Proposta do PS pode aumentar salários dos juízes. Ministra da Justiça recorda que profissionais já tinham direito a estas remunerações, enquanto Rui Rio está contra, assegurando que ninguém deve ganhar mais que Presidente e primeiro-ministro.
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Os rendimentos dos juízes dos tribunais superiores vão subir, caso a proposta do Partido Socialista sobre a revisão do Estatuto dos Magistrados Judiciais seja aprovada na Assembleia da República. A notícia avançada pelo jornal Público revela ainda que, com estas alterações, os juízes no topo da carreira possam passar a ganhar mais do que o primeiro-ministro, um teto que neste momento os impede que tal aconteça.
Manuel Ramos Soares, presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP), explica à TSF que está a ser discutido um "estatuto aprovado em 1990" e que foi "bloqueado por uma lei que devia ter sido temporária e não foi". Os juízes alertam, então, para o facto de ser um estatuto que "nunca foi cumprido".
"Não estamos a falar em aumentos que não estivessem consagrados na lei e em criar mais direitos que nunca tivessem sido atribuídos aos juízes, estamos apenas a falar de cumprir um acordo que nunca tinha sido observado. Parece-nos justíssimo", reitera.
Para os juízes, há ainda normas que estão a ser discutidas no Parlamento que causam "muita repulsa" e que podem levar os profissionais da justiça a "adotar outras medidas". Como exemplo, o responsável aponta a "norma que quer atribuir ao Conselho Superior da Magistratura o poder de dar instruções obrigatórias aos juízes sobre a forma de execução do serviço judicial".
O presidente da ASJP espera que a proposta do PS seja "naturalmente aprovada" e recorda que todos os grupos parlamentares à exceção do PS confirmaram que "se houvesse um acordo com o Governo não seriam obstáculo a que esse acordo fosse aprovado".
Juízes "já tinham direito" à reposição de remunerações
A ministra da Justiça esclareceu, esta quarta-feira, que a proposta de Estatuto dos Juízes que permite aos magistrados dos tribunais superiores auferir salário superior ao do primeiro-ministro visa repor "uma remuneração a que estes já tinham direito".
Francisca Van Dunem justificou que uma das "grandes reivindicações" dos juízes, sobretudo ao nível das instâncias superiores, era a de que "tinha deixado de haver estímulos à progressão na carreira, nomeadamente na ida para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) em virtude do teto salarial" indexado ao do primeiro-ministro, que fazia com que os magistrados "não estivessem a receber a remuneração a que tinham direito".
"Aquilo que se trata não é de aumentar ou diminuir a remuneração. Aquilo que se trata é de atribuir, a partir de agora, aos magistrados a remuneração a que eles tinham direito e que não recebiam em virtude de uma norma que prevê que o limite máximo da remuneração é a remuneração do primeiro-ministro", argumentou Francisca Van Dunem em declarações à margem da conferência "Tecnologia nos Serviços de Reinserção e Prisionais: Transformação Digital", que reuniu em Lisboa representantes de 52 países.
A ministra referiu que, embora houvesse uma tabela que teoricamente permitisse aos juízes conselheiros e desembargadores com cinco anos de exercício funcional receberem com base na tabela uma determinada remuneração, eles "na prática não recebiam" essa remuneração por causa do teto salarial do primeiro-ministro.
Segundo Francisca Van Dunem, o que aconteceu durante as negociações com aquela classe profissional é que "houve uma decisão política no sentido de se permitir a quebra do teto (salarial) do primeiro-ministro, nomeadamente para os magistrados dos escalões superiores".
A ministra insistiu na ideia de que assim os juízes passam "a receber aquilo que tinham direito a receber e que só não recebiam em virtude desse constrangimento", ou seja da norma que impunha o teto salarial do primeiro-ministro.
Francisca Van Dunem explicou que alguns dos desembargadores dos Tribunais da Relação abdicavam de serem promovidos a juízes conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, instância que tem sede em Lisboa, porque o aumento salarial era muito pequeno - cerca de 28 euros - e a mudança para a capital implicava estarem longe da sua residência, família e outras condições de vida.
"Não é politicamente correto"
O presidente do PSD, Rui Rio, acusou hoje o Governo de andar "à deriva" na progressão de carreiras na função pública devido à proximidade das eleições e defendeu que "ninguém deve ganhar mais do que o Presidente da República".
À entrada para a apresentação de um livro do porta-voz do Conselho Estratégico Nacional para as finanças públicas, Joaquim Sarmento, Rio foi questionado sobre a manchete do jornal Público, segundo a qual uma proposta do PS de alteração ao Estatuto dos Magistrados Judiciais irá permitir aos juízes ganhar mais do que o primeiro-ministro, o que até agora estava impedido aos titulares dos órgãos de soberania.
"Não é politicamente correto, nem popular, mas é a minha convicção desde há muitos anos: na função pública o salário do Presidente da República deve ser o mais alto e ninguém deve ganhar mais que o primeiro-ministro. É um princípio que há muitos anos defendo", afirmou, salientando que esta sua posição não se limita aos magistrados.
Para o presidente do PSD, esta proposta para os magistrados é demonstrativa do que considera ser o princípio geral de atuação do Governo na matéria de progressão de carreiras na administração pública.
"Aquilo que sinceramente acho é que o Governo está à deriva: está a descongelar as carreiras, mas não com equidade, não de forma igual para todos, para uns faz de uma maneira, para outros faz de outra", criticou.