Reparação às antigas colónias? Marcelo cometeu um "erro grave" ao sugerir indemnizações

Patrícia de Melo Moreira/AFP
O tema subiu a debate no programa O Princípio da Incerteza. Alexandra Leitão, Pacheco Pereira e Miguel Macedo afirmam que o chefe de Estado não deveria ter sugerido o pagamento de reparações às ex-colónias.
O Presidente da República "errou" ao sugerir a possibilidade de Portugal pagar as reparações às antigas colónias pela escravatura e pelo colonialismo. A opinião é partilhada pelos comentadores d'O Princípio da Incerteza, programa da TSF e da CNN Portugal. A líder parlamentar do Partido Socialista, Alexandra Leitão, considerou que faltou cuidado a Marcelo Rebelo de Sousa.
"São declarações que, naqueles termos, foram pouco cuidadosas, sem prejuízo do debate, mas acho, sobretudo, que o facto de terem aparecido a 24 horas do 25 de Abril acabaram por permitir a introdução de um elemento de disrupção nas próprias cerimónias oficiais, que têm uma natureza completamente diferente do desfile e da manifestação. E foram também aproveitadas, designadamente, pelo Chega para criar a ideia de traição à pátria, o que obviamente também me parece muito excessivo e um aproveitamento populista disto. Acho que há outros assuntos que preocupam mais os portugueses e, portanto, diria que, sem prejuízo do debate ser útil, a colocação nestes moldes não foi também a mais feliz", afirmou Alexandra Leitão.
O historiador José Pacheco Pereira também deixou críticas à ideia do chefe de Estado. "Fui das poucas pessoas na Assembleia da República que votou contra um pedido de desculpa aos judeus por causa da expulsão, e até nos jornais israelitas fui atacado, por uma razão muito simples: é que eu acho que na história não se pedem desculpas retrospectivamente. Porque é que não pedimos desculpa aos árabes? A Reconquista não correu com os árabes que tinham vindo do Norte de África naquela fase de expansão muito ativa do Islão? É da Reconquista que vêm as quinas e aquelas coisinhas da bandeira, de onde vêm os milagres, com toda uma história mítica foi feita contra os árabes. Vamos pedir desculpa por tê-los corrido à facada em bom rigor? Mas, no entanto, quando houve um massacre como Wiriyamu tem sentido ressarcir as famílias", considerou.
Miguel Macedo afirmou que o Presidente da República cometeu um "erro grave". "Esta ideia de que podemos recuar séculos e selecionar o que queremos reparar e o que queremos desculpar em relação àquilo que aconteceu na nossa história, que tem momentos de grande lustro e tem momentos de enormes sombras... A história é feita disto, de tribos que venceram outras tribos, aprisionaram os vencidos, escravizaram, comeram-nos... Eu tenho muito apreço pelo seu Presidente da República, em geral estou de acordo com o senhor Presidente da República, mas acho que este foi um erro grave", referiu.
A sugestão do Presidente da República relativamente ao pagamento de reparações às ex- colónias foi já afastada pelo Governo. No programa O Princípio da Incerteza falou-se ainda sobre o desfile dos 50 anos do 25 de Abril, em que milhares de pessoas encheram a Avenida da Liberdade e a Avenida dos Aliados. Para Pacheco Pereira, o desfile revelou que os portugueses estão preocupados com os riscos que a democracia vive neste momento.
"A manifestação foi grande e isso era evidente no que as pessoas diziam, nas conversas das pessoas, nos cartazes individuais que as pessoas fazem em casa, porque as pessoas sentem que há um risco sobre a democracia e sobre a liberdade. Tem muito a ver com a votação do Chega, tem muito a ver com a votação das últimas eleições e isso significa que a esmagadora maioria das pessoas que estava lá, estava naquilo que hoje se chama esquerda. Havia, no entanto, dois grupos no fim da manifestação, da JSD e da Iniciativa Liberal, que no meu ponto de vista têm todo o direito de se manifestar e fizeram muito bem manifestar-se, mas não marca o tom da manifestação", disse o historiador.
Já Miguel Macedo defendeu que não há liberdade de esquerda e de direita. O ex-ministro apelou, por isso, ao fim do que diz serem "os tiques controleiros" e lamentou que haja divisão a mais na sociedade portuguesa.
"Acho que é tempo, 50 anos depois, de nos deixarmos desses tiques, mais ou menos controleiros, sobre uma coisa que nós devíamos estar a valorizar. Hoje temos divisões a mais da sociedade portuguesa, temos fraturas a mais nas comunidades políticas por toda a Europa e por todo mundo. Querer fazer divisão de uma coisa que nos une é uma coisa despropositada e sem sentido. Não há liberdade de direita e não há liberdade de esquerda ou há liberdade ou não há. Isto para mim é muito claro e devia ser indiscutível", assegurou.
As críticas de Alexandra Leitão centraram-se no discurso do líder do Chega na sessão solene que assinalou as cinco décadas de democracia. "O facto de todas as pessoas, incluindo, naturalmente, as de direita poderem ter entusiasmo pela liberdade não quer dizer que todas tenham e aquilo que nós ouvimos, por exemplo, no discurso de André Ventura nas comemorações oficiais na Assembleia da República, foi um discurso antirregime, um discurso anti 25 de Abril. Infelizmente lamento dizer que o do CDS, com um estilo mais elevado, não foi tão diferente assim", acrescentou.
