Sikhs começam a sentir ameaças e estão disponíveis para explicar ao Chega os símbolos da religião
A comunidade Sikh em Portugal denuncia ataque no Porto, inclusivé uma morte que está a ser investigada, e já começa a sentir desconfiança por parte da sociedade à boleia das mensagens reproduzidas pelo partido Chega
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Tudo começou com um vídeo de André Ventura, nas redes sociais, a mostrar um homem no metro de Lisboa com um kirpan, uma espécie de punhal curvo que é um símbolo religioso dos sikhs. Alega o líder do Chega que situações como esta provocam "insegurança cada vez maior" e são um "perigo", mas a comunidade frisa que este é um símbolo religioso e está disponível para falar e explicar a André Ventura de que se trata, numa altura em que já começam a sentir desconfiança por parte da sociedade portuguesa.
Num encontro promovido pelo Bloco de Esquerda, na Assembleia da República, vários membros desta comunidade realçaram que já sentem nas ruas o efeito das mensagens discriminatórias. "Já notamos, hoje em dia, que quando se vê uma pessoa com esta cara [aparência] passou a ser vista de maneira diferente, uma desconfiança está a ser plantada", diz Sukhwinder Singh Jolly.
Este membro da comunidade sikh em Portugal nota até que já existiram ataques em Portugal. "Os meus colegas estão aqui a explicar-me que já houve alguns ataques, uma pessoa foi agredida na zona do Porto. É um asiático, pela cara não se sabe se é sikh, indiano, paquistanês ou bangladeshi", diz.
O ataque em causa trata-se de um paquistanês que foi morto no início de maio, no Porto. A notícia está espalhada em vários portais do Paquistão, não revelando as causas da morte, apenas notando que ter-se-á tratado de um assalto. A TSF confirmou com a Polícia Judiciária que "as circunstâncias e as causas ainda estão a ser apuradas" e que o inquérito corre no DIAP do Porto.
A TSF tentou também obter mais informações junto da Embaixada do Paquistão, em Lisboa, mas até ao momento sem qualquer sucesso.
Kirpan "não é uma arma mortal"
Mas voltando ao kirpan, a comunidade sikh até gostava de explicar a André Ventura de que se trata. "Estes vídeos criam dúvidas no público em geral, talvez pensem que se trata de uma arma mortal, mas não é uma arma mortal. Queríamos explicar tudo ao Chega, para fazê-los perceber o que é isto e o seu uso", vinca Kulwinder Pal Singh Mehra.
"Não culpo o Chega, mas ele tem falta de conhecimento e por isso publicou esses vídeos. Estamos prontos para sentar com esse homem e explicar a nossa religão. Sobre a publicação dos vídeos, estão a ser publicados sem qualquer conhecimento", acrescenta ainda.
De resto, o kirpan é um dos cinco símbolos da religião sikh e é inclusive permitido em voos no Canadá, como realça a autoridade aérea canadiana na sua página na internet.
José Soeiro, deputado do Bloco de Esquerda que promoveu este encontro, explica que os kirpan "obrigam os sikh aos ideais de generosidade, compaixão e serviço à humanidade". Baseado nos documentos que a comunidade sikh levou ao parlamento, Soeiro nota que "ele atua como um lembrete ao seu portador do dever solene de um sikh de proteger os fracos e promover a justiça para todos".
Noutros países, nota o deputado, "em raras ocasiões, sikhs foram presos por engano ou acusados ao abrigo dos estatutos anti-armas, por portarem kirpans, no entanto, as acusações foram retiradas pelos promotores ou rejeitadas pelos juízes devido à natureza religiosa do kirpan e à intenção benigna dos sikhs em usá-los".
O bloquista aproveita ainda para visar o Chega, em particular André Ventura, pelo "vídeo miserável" que fez a partir de uma fotografia de um homem, no metro de Lisboa. "Ele utilizou essa fotografia dizendo que estas pessoas são uma ameaça porque andam com facas nos transportes públicos, são uma ameaça para todos nós e para a sua família. Isto é uma mentira absoluta, trata-se de um símbolo religioso que nunca foi utilizado para cometer nenhum crime e esta mentira disseminada pelo André Ventura está a circular nas redes sociais", aponta.
"Embora já tenha sido desmentida pelo Polígrafo, é muito grave que estas mentiras estejam a ser disseminadas porque estas mentiras transformam-se depois em crimes de ódio", conclui o deputado depois de ouvir os vários receios da comunidade sikh em Portugal.