Reparações históricas? Presidente de Cabo Verde rejeita discussão "ligeira e na praça pública"
Em entrevista à TSF, José Maria Neves recusa "imiscuir-se" no "debate em curso em Portugal", aberto por Marcelo Rebelo de Sousa.
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Marcelo Rebelo de Sousa aterra em Cabo Verde e com uma polémica na bagagem. Admite que Portugal tem de pagar os custos do colonialismo, o que abriu a discussão sobre as reparações históricas às antigas colónias. Ora, o Presidente de Cabo Verde avisa que esse é um assunto que não deve ser tratado "de forma ligeira" e "na praça pública". Em entrevista à TSF, José Maria Neves recusa alongar-se sobre a discussão criada em Portugal por pelo homólogo português, na véspera de receber Marcelo Rebelo de Sousa em Cabo Verde.
O Presidente da República tem encontro marcado com os homólogos da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, duas antigas colónias portuguesas, mas o presidente cabo-verdiano, José Maria Neves defende uma discussão mais pacata. O assunto não estará entre as conversas dos chefes de Estado.
“Essa é uma discussão que não pode fazer-se assim, aqui, de forma ligeira e na praça pública. Por isso, insisto, o Presidente de Cabo Verde não deve imiscuir-se nesse debate em curso em Portugal”, respondeu, questionado pela TSF.
José Maria Neves “não conta” discutir o assunto com Marcelo Rebelo de Sousa, nem com Umaro Sissoco Embaló, até porque “a questão não está na agenda de trabalho” dos chefes de Estado.
A agenda de Marcelo Rebelo de Sousa, que aterra em África nesta terça-feira e regressa a Portugal na quinta-feira, centra-se nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril. O ponto alto é a 01 de maio, para os 50 anos da libertação dos presos políticos do campo de concentração do Tarrafal.
No “campo da morte lenta” foram presas mais de 500 pessoas: primeiro, antifascistas ao regime de Salazar e, mais tarde, anticolonialistas de Angola, Guiné-Bissau e Cabo Verde. Entre 1936 e 1974, morreram 36 pessoas (32 portugueses, dois guineenses e dois angolanos).
“Vamos homenagear gente que lutou pela liberdade, que consentiu enormes sacrifícios para que hoje possamos falar das liberdades, da democracia e da dignidade da pessoa humana”, explicou o Presidente de Cabo Verde. A cerimónia conta com o descerramento de uma placa do cinquentenário, intervenções dos chefes de Estado e uma conferência sobre o campo.
Portugal e Cabo Verde “construíram muito em comum”
José Maria Neves sublinha ainda que, 50 anos depois do 25 de Abril, a relação entre Portugal e Cabo Verde “é de um nível de excelência”, com os dois países a “partilharem valores” e “um esforço comum para promover o desenvolvimento” para a “dignidade” dos cabo-verdianos.
“Construímos muito em comum. O que mostra que o grande empecilho ao relacionamento entre os nossos povos era o regime colonial fascista de Salazar”, acrescentou.
Além dos chefes de Estado de Portugal, Cabo Verde e Guiné-Bissau, o Governo de Angola faz-se representar pelo ministro da Defesa Nacional e dos Veteranos da Pátria, João Ernesto dos Santos, apesar de o Presidente João Lourenço, numa primeira fase, ter confirmado a presença no Tarrafal.
O Presidente de Cabo Verde explica que João Lourenço viu-se obrigado a cancelar a visita, não só a Cabo Verde, mas também a outro país, para viajar para a Coreia do Sul, numa visita de dois dias.
Marcelo Rebelo de Sousa aterra nesta terça-feira em Cabo Verde, mas os hábitos mantêm-se. O Presidente português começa por visitar uma feira do livro, no Memorial Amílcar Cabral, e termina na quinta-feira com uma aula-debate sobre a “democracia em tempo de crises”.