"Se o 25 de Abril tivesse falhado, o regime teria sobrevivido, mas o país teria um amanhã pior"
José Pedro Aguiar-Branco defende que "alguns podem dizer que Abril está por cumprir, mas Abril mudou e por isso o país quer mais, exige mais".
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O presidente da Assembleia da República salientou esta quinta-feira a coragem dos militares que fizeram a revolução de 25 de Abril, num discurso em que também lembrou as últimas vítimas mortais causadas pela polícia política do anterior regime.
Na sessão solene comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril no parlamento, antes da intervenção final a cargo do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, José Pedro Aguiar-Branco considerou que "um dos grandes mitos" do dia da revolução "é o slogan, tantas vezes repetido, de um dia sem sangue".
"Senhoras e senhores deputados, há pelo menos quatro famílias que discordam desta ideia. Naquele dia houve gente que estava no sítio errado à hora errada, gente que saiu de casa para apoiar a revolução, gente que já não voltou a casa", disse, recebendo depois palmas, sobretudo de deputados do PS e do PSD.
Segundo o presidente do parlamento, "foram as últimas vítimas da polícia política do regime e é tempo de dizer os seus nomes nesta sala: Fernando Giesteira, Fernando Barreiros dos Reis, João Arruda e José Barneto".
"Não basta dizer os seus nomes, é preciso expressar gratidão. Esta semana tomei a iniciativa de convidar as famílias para, pela primeira vez, estarem nesta sessão solene. O convite foi para que vissem com os próprios olhos o que o sacrifício dos seus conquistou. A ver-nos e a ouvir-nos. E aqui está, a família de Fernando Barreiros dos Reis", referiu. Palavras que levaram todos os deputados a aplaudirem.
Neste seu primeiro discurso, numa sessão solene do 25 de Abril, enquanto presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco realçou a coragem dos militares que derrubaram o regime do Estado Novo.
"Se o 25 de Abril tivesse falhado os únicos que não teriam um amanhã seriam esses homens. E sabiam-no. Todos eles o sabiam. E mesmo assim fizeram-no. E a maior parte deles voltou a fazê-lo no dia 25 de novembro" de 1975, apontou, aqui numa alusão ao fim do Processo Revolucionário em Curso (PREC).
O antigo ministro da Defesa sustentou depois que, no 25 de Abril de 1974, no caso dos militares, "era mais fácil não sair à rua, ter um pretexto ou inventar uma desculpa, era mais fácil optar pela neutralidade ou permanecer a meio do caminho".
"Nenhum deles seria julgado por ficar. Todos seriam julgados por fazer. Esta é a definição de coragem - e coragem física, concreta, real. Porque os discursos, como este, fazem-se de palavras, de simpáticas intenções. Mas a história faz-se de coragem e ações", acrescentou.
Aguiar-Branco evoca Soares e avisa que não se pode culpar o povo pelas suas escolhas
O presidente da Assembleia da República evocou ainda a ação reconciliadora de Mário Soares, defendeu que o populismo combate-se com soluções e advertiu que não se pode culpar os portugueses pelas escolhas que fazem nas urnas.
De acordo com o antigo ministro da Defesa, meio século após a revolução de Abril, "o país quer mais, exige mais saúde, mais educação, mais justiça, mais habitação, mais desenvolvimento". "É essa pesada herança que explica tantos e tantos portugueses desiludidos, tantos e tantos portugueses zangados, tanta e tanta polarização, tanta radicalização e tanto populismo. Devemos culpar os portugueses por isso? Devemos culpá-los pelas suas escolhas nas urnas?", questionou.
O presidente da Assembleia da República assinalou depois ter "genuínas dúvidas" de que a resposta a esses portugueses zangados "seja mais ideologia, mais guerras culturais, mais partidarização, mais tática política ou mais jogos parlamentares". "A desilusão de uns resolve-se com boa governação. A polarização de outros resolve-se com soluções. Com ações concretas e não com palavras e discursos mais ou menos inflamados. E notem a expressão que propositadamente utilizei. Resolver. Não combater", acentuou.
José Pedro Aguiar-Branco completou esta ideia, dizendo que "a casa da democracia" não pode ser encarada como um "castelo fechado em si mesmo, protegido atrás de grades que, por conforto ou segurança, simbolicamente fomos deixando ficar".
"A casa da democracia não pode servir para defender o regime. Isso era a outra, a dita Assembleia Nacional. E muito menos a casa da democracia serve para defender a democracia. Serve sim para construir a democracia. Todos os dias, com mais políticas que política, com mais coragem que jogos ou preocupações com popularidade", contrapôs.
Neste contexto, o social-democrata José Pedro Aguiar-Branco evocou a ação do antigo Presidente da República, fundador e primeiro líder do PS, Mário Soares, considerando mesmo que "foi a personificação maior de um espírito de bom senso e sabedoria que hoje, em política, se chama de moderação".
"O homem que combateu o PCP nas ruas foi o mesmo que não permitiu a sua ilegalização. O homem que amnistiou Otelo foi o mesmo que trouxe Spínola para junto de si. O que alguns podem chamar de contradições ideológicas e políticas, ele chamaria de reconciliação. De respeito pela diferença de pensamento, pela diversidade das ideias", salientou.
Uma atitude que, de acordo com o presidente da Assembleia da República, Mário Soares adotou "não por uma casta noção de tolerância, mas pela certeza de que o país só cresce e se desenvolve com a diferença e pela diferença". Na bancada do PS, houve novamente palmas.
"A certeza de que a diferença exige mais de nós. Que a diferença soma e acrescenta. Isso é sabedoria. É bom senso. Como português, cidadão e eleitor só posso esperar o mesmo para esta casa: O respeito maior pela diferença, de que a composição desta assembleia é, hoje, exemplo, fruto da afirmação livre da vontade dos portugueses", acrescentou.
