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O secretário-geral do PCP diz que é uma “inovação” e uma “evolução” juntar PSP e GNR numa única polícia. A outra mudança, defende Paulo Raimundo, que recusa a ideia de que os polícias possam ter filiação partidária, é o direito à greve, com serviços mínimos, à semelhança dos restantes funcionários públicos.
O líder do PCP, em entrevista à TSF e ao DN, acredita que o PS vai ceder às pretensões do PCP, tal “como fez em 2015”, e aceitar uma revisão da contratação coletiva, por exemplo, que é uma questão “fundamental” para que haja entendimentos. E qual é a melhor forma de ter influência? “Nós disputamos o poder, e nós queremos ir para o governo, é para isso que andamos”, afirma.
Paulo Raimundo defende que é necessário contratar mais médicos e enfermeiros para “salvar” o SNS, que podem resolver o “problema”, mas não sabe dizer quantos nem quais os custos envolvidos. O secretário-geral comunista apenas tem um número presente faltam 1500 médicos de família.
E vive mesmo com menos de mil euros? “A única forma que tenho de demonstrar que estou nessa situação é de mostrar o meu recibo de vencimento. E convidar toda a gente a ir visitar o meu bairro”, responde.
Paulo Raimundo, 47 anos, faz 48 em setembro, secretário-geral do PCP, é o convidado da entrevista TSF/DN Especial Legislativas.
Vive num bairro social, ganha menos de mil euros, já disse que sentiu na pele o aumento dos juros. Está rodeado de políticos que não entendem como é que é possível viver como vive?
Não quero fazer julgamento de outros. Mas há dois problemas. Um que é a realidade que nos é vendida, de que o país está melhor, a economia está a crescer, está tudo bem encaminhado, somos o país da Europa mais não sei o quê, mais não sei quantos… E depois há a realidade da vida, com muitas dificuldades, muitos apertos, e uma parte destas dificuldades são vividas em casa, de forma solitária, não se expressam. Nós conseguimos identificar, do ponto de vista estatístico, dois milhões de pessoas no limiar da pobreza, 200 mil crianças nessa situação, mas para além dessa estatística há daquelas pessoas que não encaixam nos critérios de limiar da pobreza, mas têm vidas muito difíceis, estão-se a privar de muitas coisas. E eu gosto de pensar que quando falo, não falo de cor das questões.
Há uma bolha política que não sabe como vivem as pessoas?
Acho que há uma bolha política. Tenho procurado trazer para o centro do debate as questões dos salários. Só quem não enfrenta as dificuldades da vida é que pode falar de forma tão leviana sobre salários. É preciso que a economia cresça, é preciso apoio às empresas, é preciso isso tudo, não há nenhuma dúvida, mas é preciso aumentar os salários.
Confia que as pessoas acreditam que vive com menos de mil euros?
A única coisa que eu posso demonstrar para esse efeito é tornar público o meu recibo de vencimento.
Não é também significativo que isso seja um tema? Estamos a falar de três milhões de pessoas que estão nessa exata situação, o seu não é um caso isolado.
É, porque eu acho que as pessoas não acreditam. Há a bolha, a realidade virtual, e a realidade da vida. E a realidade da vida é essa, são três milhões de trabalhadores, que ganham até mil euros de salário bruto por mês, que a única forma que têm para conseguir aguentar as suas vidas é fazerem dois, três trabalhos. Saiu uma estatística que diz que há cerca de 280 mil pessoas têm duplo ou triplo de trabalho, mas os números reais não são esses, porque esse é o trabalho que é possível identificar como declarado. A única forma que tenho de demonstrar que estou nessa situação é de mostrar o meu recibo de vencimento. E convidar toda a gente a ir visitar o meu bairro, que é um bairro interessantíssimo, de gente de combate, de gente trabalhadora, gente que vive com dificuldades, como eu.
A direita tem procurado colar o PCP às dificuldades que se vivem na saúde, na educação, na escola pública. Como é que se explica que o apoio parlamentar da esquerda não tenha produzido outros efeitos?
Era preciso haver maioria parlamentar de esquerda. Temos de fazer um bocadinho de história. Nós chumbámos um Orçamento do Estado do PS em 2021. Na altura identificámos várias questões, mas três em particular. As questões da habitação, as questões dos salários, que tinham expressão para lá do Orçamento, nomeadamente as questões da contratação coletiva, o aumento de salários na administração pública e do salário mínimo. E uma que colocávamos como exigência prioritária, que era a fixação de médicos e profissionais no SNS, mas com consequência no dia 1 de janeiro de 22. Queria já agora sublinhar uma questão. É que há uma parte significativa daquilo que foi alcançado que estava para lá dos acordos escritos. As creches não estavam nos chamados acordos, a redução do valor dos passes não estava nesses ditos acordos.
Qual é a melhor forma de ter influência? Estar no Governo?
Nós disputamos o poder, e nós queremos ir para o governo, é para isso que andamos.
Na noite eleitoral de 2015 de que lado estava? Dos que defendiam a ideia de acordo ou os críticos de um apoio ao PS?
Tivemos uma oportunidade histórica, única de acabar com uma coisa que no nosso entender era um rumo de destruição do país.
Mas isso podia enfraquecer o PCP?
O PCP não faz contas eleitorais. O PCP aproveita todas as oportunidades para melhorar a vida das pessoas e dos trabalhadores. Teve consequências eleitorais? É possível. Nós assumimos esse risco. Mas também teve outras consequências, teve a consequência nas creches, teve consequência nos salários, teve consequência os passes, teve a consequência do fim do PEC para as micro, pequenas e médias empresas. E teve outra consequência. Foi dar esperança ao povo e aos trabalhadores. Uma esperança que foi completamente defraudada pelas opções PS, bem visíveis nestes dois anos de maioria absoluta.
É possível algum acordo com o PS sem o reforço da contratação coletiva?
É um aspeto fundamental para dar resposta. Já ouvi o secretário-geral do PS dizer que se deve manter a estabilidade laboral. Só que a estabilidade laboral que está em vigor representa a instabilidade para milhões de pessoas. Não é possível avançar até do ponto de vista dos salários de forma significativa se não houver uma alteração na legislação laboral.
E não havendo? Deixa o PS sozinho?
Quem está mal é o PS. É o PS que vai ter de vir. E virá. Tanto virá como veio em 2015.
Acredita que a exigência da contratação coletiva será satisfeita?
O que eu acredito é que, com a força que tivermos do ponto de vista eleitoral, o PS virá a estas e outras medidas.
Reduções de IVA, intervenções em empresas em dificuldades, controlo de setores estratégicos. Tudo isto está condicionado por Bruxelas. Qual é a margem que existe para uma política de esquerda?
Nós temos de enfrentar os condicionamentos da União Europeia, em particular os do BCE. Mas, mesmo dentro desses condicionamentos, é possível ter opções diferentes. Entre o excedente orçamental, que sobrou à custa dos salários, da escola pública, do SNS, sobrou à custa do investimento… Entre os tais 4,3 mil milhões de euros de excedente e a margem que o país tinha, dentro das limitações dos 3% do défice, podíamos ter 11 mil milhões de euros para investir. Investir em hospitais, em ferrovia… dá para construir o aeroporto. O Governo pegou nesses 4,3 mil milhões de euros e entregou-os para abater na dívida. Não há nenhuma dívida que se consiga abater à custa dos serviços públicos porque vai chegar uma alturaem que a dívida se vai mantere já não há nada onde se possa apertar mais.
Quais seriam as primeiras três medidas do PCP para resolver a crise da habitação?
Um travão ao aumento das rendas. A habitação é o setor mais liberalizado e mais desregulado da nossa economia. Metam os olhos na habitação para perceber quais eram as consequências se a saúde fosse assim, se a educação fosse assim, se os serviços públicos fossem assim. Não podemos passar ao lado de que a habitação está nas mãos dos fundos imobiliários e da banca. Essa banca que tem 12 milhões de euros lucros por dia, 6,5 milhões dos quais em comissões. É acabar com elas e que esse valor reverta para suportar o aumento das taxas de juros. A terceira medida é até 2028 ter 50 mil novas habitações públicas e ter 1% do PIB, em média, durante quatro anos para este investimento público.
O PS e a AD propõem pôr o Estado como fiador de empréstimos bancários até uma determinada idade. É uma boa ideia?
É a única ideia que têm. A banca agradece, os problemas ficam por resolver e pronto. O maior problema é o problema da especulação. O PS e a AD mais uma vez partilham uma proposta, não é a única, e as pessoas continuam à rasca.
Como é possível um aumento geral de salários sem levar à falência muitas empresas?
Como é que é possível as pessoas viverem com salários que ganham? Temos um tecido produtivo em Portugal que assenta 99% em micro, pequenas e médias empresas, que, no fundamental, vivem à custa do mercado interno. É um investimento para pôr dinheiro no bolso das pessoas para as pessoas poderem consumir. Precisamos orientar uma política de apoio a essas micro, pequenas e médias empresas. O que não pode é acontecer é a nossa política de Estado ser dirigida, não para os 99%, mas para 1% dos grupos económicos.
Subsídios?
Dos nossos bolsos, saem 4 milhões de euros para apoiar empresas, para aumentar o salário mínimo nacional. A Sonae recebeu 400 mil euros para apoiar o aumento. Os CTT receberam não sei quantos milhares de euros, a Randstad também. Isto não se pode fazer. Não é aos 99% do tecido empresarial, é aos 1%, que o Estado entrega 1600 milhões de euros em benefícios fiscais. Isto é o que não se pode fazer.
Mas bastam subsídios?
O custo dos salários nas empresas é em média 14%. Há 86% de outros custos que é necessário atacar. É necessário acabar com as comissões bancárias. É possível acabar com as portagens que em certos locais têm um peso significativo nos custos de produção. É possível fixar os preços da energia, luz, combustíveis e...
É possível fixar preços na Europa?
Claro que é possível. A Europa fixa preços. A Europa é contra os preços fixados nos medicamentos em Portugal? Em Espanha o tabaco não é tabelado, mas em Portugal é. Não conheço nenhuma norma europeia que impeça.
Quais são as medidas essenciais para salvar o SNS?
Qual é o maior problema que nós temos no SNS? A falta de profissionais. O que é que precisamos de fazer? Criar condições para ter médicos e enfermeiros.
E o dinheiro para isso?
Quanto é que o Estado gasta em tarefeiros? São milhares e milhares.
Há quase um consenso nos partidos relativamente à necessidade de repor o tempo de serviço dos professores. O que mais pode ajudar a melhorar a escola pública?
Valorização das carreiras, respeito pelos profissionais e estabilidade.
Essa estabilidade é possível com este modelo de concurso nacional que temos?
A ideia que tenho é que tudo isso é superável se a opção for garantir professores que fazem falta. Vão sair cinco ou seis mil professores do sistema no final deste ano. E o número de entradas não está a compensar essa saída.
O PCP defende o direito à greve das forças de segurança. O Chega quer reconhecer o direito à filiação partidária. Essa questão da filiação é um entrave a que PCP possa votar dessa proposta?
Essa não é a questão fundamental. Temos outras propostas para as forças de segurança. Estão sempre a dizer que o PCP é um bocado antiquado, mas temos uma grande inovação, que é a constituição de uma Polícia Única, que funda a PSP e a GNR, com o que isso implica de melhor gestão de recursos.
Mas são duas forças que têm natureza diferente. A GNR é militarizada.
50 anos depois do 25 de Abril, acho que estamos em condições de evoluir. É uma proposta inovadora, que é partilhada por que conhece o terreno. Fusão de recursos, fusão de meios, clarificação de missões. Ganhávamos todos com isso. E é nesse enquadramento que consideramos os funcionários das Forças de Segurança têm direito à greve. Há greve dos médicos, há serviços mínimos. Há greve dos enfermeiros, há serviços mínimos. Há greve de tudo o que é serviços essenciais e a segurança tem de ter serviços mínimos.
E a filiação partidária?
Para nós, não é uma questão.
Porque há um risco de, a certa altura, haver uma espécie de milícias partidárias dentro das Forças de Segurança?
Não. Essa atuação e esses princípios de atuação não têm nada a ver com o haver ou não haver cartão. Acho que este tema é uma fuga para a frente. Aquilo que é preciso resolver agora é as condições de trabalho dessa gente toda. É o respeito pelas suas condições de trabalho, evolução das carreiras e de uma vez por todas acabar com esta injustiça de subsídios de risco para uns e não subsídio de risco para outros.
Há uma tensão social muito grande com protestos de professores, polícias, médicos. O PCP e a CGTP estão a conseguir canalizar estes descontentamentos?
Posso falar pelo PCP. Estamos nas lutas todas. Não só estamos, como estamos a animá-las, a potenciá-las e a puxar por elas. Estivemos as lutas da Habitação, das Comissões de Utentes do SNS, nas lutas das Forças de Segurança, nas lutas dos agricultores.
Um dos objetivos do Encontro Nacional do PCP quando chegou a secretário-geral era alargar o número de quadros e promover o recrutamento. Como é que está esse processo?
Está a andar. Nós identificámos 20 linhas de trabalho sobre as quais era necessário darmos outro andamento. É porque havia pelo menos 20 coisas que achávamos que não estávamos a fazer bem. Estamos a procurar que elas se concretizem. Umas estão a andar melhor, outras estão a andar pior. O recrutamento está a andar bem.
Andar bem é o quê?
Olhe, ainda ontem me entregaram três fichas. Há mais militantes, mas a questão não é essa. A questão é se estamos ou não com mais capacidade de alargar, de estar mais ligados à realidade, estar mais ligados a setores diversos e com capacidade de influência nessas questões concretas da vida. Eu julgo que estamos.
A luta de classes é uma ideia fora de moda?
A luta de classes está aí todos os dias. E tem expressões todos os dias.
Há uma afirmação de um milionário americano, Warren Buffett, que diz que “sim, há uma luta de classes e é a minha classe que está a ganhar”...
É verdade, tem razão. Por enquanto, ele tem razão. Mas eu não acompanho essa ideia de que a luta não tem resultados. Porque ela tem resultados. Falámos aqui de vários temas. Da habitação, da saúde, das forças de segurança, de vários temas. E se nós falámos desses temas foi por alguma razão. Não é por haver problemas. É por haver contestação a esses problemas. Se estamos a falar da habitação não é por causa dos 12 milhões de euros lucros da banca por dia. É porque em cada canto deste país se expressou a indignação contra a situação em que estamos. Se estamos a falar hoje da saúde é porque os médicos, os enfermeiros, os profissionais, os utentes têm manifestado o seu descontentamento. Isto é uma vitória da luta.
A sobrevivência o PCP no Parlamento joga-se nestas eleições?
O que é que os factos nos revelam? Na Madeira, a CDU duplicou o número de votos e ficou mais perto do segundo deputado. E nos Açores de facto foi uma subida menos significativa, mas faltaram 85 votos para eleger. Estes são os factos em que nos baseamos para dizer que vamos ter mais votos, vamos ter mais percentagem e mais deputados. Não tenho dúvidas sobre isso.
A geringonça emagreceu o peso eleitoral do campo da esquerda?
Qual é o problema com que nos confrontamos? É que as pessoas criaram uma expectativa na resposta aos seus problemas, que depois não teve tradução concreta. Há grandes avanços entre 2015 e 2019. Há o período da pandemia, que é um período muito particular, e depois há os dois anos de maioria absoluta. Nesses dois anos, as opções do PS não responderam a nenhum dos problemas mais significativos e portanto há uma certa desilusão.
Qual é a pergunta que nunca lhe fazem e gostava que lhe fizessem?
Agora deixou-me embaraçado. É um bocado a ideia de o que é que o deixa fora de si? E aproveito a deixa e respondo. O que me deixa completamente fora de mim é a hipocrisia, o cinismo, a injustiça e a desigualdade. Mas há uma matéria sobre a qual eu sou particularmente sensível. É a pobreza e em particular a pobreza das crianças. Cada um tem a sua realidade e vamo-nos cruzando com várias coisas e, voltando ao bairro onde vivo, é um aspeto com o qual convivo mal.