“Queremos que a História diga que empurrámos os nossos filhos e netos para a barbárie da guerra e uma catástrofe nuclear? Solução tem de ser a paz”
João Oliveira, 44 anos, natural de Évora, advogado, foi deputado comunista de 2007 a 2022, desde 2013 foi líder parlamentar do PCP. Nesse ano, não conseguiu ser eleito. Agora, o cabeça de lista confia na eleição para Bruxelas e promete lutar pelos direitos dos trabalhadores e pela paz. Primeira parte da entrevista.
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Nas eleições há dois anos, em 2022, a CDU perdeu para o PSD o assento que tinha pelo distrito de Évora, um facto inédito. Foi a mais inesperada e mais significativa derrota na sua vida política?
Não, as dificuldades daquela eleição já estavam identificadas há muito tempo e a circunstância específica em que aquela campanha foi feita também não ajudou propriamente, digamos assim, a um trabalho redobrado que era preciso fazer no distrito de Evora.
Em que circunstâncias é que foi feita?
Foi o facto de ter que substituir o Jerónimo de Sousa naquela circunstância de intervenção cirúrgica. Houve quem lesse aquilo dizendo ‘isso, até ajuda e tal, dá mais visibilidade’. O problema é que a visibilidade não é o que responde a um reformado ao problema da pensão e a um agricultor ao problema com a produção agrícola. Portanto, é no trabalho direto, no contato direto com as populações, que nós conseguimos fazer isso.
Teve menos tempo para estar lá?
É verdade. Objetivamente tive, eu felizmente tinha começado a fazer o trabalho já uns meses antes. Ainda assim, não foi completamente a zeros, digamos assim, mas eu julgo que isto também acabou por pesar e há um conjunto de circunstâncias que conduziram àquele resultado, sobretudo a concentração de votos no PS, que objetivamente num distrito que elege 3 deputados, a CDU para conseguir um deputado, tinha que ter à volta de 18 ou 19% dos votos. A CDU, com 18 ou 19% dos votos… é uma coisa…
É muito superior à média nacional…
E, portanto, numa circunstância como foi aquela maioria absoluta do PS e de concentração de votos no PS, isso naturalmente, teve um impacto muito significativo, mas foi uma batalha travada com a mesma determinação naquelas circunstâncias que tinha sido nas anteriores e, portanto, fazendo todo esse trabalho, não baixámos os braços.
Espera mesmo ser eleito para o Parlamento Europeu?
Sinto que sim, estou muito confiante nisso.
O que é que será um bom resultado para o Partido Comunista?
Um bom resultado? Eu diria que o reforço da CDU é um bom resultado.
Ou o reforço será eleger mais do que dois?
Bem, bem eu não direi… em termos de mandatos não fixarei objectivos para ser excessivamente otimista, mas eu diria que o reforço da CDU em em termos de voto pode ser um elemento de referência importante para um bom resultado.
Ou seja, eleger apenas um deputado, neste caso o João Oliveira, seria um mau resultado?
O reforço de votos às vezes pode dar também isso, mas eu não me parece que seja essa a perspetiva que está colocada, não me parece que seja colocada a perspetiva de redução do número de mandatos da CDU. Pelo contrário, acho que há boas possibilidades de crescimento em termos de voto. Veremos em termos de mandatos.
Em termos de mandatos espera manter os dois?
Sim, acho que sim.
Que ideias concretas e que projectos leva para Bruxelas se for eleito?
Há um conjunto de elementos muito evidentes na situação que estamos a atravessar, quer em Portugal, quer na Europa. Há um conjunto de problemas que precisam de ter resposta muito urgente, como a questão da valorização dos salários, da redução da dependência externa do país, com o reforço da capacidade produtiva do nosso país, aproveitando os recursos que tem, modernizando, alterando o perfil de especialização da nossa economia, sobretudo com uma política de re-industrialização que se exige para garantir que Portugal tem condições para enfrentar o futuro com uma economia mais moderna, com mais valor acrescentado, com capacidade de criação de emprego qualificado e com melhores salários. E objectivos também têm que ver com questões absolutamente cruciais para a nossa vida nacional, como seja a necessidade de investimento público em diversas áreas e particularmente nos serviços públicos para garantir o acesso à educação e à saúde, também a segurança social… eu diria que essas são, digamos assim, questões urgentes de que o nosso país precisa, quer no plano da política nacional, quer de uma voz no Parlamento Europeu que dê expressão a essa política nacional que faz cá falta; e naturalmente exigindo, do ponto de vista da intervenção do Parlamento Europeu, a consideração das condições que são necessárias para concretizar essa política em Portugal. E também, uma questão que é absolutamente determinante que é a luta pela paz. Eu diria que a luta pela paz é hoje uma questão urgente, não apenas para os povos da Europa, mas para os povos de todo o mundo. E perante tentações de crescente militarização da União Europeia, eu julgo que a exigência de defesa da paz é uma das mais urgentes que tem que se colocar.
“O caminho para a paz é incompatível com a ampliação da NATO ou a transformação da UE num bloco político ou militar belicista complementar à NATO, sempre ao serviço dos interesses das grandes potências e respetivos complexos militares industriais”.
Falou bem, falou bem…
Não, isto é uma nota do Partido Comunista e quer dizer, João Oliveira, que o PCP é contra a intenção de a UE, ter uma indústria de defesa?
Não, quer dizer que a posição da CDU é contra a ideia de que é com a corrida aos armamentos, com o desvio de recursos dos orçamentos para a indústria da guerra, com o reforço da militarização da UE, que se consegue alcançar a segurança e a paz na Europa. Pelo contrário, é com o desarmamento, geral, simultâneo e controlado, começando pelos arsenais nucleares, é com a dissolução dos blocos político-militares, é com a utilização dos recursos da UE para dar resposta às necessidades económicas e sociais dos povos e não para alimentar a indústria da guerra e é sobretudo, com uma ação política e diplomática que até hoje não existiu, no sentido de assegurar na Europa soluções do futuro que garantam a segurança coletiva dos povos da Europa e dos povos de todo o mundo numa base de respeito pelo direito Internacional, pelos princípios da Carta das Nações Unidas e pelos princípios consagrados na ata final da Conferência de Helsínquia: são aspetos absolutamente determinantes, não apenas para as nossas gerações, mas sobretudo para as gerações futuras.
Foi relator do Relatório do Governo "Portugal na União Europeia - 2008". Passaram dezasseis anos… como é que olha para o papel de Portugal hoje na União Europeia?
Foi porque alguém me sinalizou isso há uns tempos que eu fui recuperar esse relatório. E é curioso como nós hoje podemos fazer uma actualização de alguns elementos que já constavam desse relatório, com alguns exemplos novos, que na prática configuram velhas tendências. A tendência de desindustrialização do país, a tendência de divergência das nossas condições de vida e dos nossos salários, da incapacidade de incorporação do desenvolvimento científico e tecnológico na nossa produção nacional por via da desindustrialização, de desarticulação dos serviços públicos como negócio com os direitos, para criar espaço – seja na saúde, seja na educação, ou mesmo as orientações de privatização da segurança social, com a promoção do negócio dos fundos de pensões. Há um conjunto de exemplos que poderíamos acrescentar como exemplos de tendências que já se vinham verificando nessa altura, algumas delas até agravadas, particularmente aquelas que têm que ver com as decorrências das restrições orçamentais que nos são impostas pelo Pacto de Estabilidade ou com a governação económica que ainda há duas semanas tiveram uma revisão novamente ao contrário daquilo que poderia servir os interesses de Portugal. No fundo, eu diria que se acrescentaram razões de preocupação e acresce a exigência de ter uma voz com coragem no Parlamento Europeu, que faça a política que verdadeiramente pode servir o povo e o país, naturalmente com a convicção de que isso vai ter de exigir um confronto com as orientações da UE que vão num sentido completamente oposto, nas mais variadas áreas.
Fala em voz com coragem… O PCP diz constantemente que Portugal tem um alinhamento e submissão à estratégia de confrontação dos EUA, da NATO e da UE… porquê? Não é mais simples considerar isso apenas uma participação em instituições multilaterais, tendo em conta a dimensão que o país tem?
Não, não, há várias dimensões para responder a essa questão. Primeiro: a integração de Portugal na CEE e na UE tem afunilado as relações do país com os países da EU.
Mas isso para todos, acaba por ser uma relação multilateral do que mais baseada em relações bilaterais…
Mas países que, eventualmente, não tenham as pontes ou as perespetivas de desenvolvimento das pontes da sua polítuca externa para lá das fronteiras que ocupa a UE, eventualmente isso pode não ser um problema. Na nossa perspectiva, para Portugal isso é um problema. Porque o papel que Portugal tem para desempenhar no mundo vai muito para lá das fronteiras da União Europeia. A UE é um espaço demasiado pequeno para a para a dimensão da política externa que nós entendemos que Portugal devia ter, não só com os países de África, mas com os países da América Latina, com os países da Ásia, de relações internacionais muito diversificadas.
Mas Portugal tem tido.
Cada vez mais afuniladas do ponto de vista económico, do ponto de vista comercial, cada vez mais afuniladas também do ponto de vista político e com uma perspetiva de cada vez mais de afunilamento. Quando o sentido da política externa da União Europeia vai apontando para que haja uma limitação crescente das relações bilaterais dos países da União Europeia com países terceiros para garantir que essas relações são estabelecidas através da UE e não bilateralmente para cada um dos países, o que isso significa é nós afunilarmos mais o nosso relacionamento de política externa, fazendo-o depender das orientações da política externa da UE. Ora, isso verdadeiramente não corresponde ao papel que nós entendemos que Portugal deve ter no mundo, que deve ser um papel de amplas relações externas do ponto de vista comercial, do ponto de vista económico, do ponto de vista político, do ponto de vista cultural. Há um outro aspecto: objectivamente, a par do caráter neoliberal, a Europa tem acentuado o seu caráter militarista. A UE tem-se constituído como o pilar europeu da NATO. Há uma tendência crescente para o alinhamento da União Europeia com os Estados Unidos na estratégia de confrontação e de guerra que os EUA vão desenvolvendo por todo o lado. O exemplo da guerra no Iraque, na Líbia, na Síria, todo o envolvimento que a UE assumiu, não propriamente uma perspetiva própria de afirmação de um noutro sentido, mas de subalternização a essa estratégia de política externa dos EUA, manifestamente, é o que dá sustento a essa constatação.
Ainda que possa não ser por essa razão, se a Europa não tinha capacidade própria de defesa, se tinha que se defender, tinha que basear a sua defesa nos Estados Unidos? E sabemos que a NATO surge quando havia um adversário concreto chamado União Soviética?
Bem, repare, há um enquadramento histórico datado para a NATO, há um desenvolvimento posterior a isso, que desmente inclusivamente muito dos desenvolvimentos que foram utilizados nesse enquadramento histórico. Se bem se lembra, a Constituição da NATO aconteceu 6 anos antes da constituição do Pacto de Varsóvia e foi feita em nome de uma necessidade de uma organização defensiva contra um perigo de uma eventual agressão. Objetivamente, quando nós olhamos para todos estes anos em que a NATO existe, nós percebemos que não é propriamente uma organização defensiva. Tem tem tido um papel, particularmente nas últimas décadas, mais de Aliança ofensiva e agressiva do que propriamente defensiva. Colocadas as questões na perspetiva de que só correndo aos armamentos, só fazendo investimentos em armamentos e na indústria da defesa, é que nós estamos em condições de garantir a nossa segurança, o raciocínio que estava a propor, está certo. Agora a perspetiva que nós temos é outra: é que a segurança dos povos e do continente europeu, que vai muito para lá da União Europeia, a segurança e a paz do continente europeu não se asseguram com a corrida aos armamentos nem se asseguram com políticas de confrontação e de guerra como nós temos. E portanto, podia ter havido um papel próprio desempenhado, ao contrário dessa subalternização em relação a essa política de confrontação e de guerra, se a União Europeia se tivesse constituído como um ator de paz, de promoção da paz, de resolução pacífica dos conflitos, de relações internacionais baseadas na cooperação entre os povos e na solidariedade e na nas vantagens mútuas que se pode retirar dessas relações de cooperação. Objetivamente, o caminho que foi feito foi outro. Isto é uma razão objectiva, não é uma questão de maldade dos protagonistas nem de plano escondido.
Mas também que reconhecerá que essa boa intenção de basear as relações entre os povos no diálogo, na construção da paz, torna-se mais difícil quando se olha para o lado e se vê um país a invadir outro…
Ricardo Alexandre, deixe-me dizer-lhe uma coisa: os 32 países da NATO gastam com armamento do que os outros 160 países do mundo. Não há ninguém que possa ficar descansado de uma circunstância destas, particularmente quando nós estamos a falar de 32 países que não são propriamente países subdesenvolvidos, estamos a falar de falar países que conseguem incorporar, do ponto de vista desse investimento que fazem, para a indústria de guerra…
Mas também nesse bolo, uma parte substancial é dos Estados Unidos e também nesse bolo dos 32 países está, por exemplo, o orçamento militar da Turquia, que é substancial e não está propriamente alinhado com os países do Ocidente…
Repare: mas o problema é que os orçamentos militares destes países da NATO não são feitos por uma razão qualquer, abstracta; são feitos para servir um determinado tipo de política e particularmente de política externa. E essa política externa é a política que conduziu à agressão contra a Jugoslávia, conduziu a duas invasões do Iraque, conduziu à invasão do Afeganistão, quer dizer, tem conduzido à guerra e à confrontação um pouco por todo o mundo e volta a acontecer agora, a propósito da Ucrânia e volta a acontecer agora a propósito da Palestina. Todo esse gasto militar tem o objetivo de promover uma política de confrontação e de guerre um pouco por todo o mundo.
E a pergunta que genuinamente eu deixo, naturalmente é uma pergunta retórica, mas deixo a pergunta: é esse o futuro que nós queremos para a humanidade? A história deste momento que nós estamos agora a viver a escrever-se daqui por 30 ou 40 anos, mas é agora que nós decidimos como é que ela vai ser escrita. Nós queremos que a história deste momento que estamos a viver fique escrita dizendo que nós empurrámos os nossos filhos e os nossos netos para a barbárie da guerra e para uma catástrofe nuclear? Ou queremos que daqui por umas décadas, se escreva a história deste momento dizendo que nós fomos capazes de mobilizar-nos pela paz, por impor a solução da paz e da resolução pacífica dos conflitos, contrariando as lógicas belicistas e militaristas? Que nós conseguimos levantar os povos do mundo inteiro para que se deixasse de gastar dinheiro em armamento e em guerra e se gastasse mais dinheiro na cooperação e na paz? Para que se deixasse de gastar e para que se deixasse de utilizar a ciência e a tecnologia para aumentar a capacidade destrutiva do armamento e dos arsenais militares por todo o mundo e passámos a utilizar essa ciência e tecnologia para melhorar as condições de vida das pessoas e garantir o progresso dos países e dos povos? A nossa resposta é naturalmente a segunda, e este momento que estamos a viver é crucial, porque a guerra voltou a ser o dia-a-dia de milhões de seres humanos, seja na Ucrânia, seja na Palestina e no Médio Oriente, aqui bem perto. Há países da UE que estão a 400 quilómetros da tragédia que se está a assistir na Palestina.
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