"Só Neste País." De Marcelo a Fernando Gomes, livro conta "Grandes Histórias da Pequena Política"
À TSF, os autores Liliana Valente e Filipe Santos Costa explicam que o objetivo "é deixar para a memória coletiva muitas das histórias menos impactantes, mas que em perspetiva nos dá uma visão um bocadinho daquilo que somos e do que são os nossos líderes políticos"
Corpo do artigo
Os jornalistas Liliana Valente e Filipe Santos Costa lançam esta quarta-feira o livro "Só Neste País - Grandes Histórias da Pequena Política", com o objetivo de contar "coisas excecionais" que aconteceram na democracia portuguesa.
Há muitos episódios que não têm registos sonoros. Outros estão na memória coletiva do povo português, como o famoso momento em 2000, quando o então primeiro-ministro, António Guterres, acaba a dizer "é fazer a conta", depois de não conseguir calcular 6% do PIB. Noutros casos, como o de Eduardo Catroga, foi a linguagem que colocou a declaração na história: "Em vez de andarem a discutir as grandes questões que podem mudar Portugal, andam a discutir, passo expressão, pintelhos."
Em declarações à TSF, a jornalista Liliana Valente recorda como surgiu a ideia de escrever este livro, à mesa de um jantar. "Começámos a contar: ‘Ei, lembras-te daquela história...’ E chegámos ao fim desse jantar com uma lista considerável de histórias e pensámos: ‘Ok, isto dá um livro.’ E deu."
Filipe Santos Costa, por seu lado, explica o título: "O Sérgio Godinho dizia que ‘só neste país é que se diz só neste país’, mas a verdade é que estas histórias são só nossas."
"A democracia portuguesa pode ter muitos defeitos, mas não é aborrecida. Portanto, a democracia portuguesa, sendo a democracia portuguesa e talvez nisso não seja diferente das outras, mas estão sempre a acontecer coisas excecionais, que é bom que não olhemos para elas mais uma vez com normalidade", considera Filipe Santos Costa.
De fora, por ideia dos autores, ficaram de fora os tempos do PREC, já que o objetivo do livro era contar histórias da democracia portuguesa quando navegava em águas de normalidade.
"É deixar para a memória coletiva muitas das histórias menos impactantes, mas que em perspetiva nos dá uma visão um bocadinho daquilo que somos e do que são os nossos líderes políticos", refere Liliana Valente.
Ao longo das 350 páginas do livro, muitas coisas ficaram de fora, quem sabe para um segundo volume. Há histórias muito presentes, como a demissão irrevogável de Paulo Portas, que, afinal, não foi irrevogável, mas também há histórias desconhecidas que vão desde um primeiro-ministro a fumar num avião quando tal já não era legal, até à candidata presidencial cujo currículo era afinal uma vigarice. Liliana Valente muda de história favorita todos os dias e, desta vez, recorda uma de Fernando Gomes.
"A minha história favorita do dia é quando Fernando Gomes, então ministro da Administração Interna, numa grande vaga de incêndios, esteve desaparecido e o seu assessor de imprensa dizia que obviamente ele estaria a trabalhar, não sabia onde, mas obviamente estaria a trabalhar, sendo que o trabalho do ministro da Administração Interna naquela altura seria estar a perceber o que é que estava a acontecer nos incêndios. Ora, o que o senhor ministro estava a fazer era de férias no Algarve. Os bombeiros no Algarve, a proteção civil no Algarve, tinha apenas um helicóptero de combate aos incêndios e eis se não que o senhor ministro, como queria dar provas de que efetivamente estava a trabalhar na questão dos fogos, veio de helicóptero, esse mesmo helicóptero, para Lisboa participar no Conselho de Ministros sobre os fogos", conta.
Já Filipe Santos Costa abre a porta de uma história de um político bem presente nos 50 anos de democracia: "Pinto Balsemão entrevistou Marcelo Rebelo de Sousa não para o Expresso, mas para o jornal da Costa do Sol, que também era de Francisco Pinto Balsemão. E o título da entrevista - atenção, estávamos em 1976 – era, e eu cito, “Marcelo Rebelo de Sousa (27 anos): ‘Sairá dentro de dois meses o primeiro volume das minhas memórias políticas.’ Bom e o entrevistador, Pinto Balsemão, trabalhando todos os dias com Marcelo, ficou surpreendido. Primeiro, ficou surpreendido por seu diretor adjunto estar a trabalhar nas suas memórias políticas. Segundo, ficou surpreendido por alguém com 27 anos estar a preparar as suas memórias. E ele diz isso. Balsemão diz: ‘É curioso um homem de 27 anos publicar memórias.’ Resposta de Marcelo: ‘Isso significa que estou numa fase de afastamento da atividade política e de tranquilidade.’ Quase 50 anos depois, Marcelo continua aí, nem tranquilo, nem afastado da atividade política.”
São apenas duas da histórias contadas no livro que mostram o lado B da política portuguesa nos anos de democracia. Bastidores, conversas e perplexidades que só mesmo neste país.