Santos Silva. Garantias de ordem pública e paz na Venezuela são insuficientes
Em entrevista à TSF e DN, o ministro dos Negócios Estrangeiros garante que o Governo português tem dito às autoridades venezuelanas que é o Estado que tem de repor a normalidade no país.
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A poucas horas do arranque da campanha para as eleições de 30 de julho, dia em que os venezuelanos vão eleger os membros da Assembleia Constituinte promovida pelo Presidente Nicolás Maduro, e num momento em que o país vive uma crise política e económica, Augusto Santos Silva diz que há poucas garantias de ordem e paz na Venezuela.
Declarações de Augusto Santos Silva, em entrevista à TSF e ao Diário de Notícias, em que o ministro confirma a existência de um plano de emergência para os portugueses em território venezuelano e em que confirma também que à região da Madeira já chegaram quatro mil portugueses vindos da Venezuela.
Uma entrevista em que o ministro dos Negócios Estrangeiros aborda ainda o tema Angola e a relação entre os Estados português e angolano. Diz Augusto Santos Silva que os dois países são "gémeos siameses".
"Para falar à diplomata: Na Venezuela, a ordem pública e a paz pública estão insuficientemente garantidas"
Objetivamente o mundo também não pára. Com a chegada de Donald Trump aumentou a tensão com a Coreia do Norte, no Médio Oriente - onde, aliás, o Presidente dos Estados Unidos esteve -, com o isolamento diplomático do Qatar, que aconteceu pouco dias depois de ele lá estar, a diplomacia também foi chamada a procurar resolver um conflito que aumenta a insegurança global... O mundo, com esta nova administração norte-americana, está mais perigoso?
[Risos]. Não, sejamos justos. Em primeiro lugar, só a título de exemplo, não foi com a presidência de Donald Trump que aumentou a tensão com a Coreia do Norte. O que acontece é que...
Mas também não diminuiu, efetivamente.
Não, mas vamos lá a ver! A Coreia do Norte está numa escalada de provocação à cena internacional que é absolutamente inaceitável. Ninguém pode conviver com uma Coreia do Norte, no atual regime, dispondo de armas nucleares. Temos de ser absolutamente claros sobre isso! E, portanto, a comunidade internacional trabalha e organiza-se para que isso não seja possível. Para isso, nós precisamos da colaboração de países que são próximos da Coreia do Norte e que têm, portanto, um poder de influência e, até, de pressão sobre a Coreia do Norte que nós não temos, como a China, mas também precisamos que países como os Estados Unidos sejam inteiramente claros no que dizem e no que fazem, no sentido de evitar que possa acontecer, possa ocorrer aquilo que seria verdadeiramente uma tragédia. E, portanto, aqui o seu a seu dono.
O que está a acontecer com a administração de Donald Trump é que ela está a exprimir um retraimento - que, espero, não seja estratégico, que seja temporário - dos Estados Unidos em relação à agenda e às organizações multilaterais e em relação a algumas das agendas de política internacional mais queridas da União Europeia: o comércio internacional regulado, o combate às alterações climáticas, a agenda do desenvolvimento. E isso, evidentemente, é preocupante.
Na Venezuela há um crescendo da violência, num cenário de falta cada vez maior de bens essenciais. Qual a capacidade de Portugal para acudir à comunidade portuguesa que reside naquele país? Há uma atenção especial para aquele ponto do globo?
Sim, como eu tenho dito, há uma atenção ao minuto. Nós intervimos em quatro planos complementares: em primeiro lugar, recebendo e apoiando a inserção, a integração em Portugal daqueles que estão a regressar, que já são na ordem dos milhares.
E aumentam, os pedidos de repatriamento, a cada dia que passa?
Sim... Como sabem, grande parte da comunidade portuguesa na Venezuela é de origem madeirense e, portanto, é a Região Autónoma da Madeira que tem recebido grande parte dos que regressam. Segundo as autoridades madeirenses, já estaremos na ordem das 4.000 pessoas regressadas. Mas também temos informação, através da nossa rede diplomática e consular e através dos países vizinhos, que há emigrantes portugueses na Venezuela que estão agora a demandar a Colômbia, o Brasil, o Panamá e outros países da mesma zona e, portanto, nós devemos apoiá-los na sua integração. Em Portugal, é uma questão, sobretudo, de política social e de emprego. Evidentemente o governo da República e o governo da região autónoma trabalham estreitamente para que isso seja possível. Aliás, o secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, que esteve vários dias na Venezuela, esteve acompanhado pelo secretário do governo regional encarregado da pasta e irá agora, no próximo dia 18 de julho, para continuar esse trabalho.
Já tem algum pedido específico por parte do governo regional...?
[Risos]. Eu só ia no primeiro dos vários planos! Sim, as autoridades regionais já pediram...
É só para clarificar este ponto e depois retomaremos.
Sim, sim. Já pediram a cooperação das autoridades nacionais e essa já lhe foi garantida. Neste momento, é sobretudo ao nível do Ministério do Trabalho e da Segurança Social que isso se faz. Depois, há um segundo plano que é o apoio consular aos portugueses que residem na Venezuela. E esse apoio foi reforçado, quer em meios, quer, digamos, no raio de ação das autoridades consulares. Estamos, neste momento, a fazer permanências consulares. Quer dizer que as equipas dos nossos funcionários estão a ir a pontos mais longínquos do território venezuelano. A primeira que já foi feita, só para terem uma ideia, tinha previamente marcada - portanto, por via eletrónica - 200 pedidos, 200 pessoas que usaram essa permanência consular, uma espécie de itinerância dos meios consulares, para tratarem de coisas, que são, basicamente, terem os seus papeis em ordem, tratarem das questões relativas, por exemplo, às declarações, às certidões de habilitação, aos direitos de formação de pensões, etc. Depois há um terceiro plano, sobre o qual eu não quero dizer nada, que é, digamos, o plano de emergência. E há um quarto plano que é também muito importante para que os outros - o segundo e o terceiro - possam funcionar: ter um contacto com as autoridades venezuelanas. Para nós, as autoridades venezuelanas são o Presidente, o seu governo e a Assembleia Nacional.
No fundo, estão a ter um contacto com as duas partes que estão em conflito.
Nós contactamos com as autoridades que são nossas interlocutoras para podemos assegurar as melhores condições possíveis, do ponto de vista do bem-estar e da segurança das nossas comunidades. Portugal tem, aqui, um cuidado adicional que tem a ver com a natureza da inserção económica da nossa comunidade, cujo setor mais dinâmico é constituído por, como se diz na minha terra que é o Porto, comerciantes de porta aberta. As padarias, os supermercados, etc., que, portanto, estão especialmente vulneráveis a coisas como explosões urbanas, saques, etc. E já vários têm sido vítimas. E, portanto, nós temos de gerir isto com a atenção devida. E as três palavras essenciais aqui são: proximidade, prudência e muita atenção.
Os contactos que tem mantido tranquilizam-no ou nem por isso?
Não, não há... Digamos, os contactos são elementos...
Com as autoridades venezuelanas. Refiro-me a esses, agora.
Sim. [Os contactos] são elementos de tranquilização, no sentido em que todas as autoridades que nós contactamos nos dizem duas coisas muito importantes: primeiro, que não há nenhuma hostilidade face à comunidade portuguesa, seja do lado dos poderes públicos, seja do lado da população; e, segundo, que as autoridades estão empenhadas em contribuir para a reparação, primeiro, para condições de segurança designadamente para os estabelecimentos e, depois, reparação de prejuízos sofridos. Por exemplo, os saques de que foram vítimas vários estabelecimentos portugueses em Valência e agora, mais recentemente, numa cidade que fica a 200 km de Caracas. Agora, esses elementos são de tranquilização relativa, porque nós temos sempre insistido, junto das autoridades venezuelanas, que compete ao Estado venezuelano garantir a ordem pública e a paz pública e isso, manifestamente, está muito insuficientemente garantido, para falar à diplomata.
Ainda agora tivemos episódios recentes na Assembleia legislativa, não é?
Agora, a situação política venezuelana é muito delicada, a situação económica degradou-se muito e a situação social é também muito, muito...
Sensível, para não usar outro termo, provavelmente.
O senhor acaba de passar o seu exame para adido diplomático. [Risos].
"Angola e Portugal são dois gémeos siameses. Não vale a pena alguém amuar"
Em relação a Angola, há eleições marcadas para 23 de agosto, a visita do governo português esteve prevista para este ano mas, entretanto, foi adiada sine die, depois de uns problemas relacionados com questões de justiça. Acha possível que a visita de António Costa se realize ainda este ano?
Do nosso ponto de vista, apenas aguardamos que as autoridades angolanas façam propostas de datas. Nós já fizemos as nossas. Entretanto, entrou-se no ciclo eleitoral...
Não foram aceites. É do conhecimento público, não é?
Não. Não foram recusadas. O que aconteceu é que houve depois a natural aceleração, digamos, do tempo da política interna, porque há eleições em Angola no próximo dia 23 de agosto e que, em Angola, são ao mesmo tempo para o Parlamento e o Presidente.
Legislativas e presidenciais.
Agora, o que caracteriza a atitude da política externa portuguesa é isto: nós prezamos muito e respeitamos a independência do poder judicial face à política externa. E isso que eu acabei de dizer tem como correlativo o seu exato simétrico: a independência da política externa face às autoridades judiciais. Portanto, nós não confundimos os planos. Prosseguem investigações judiciais m Portugal? Sim, prosseguem. Prosseguem sobre um ex-primeiro-ministro, não sei se prosseguem sobre membros do governo, porque não...
Não se sabe, obviamente.
...não se sabe, e não se tem de saber, prosseguem sobre autarcas, prosseguem sobre a mais variada gente, toda ela beneficiando de presunção de inocência até terem transitado em julgado as respetivas...
Sim, mas foi isso que afetou esse calendário...
E, portanto, nós evidentemente não temos nada a dizer, nem sequer a comentar, sobre processos judiciais, mas os processos judiciais não condicionam a política externa portuguesa. E, portanto, do ponto de vista da política externa (que é a única pela qual eu sou responsável, pela sua execução), nós estamos prontos para realizar uma visita do mais alto nível de Portugal a Angola. Porque é que é uma visita do mais alto nível? Porque nas relações bilaterais as coisas têm um crescendo: já foram vários membros do governo de Portugal a Angola, já vieram vários membros do governo angolano a Portugal. O programa de cooperação entre os dois países está em curso, as linhas de crédito estão a funcionar, a relação entres os dois ministérios das Finanças é fluida, há "n" programas setoriais de colaboração entre os dois países, eu fui e, para todos os efeitos, vou ter agora o meu momento - a que alguns chamam, com graça - "eu sou o presidente da junta", eu sou, para todos os efeitos, o número dois do governo, fui como ministro dos Negócios Estrangeiros e, portanto, do ponto de vista político, o que faz sentido agora é ir o chefe de governo ou o chefe de Estado.
É ir o número um...
[Risos]. É tão simples quanto isso!
Mas é por causa de uma investigação que envolve um membro do governo angolano...
Não. Não foi isso que as autoridades angolanas disseram. Entenderam que não estavam, ainda, criadas as condições para que a visita se realizasse, vamos esperar tranquilamente para que elas estejam criadas. Uma coisa é evidente para as autoridades portuguesas e eu suponho, acredito, que também seja evidente para as autoridades angolanas, é que Angola e Portugal é como se fossem dois gémeos siameses. Não vale a pena a gente achar que pode ignorar-se uns aos outros, que pode amuar uns com os outros... Quer dizer, se amuarmos teremos o trabalho adicional, que é deixar de amuar, porque a proximidade entre os povos, os laços históricos, a densidade das relações económicas, a cooperação institucional é de tal monta que nós somos, se me permitem a comparação, gémeos siameses.
E eu tenho de lhe perguntar: alguém amuou, nessa relação entre gémeos siameses?
Não. Estava a usar metáforas para que a entrevista não fosse assim muito maçadora. [Risos].
A União Europeia só esta semana recebeu um convite para o envio de uma missão de observação, depois de ter oferecido essa ajuda já, se não estou em erro, em março. Perante este tipo de coisas, acha que estão garantidas as condições para uma realização efetiva de livres e justas eleições em Angola, como se costuma dizer?
Com o poder síntese, que também é meu, a última informação que eu tenho, que foi prestada publicamente pelas autoridades angolanas, é que se espera cerca de 3.000 observadores eleitorais em Angola e que a comunidade internacional reconhece unanimemente que, no contexto africano, as eleições que se têm realizado em Angola são das mais justas, das mais livres e há uma terceira palavra que a gente costuma dizer, mas que não me ocorre agora, que conhecemos.