Regionalização? Portugueses confiam mais no poder local, ao contrário do que "é dito". Autárquicas não vão ser como legislativas
Os portugueses confiam mais no poder local do que nas instituições centrais. É a conclusão de um estudo apresentado esta quarta-feira. À TSF, Pedro Adão e Silva, que coordenou o trabalho, nota que a satisfação com os municípios atravessa todo o território continental. A regionalização volta assim à ordem do dia
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O estudo do Instituto Universitário de Lisboa indica que a satisfação com as políticas das autarquias se estende a todo o território continental do país. O inquérito contou com mais de três mil entrevistas, feitas por telefone, em todo o território continental. São 71% dos inquiridos que querem debater novamente a regionalização e 82% desejam mesmo um novo referendo. Além disso, 57% dos inquiridos defendem que os presidentes das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional devem ser eleitos diretamente pelos habitantes de cada região. Vinte e sete anos depois do referendo sobre a regionalização, uma larga maioria dos inquiridos entende que o tema deve voltar a estar em cima da mesa.
Pedro Adão e Silva coordenou aquele estudo. Em entrevista à TSF, o antigo ministro da Cultura socialista considera que há disponibilidade para uma maior transferência de competência das políticas públicas para o poder local e regional. O ex-governante acredita também que o resultado das autárquicas será distinto do das legislativas.
Quais são as principais conclusões do estudo?
A principal conclusão é que há uma confiança nas instituições ligadas ao poder local bastante elevada e que é acompanhada por uma avaliação daquilo que foi a evolução da vida no município, no qual os portugueses habitam efetivamente, que contrasta com a avaliação que é feita da evolução do mundo, da Europa e mesmo do país. Isto é, a proximidade corresponde a uma avaliação positiva daquilo que é feito pelas instâncias políticas e uma avaliação positiva da própria envolvente na qual se vive, o que significa que, quando as pessoas experienciam diretamente no seu quotidiano, o contacto com as instituições ligadas à saúde, à educação, avaliam-no positivamente. Quando fazem essa avaliação intermediada e em relação a instituições mais distantes, desde logo o próprio Governo e a administração central, essa avaliação é menos positiva.
São 71% dos inquiridos que querem voltar a discutir a regionalização e 82% desejam um novo referendo. Como é que olha para estes dados?
No fundo, isso corresponde à perceção de que as instituições políticas de proximidade são valorizadas e são bem avaliadas. E imagino que a regionalização seja vista como um processo no qual as competências e as responsabilidades nas políticas públicas são assumidas mais pelas instituições de proximidade do que por instituições mais distantes. Independentemente de se depois se colocasse, de facto, a questão se voltasse a haver um referendo, essas posições dos inquiridos seriam as mesmas, o que isso [os resultados] sugere é que há uma disponibilidade para termos mais transferências de competências nas políticas públicas para o poder local e para o poder regional. Julgo que essa noção é transversal a tudo aquilo que resulta deste inquérito.
Em ano de eleições legislativas antecipadas, mas principalmente em ano de eleições autárquicas, o que é que este estudo e estes resultados podem significar?
Numa altura em que nós temos leituras muito pessimistas daquilo que é a realidade, quer do ponto de vista da confiança das instituições políticas, quer do ponto de vista da avaliação que é feita do estado do mundo, da Europa e do próprio estado do país, este estudo deixa-nos com algum otimismo. Há uma confiança no poder local que não existe em relação a outras instituições e há uma avaliação positiva daquilo que é a atuação dos municípios. Isto é transversal.
Este estudo tem amostras representativas para as cinco regiões de Portugal continental, mas, independentemente da cor partidária do município A, B, C ou D, o que nós conseguimos perceber através deste estudo é que os portugueses avaliam positivamente o trabalho da sua autarquia, avaliam positivamente o trabalho do poder local e querem que o poder local tenha mais responsabilidades na concretização e na implementação de políticas públicas. Diria que esta leitura não vai ao encontro de muito daquilo que nos é dito e é sugerido sobre o funcionamento dos municípios e do municipalismo em Portugal, mas mostra que uma coisa é a experiência concreta dos portugueses no seu dia a dia, no contacto com as instituições, outra coisa é a leitura intermediada e mediatizada que é feita dos poderes políticos.
E ao nível de regiões, quais é que foram as que os portugueses se mostraram mais satisfeitos?
Nós encontrámos pouca variação de região para região na avaliação dos vários domínios que foram questionados. No entanto, o Alentejo é uma região onde a avaliação dos municípios tem níveis inferiores ao resto do país, do mesmo modo que a região Norte é a região onde há uma vontade de avançar na regionalização mais acentuada.
Acredita que os resultados das autárquicas poderão ser semelhantes aos das legislativas?
Não. Aliás, este estudo sugere isso mesmo. A razão pela qual alguns partidos crescem tem a ver com o descontentamento face à situação atual. Ora, o que este estudo mostra é que não há o descontentamento em relação à ação de cada um dos municípios como existe em relação aos partidos e ao Governo da República. Portanto, o que é que nós podemos antecipar nas próximas autárquicas? Maior reprodução, isto é, quem está no poder e é de novo candidato tenderá a vencer. É certo que há muitas mudanças de presidentes de câmara por força do limite de mandatos, mas, ainda assim, diria que as eleições autárquicas terão muito mais continuidade e menos surpresas do que tiveram as legislativas. E porquê? Porque, na verdade, a avaliação que é feita do trabalho dos municípios é uma avaliação bem mais positiva do que a avaliação que é feita do país, da Europa, ou do mundo.
