Serviço Militar Obrigatório divide Forças Armadas e ex-governantes, mas seguir modelo antigo é "disparate"
No Fórum TSF, a maioria dos especialistas defende que se faça uma discussão alargada sobre este assunto no país.
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O presidente da Associação Nacional de Sargentos, António Lima Coelho, entende que qualquer discussão que se faça sobre o regresso do Serviço Militar Obrigatório não deve desviar a atenção dos problemas das Forças Armadas e da falta de efetivos. Além da guerra na Ucrânia, a falta de homens é uma das razões entre os que defendem que deve voltar a ser obrigatório ir à tropa.
Na discussão, no Fórum TSF, Lima Coelho destaca a necessidade de saber que Serviço Militar Obrigatório é que o país pretende, mas tem uma certeza: o modelo antigo não serve.
"Falamos num Serviço Militar Obrigatório nos termos e moldes em que existia durante as guerras coloniais? Outro disparate. Não podemos trazer essa realidade. Um Serviço Militar Obrigatório que traga apenas efetivos para assegurar determinado tipo de serviços ou mordomias que não fazem sentido na realidade de hoje para que haja quem sirva à mesa ou quem pinte uma parede? Não. Para isso existem empresas próprias, não podem ser militares a fazê-lo. Os militares têm funções específicas", defendeu António Lima Coelho.
Por isso, considera que é preciso que se faça uma discussão alargada sobre este assunto.
"Abrir-se esta discussão a toda a sociedade, à academia, aos jovens, aos menos jovens, a todos, para percebermos o que é que se quer fazer das Forças Armadas e o que é que se quer fazer de um tal serviço. Pode ter uma vertente militar, uma vertente de Proteção Civil, uma vertente de saúde. Pode ter inúmeras vertentes porque o serviço militar é exatamente isso, é um serviço, não é uma boa oportunidade de emprego como muita gente tem tentado vender. É um serviço que, infelizmente, nem todos os cidadãos podem desempenhar e prestar ao país, mas é um serviço e é importante que se diga que hoje temos a falta da noção de prestar um serviço ao país", propôs à TSF o presidente da Associação Nacional de Sargentos.
O presidente do Grupo de Reflexão Estratégica Independente (GREI), o general Pinto Ramalho, defende que a dimensão do problema exige um debate aberto a toda a sociedade.
"Isto é um processo que tem de ser debatido em termos nacionais. Não é um problema do Exército, da Marinha ou da Força Aérea, é um problema do ponto de vista político. Assim, como se decidiu acabar com o Serviço Militar Obrigatório, este debate tem de ser profundo na sociedade para que realmente se chegue a uma situação em que se encontre uma melhor solução para este problema. A partir da componente armada, criar condições para que esses cidadãos optem por servir na situação de contrato e, eventualmente, venham até a integrar o quadro permanente se tiverem apetência para isso e seguirem as provas militares, seja para sargentos ou oficiais", afirmou Pinto Ramalho.
No entanto, reconhece que o regresso do Serviço Militar Obrigatório pode ser uma solução para resolver a falta de efetivos nas Forças Armadas.
"É preferível ter um sistema misto em que haja, realmente, um serviço militar de cidadãos que vêm às fileiras. Isto é um período que poderá ser de dez a 12 meses. Isso depende até do sistema. Se o sistema entrar em velocidade cruzeiro, o tempo inicial pode ser mais reduzido e, a partir daí, passar-se do recrutamento para o contrato. É um sistema misto que possibilita, eventualmente, resolver esta questão que foi já a situação que vivemos durante um período intermédio, desde 2004 até 2011", disse o presidente do GREI.
Também em declarações no Fórum TSF, o general João Vieira Borges, coordenador do Observatório de Segurança e Defesa da SEDES, partilha da ideia de que é necessário fazer uma reflexão sobre o assunto, mas em vez do Serviço Militar Obrigatório defende o Serviço Nacional de Cidadania.
"É uma componente de cidadania que tem as duas vertentes, uma vertente militar e uma vertente civil. Os jovens podiam optar pela questão civil, que seria nove meses, como é na Áustria, ou pela militar que eram seis meses e o Estado também lhes dava competências em termos de prática de serviço. Não era apenas irem para os hospitais, para a Justiça, para a Educação e serviços sociais. Não era só irem trabalhar, também lhes dávamos competências e alguns ficariam depois nas Forças Armadas", propõe João Vieira Borges.
Já Martins da Cruz, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, considera que a proposta da SEDES é um caminho, mas deixa outra ideia: Portugal podia copiar o exemplo de Espanha, que abriu as Forças Armadas aos cidadãos de países onde se fala espanhol. Portugal podia fazer o mesmo em relação à CPLP.
"Poderia estudar-se a hipótese de os países da CPLP que assim o entendessem poderem ter os seus cidadãos a servir, em regime de voluntariado, nas Forças Armadas portuguesas. Sei que é um debate que não é fácil porque, ao contrário de Espanha, tivemos uma guerra colonial muito forte e que pesa ainda na memória histórica do país e desses países que felizmente agora são independentes, mas poderá ser um exemplo para o qual podemos olhar", explicou Martins da Cruz.
O antigo ministro lembrou o compromisso que Portugal assumiu de aumentar a despesa para 2% do PIB e recordou que, na NATO, o serviço militar voltou a ser obrigatório em vários países.
"Já há 12 países na Europa com Serviço Militar Obrigatório, dos quais dez na União Europeia. Por alguma razão esses países, como por exemplo a Suécia e a Finlândia, que pediram para entrar na Aliança Atlântica há pouco tempo, instituiram o Serviço Militar Obrigatório já há alguns anos. Também na NATO outra questão que se coloca é o problema das despesas com a defesa, que tem a ver com o Serviço Militar Obrigatório. O Serviço Militar Obrigatório tem de ser pago e isso vai implicar um aumento das despesas da defesa", exemplificou o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros.
Em relação ao aumento da despesa, Martins da Cruz deixa um desafio ao próximo Governo, uma vez que o que Portugal gasta com a Defesa ainda está longe do compromisso que o país assumiu.
"Portugal gasta em Defesa cerca de 1,48% do seu PIB e destas despesas muito pouco é de equipamento. A maior parte tem a ver com vencimentos, manutenção de instalações e despesas logísticas para manter aquilo que existe. Vamos ter rapidamente de fazer um esforço. O novo Governo tem de olhar muito a sério para esta situação, até porque estou seguro de que na cimeira da NATO, em Washington, daqui a três meses vai voltar, seguramente, a insistência e determinação para que todos os países façam um esforço e gastem pelo menos 2% do PIB em Defesa", acrescentou.
