade futura de termos um ministro ou uma ministra que não caia nos mesmos erros e que saiba negociar de uma forma séria e competente, de forma a reforçar o Serviço Nacional de Saúde com aquilo que ele precisa, que é de mais médicos e de mais profissionais de saúde", sublinha.
Já os administradores hospitalares estão preocupados com os efeitos da queda do Governo. Também ouvido pela TSF, Xavier Barreto destaca o plano para o verão e também medidas de longo prazo, com o regresso das parcerias público-privadas.
"Há problemas de planeamento e medidas de longo prazo que ficam naturalmente suspensas, como é o caso das parcerias público-privadas ou outras, mas há também medidas de curto prazo que podem ficar prejudicadas, nomeadamente a preparação para para períodos como o verão", indica, recordando que "o verão é um período muito difícil, muito marcado por interrupções, particularmente, dos serviços de urgência, com muitos encerramentos e com muitas dificuldades".
"Não estando um Governo em funções ou estando um Governo em gestão, essa preparação poderá ficar prejudicada e, portanto, naturalmente estamos preocupados", lamenta.
Xavier Barreto aponta outra preocupação para os administradores hospitalares: a negociação da carreira de administração hospitalar. "A negociação estava a correr e ficou parada, ficou em suspenso, não foi possível conclui-la. Lamento porque acho que provoca um gravíssimo prejuízo para o Serviço Nacional de Saúde", acrescenta.
Os diplomas que poderão ficar em suspenso na Saúde
Refundação do INEM
A ministra da Saúde, que assumiu a competência direta do INEM, tem defendido uma refundação do instituto que coordena o Sistema Integrado de Emergência Médica, na sequência da falta de recursos humanos e de alegadas falhas no socorro à população. Ana Paula Martins avançou que esta refundação terá de passar por uma nova lei orgânica que confira mais autonomia ao INEM, no sentido de passar a dispor das suas receitas próprias, assim como pelo reforço do conselho diretivo atualmente composto apenas por dois elementos.
A situação de impasse no INEM abrange também a sua liderança, que está interinamente a cargo de Sérgio Janeiro.
Na sequência do concurso aberto em janeiro, o Governo já recebeu os relatórios da Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CReSAP) sobre os três candidatos para a presidência do Conselho Diretivo do INEM.
PPP para cinco hospitais do SNS
Na última sexta-feira, o Conselho de Ministros aprovou o lançamento de cinco parcerias público-privadas (PPP) para os hospitais de Braga, de Vila Franca de Xira, de Loures, Amadora-Sintra e o Garcia de Orta (Almada-Seixal), um processo que é interrompido com a “queda” do executivo.
Na prática, o diploma aprovado permitia ao Governo estudar os benefícios desta gestão privada, através do mecanismo do Comparador do Setor Público, e arrancar com a preparação do caderno de encargos dos concursos públicos internacionais para a celebração desses contratos de PPP para a gestão clínica dos cinco hospitais em causa.
Plano de Emergência e Transformação da Saúde
Menos de um ano após ter sido aprovado, a execução do Plano de Emergência e Transformação da Saúde é interrompida, numa altura em que, de acordo com os dados do ministério, 59% das 54 medidas estão concluídas, 39% estão em curso e 2% estão ainda por iniciar.
A criação de centros de saúde geridos pelos setores social e privado – as Unidades de Saúde Familiar modelo C – é uma das medidas consideradas prioritárias e que estava em curso, apesar do atraso relativamente ao calendário previsto no plano do Ministério da Saúde.
O Governo previa que em julho de 2024 seriam colocadas as primeiras 20 USF-C a concurso – 10 em Lisboa e Vale do Tejo, cinco em Leiria e cinco no Algarve - com o objetivo de “início de funções antes do final do ano”, o que não aconteceu.
Já foram aprovados o decreto-lei que criou os centros de saúde e foi publicada a portaria que regulamentou as candidaturas. Apesar das mais de 40 manifestações de interesse, estes novos centros de saúde ainda não abriram as portas para receber utentes que não têm médico de família.