Sousa e Castro: “O 25 de novembro deste ano é um dos dias mais tristes da minha vida”
Rodrigo de Sousa e Castro foi protagonista do 25 de Abril e do 25 de Novembro, mas hoje não quis estar presente no Parlamento. Lamenta que a direita “por ter as mãos vazias de história” queira dar a mesma importância às duas datas e que Ramalho Eanes tenha participado: “Soares não teria aceitado isto.”
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No dia 25 de Novembro de 1975 estava num dos sítios mais movimentados do país...
Exatamente, estava na Presidência da República, onde funcionava o Conselho da Revolução. O general Costa Gomes, que era o Presidente na altura e comandante-chefe, perante os acontecimentos que se estavam a desenrolar, determinou que o Conselho da Revolução entrava em reunião permanente e todos os membros do Conselho da Revolução que não tinham comando direto de tropas foram para a Presidência, que era o local justamente onde também havia reuniões do Conselho da Revolução. Portanto, estava a assistir, ao minuto, aos acontecimentos pelas notícias que chegavam e pela presença de pessoas que entravam e saíam, embora nós, os conselheiros, estivéssemos mesmo em reunião permanente.
Qual foi o papel do Presidente Costa Gomes nesse dia?
O general Costa Gomes, que era, aliás, o general em quem os Capitães de Abril depositavam uma confiança absoluta e que tinham votado, nas várias reuniões, para que fosse ele logo à cabeça o Presidente da República, mas isso não sucedeu no próprio dia da Revolução do 25 de Abril. E, então, quando se dá a crise de 28 de Setembro, é o general Costa Gomes quem toma a chefia do Estado, é o Presidente da República. Desde aí até à eleição do general Eanes, em 1976, ele permanece sempre como comandante-chefe, como Presidente da República. Ele é o homem mais representativo do ponto de vista da influência que teve naquilo que se chamou a transição da ditadura para a democracia, que era, aliás, o grande desígnio do Movimento das Forças Armadas e do programa do MFA.
Foi o militar mais importante do 25 de Novembro?
Sim, de longe. Mais importante pela própria natureza das coisas. Fala-se em muitos militares, mas a história é feita de factos. Os acontecimentos não podem ser inventados, nem reinventados e nós tínhamos então a hierarquia militar que era no topo exercida pelo Presidente da República, general Costa Gomes, comandante-chefe. Aquando dos acontecimentos do 25 de Novembro, três elementos do Grupo dos Nove: General Pezarat, comandante da região militar Sul, General Charais, comandante da região militar centro e brigadeiro Vasco Lourenço, na região militar de Lisboa. O único que nessa altura, se a memória me falha, não pertencia ao Conselho da Revolução, era o brigadeiro Pires Veloso que estava no Norte. Quando os acontecimentos se começaram a desenvolver foi instalado mais um comando operacional no Regimento de Comandos, onde estava o então major António Ramalho Eanes, mas a hierarquia era general Costa Gomes, comandantes das regiões e o comando operacional no Regimento de Comandos. Todos os outros militares eram militares que estavam inseridos na cadeia de comando. Fala-se muito do Jaime Neves. O Jaime Neves era, naquela hierarquia militar, um comandado, isto é, um subordinado do major Eanes. As outras unidades da região militar de Lisboa estavam sob as ordens do brigadeiro Vasco Lourenço. O próprio Salgueiro Maia, quando veio de Santarém com as suas tropas de cavalaria, tal como tinha feito no 25 de Abril, conseguiu a rendição pacífica do Regimento de Artilharia de Lisboa, que era um Regimento que nós tínhamos como esquerdista e fora de controle. Conseguiu pela palavra, tal como tinha feito no dia 25 de Abril de 74, pela sua coragem, pela sua persistência em não utilizar a violência, ele conseguiu que o Regimento se rendesse. Porque no 25 de Novembro os acontecimentos são essencialmente militares. No próprio dia 25 de Novembro o que existe é uma confrontação entre militares e a confrontação é desencadeada porque as tropas paraquedistas mandadas, ainda hoje não se sabe muito bem quem deu a ordem final para os paraquedistas irem ocupar algumas bases aéreas. E, a seguir, há uma reação dos militares que estavam na hierarquia legítima do comando. Acho que é muito importante frisar isto: a estratégia do Grupo dos Nove e dos militares do grupo em que estavam Ramalho, Tomé Pinto, Loureiro dos Santos, Pimentel que eram militares que não pertenciam ao Conselho da Revolução, mas que tinham aderido ao documento dos Nove e, portanto, no fundo, eram a organização militar do grupo dos Nove, além dos seus próprios membros que comandavam as regiões militares. A estratégia adotada foi muito simples: se houver qualquer insubordinação militar, o princípio é que todos devem obedecer ao comandante-chefe. Quem era o comandante-chefe, o general Costa Gomes? Alguém hoje fala do general Costa Gomes, como homem fundamental essencial? Não é só no 25 de Novembro. Antes e depois. O general Francisco da Costa Gomes foi o homem que evitou confrontações mais graves entre os portugueses além daquela que houve no 25 de Novembro, que resultou num combate entre militares na Calçada da Ajuda com três mortes. Mas houve situações difíceis que foram superadas pela inteligência e pela capacidade política de um homem chamado Francisco da Costa Gomes. Para mim, o grande homem do 25 de Novembro. Alguém fala nisso? Ouviu algum político falar no general Costa Gomes? Só historiadores, só a Academia é que poderá falar, porque o resto são fogos-fátuos, são demagogias, são tentativas de apropriação política de nomes. Veja o que se passa com a figura do Jaime Neves ou agora nestas disputas de saber quem é que foi mais importante aqui e ali… Não, o mais importante foi o general Francisco Costa Gomes e depois os outros militares que estavam sob o seu comando: Ramalho Eanes, Vasco Lourenço, Charais, Pezarat Correia, Pires Veloso e os chefes de Estados maiores da Força Aérea, Morais Silva e o chefe de Estado da Armada.
Morais Silva é apontado como o grande responsável pela saída dos paraquedistas porque os deixou ao abandono…
Era um homem que entendeu, não sei se bem se mal, mas a maneira como ele entendeu confrontar os paraquedistas foi com certeza errada porque deu muito mau resultado. Ele queria ver-se livre dos paraquedistas da base de Paraquedistas de Tancos e isso motivou-os para se deixarem manipular para fazerem aquela marcha, aquela eu não chamo assalto, mas aquela marcha para as bases militares, ocupando as bases militares, havendo agora também várias teorias, se o que eles teriam lá ido fazer era mesmo ocupar as bases. Não houve confrontos. Eles ocuparam pacificamente as bases, era para esclarecer os seus camaradas das bases que estavam numa justa luta contra os chefes de Estado-Maior, fosse o que fosse, isso desencadeou as operações militares do 25 de Novembro, porque nós, os Nove e o seu grupo militar, tínhamos já decidido que, havendo quem “saltasse”, a expressão era “se alguém saltar primeiro, nós atuamos imediatamente”.
E quando é que esse plano de contenção começou a ser definido?
Como sabe o Grupo dos Nove redigiu um documento político que lido à luz da situação atual é um documento altamente de esquerda, não é? Acho mesmo esquerdista. O nosso documento que fala no caminho para o socialismo, que é de esquerda e tinha a adesão de toda a direita, porque a direita estava atemorizada com a hipótese de o Partido Comunista tomar o poder. O que era naquela altura uma ameaça, enfim, muito forçada. E, portanto, o Grupo dos Nove faz esse documento e é expulso do Conselho da Revolução pela ala chamada ala gonçalvista. Mas, entretanto, gera um movimento no interior dos quartéis, fazendo uma coisa que hoje é completamente bizarra: pôr os militares a pronunciar-se sobre esse documento e então houve votações em todas as unidades e nós aí soubemos que tínhamos um apoio esmagador dos militares. Isso deu-nos uma grande força para fazer a tal contenção dos mais esquerdistas, no caso as esquerdistas e aventureiristas, no caso deles saírem dos quartéis. Portanto, é tudo um processo bastante longo. A seguir ao documento dos Nove, nós fazemos o chamado pronunciamento de Tancos, que foi reunir as assembleias dos três ramos, embora a força aérea acabasse por não reunir na mesma altura, mas o Exército é que contava nessa altura. E nós, do Exército, afastamos a ala gonçalvista do Conselho da Revolução e é nesse momento que efetivamente se dá uma mudança de poder no processo chamado PREC. A mudança de poder no PREC dá-se no pronunciamento militar de Tancos.
Em Setembro…
O quinto Governo tinha sido mandado embora. Aliás, repare que quando Costa Gomes general Costa Gomes, Presidente da República, dá posse ao quinto Governo em agosto de 1975 - o Governo mais à esquerda que saiu da revolução do 25 de Abril - dele define-lhe logo o fim. Não diz em que dia ele vai demitir, mas diz que ele ia durar os 30 dias que durou o quinto Governo. O tal quinto Governo do general Vasco Gonçalves, comunista, absolutamente aterrador, que tinha, aliás, pessoas normais e conhecidas da praça pública. Esse tal quinto Governo durou um mês e em setembro já estava fora do poder, substituído pelo sexto Governo do Almirante Pinheiro de Azevedo, portanto, muito antes do 25 de Novembro. Era o sexto Governo a governar com os três partidos PC, PPD e PS dá-se o 25 de Novembro e continua o sexto Governo com a mesma composição. Aliás, o melhor ministro desse Governo era o comunista: o Veiga de Oliveira, era de longe o melhor ministro desse Governo e continuou até à posse do primeiro Governo constitucional em julho de 76. Nós ouvimos estes betinhos, porque eu lhes chamo betos porque não viveram os acontecimentos, não sabem nada de História, mas como é que esta gente - incluindo muitos políticos - pode saber alguma coisa de História se não ensinam História nas escolas? Eles eram jovens, na altura, eram estudantes, estes que agora são os políticos e mandam no país. Eles não sabem o que é que aconteceu, inventam, na cabeça deles, um Governo comunista. Não havia Governo comunista, nunca houve, mas muito menos em novembro, porque o quinto Governo, que era o único que podia ser chamado de grande influência do Partido Comunista, caiu ao fim de 30 dias, em setembro.
Depois do rompimento entre Vasco Gonçalves e o Partido Comunista, depois do pronunciamento de Tancos, que perigos é que ainda poderia haver de uma queda à esquerda?
O que justificou os acontecimentos do próprio dia 25 de Novembro foi a rebelião dos paraquedistas. Quem tinha de ser metido na ordem e foi eram os militares.
Qual foi o papel de Otelo?
Nada.
E essa é uma das chaves?
É. O Otelo não fez nada. Apareceu no Conselho da Revolução, na Presidência da República, onde estava reunido o Conselho da Revolução em ação permanente. Vinha de casa. Eventualmente, tinham-no alertado esses pormenores. Eu não sei e depois também saí do Conselho e fui descansar. E depois claro, acabou por ser preso, saiu do Conselho da Revolução ele e o Fabião. E depois, infelizmente, para os homens do 25 de Abril, para nós que fizemos o 25 de Abril com os riscos inerentes, mas também com a vontade e com entusiasmo inerentes, uma das coisas piores que nos aconteceu foi o Otelo ter-se metido como uma máfia de bandidos. Isso foi o pior que nos aconteceu, porque durante estes anos todos, a direita aproveitou isso. E depois ele morreu e, como as pessoas não tiveram coragem de dizer, independentemente do que este homem fez, ele é o protagonista, o comandante militar das tropas que derrubaram a ditadura, o homem foi enterrado e não lhe prestaram a mínima homenagem, nem António Costa nem Marcelo Rebelo de Sousa. Não tiveram coragem. Mário Soares não deixaria passar. Mário Soares era um homem amado e odiado mas era um homem capaz de grandes gestos. Ele jamais deixaria enterrar o Otelo sem dizer ao povo português que, independentemente das ações dele depois, ninguém lhe vai tirar o papel do Otelo na História de Portugal, como comandante operacional dos militares que derrubaram uma ditadura, a ditadura mais velha da Europa, isso, ninguém lhe vai tirar. E o Mário Soares, dos políticos portugueses, era o único capaz de dizer: “Este é o homem que nós temos de honrar e de homenagear.” Nem o “filhote” do Mário Soares e o António Costa conseguiram isso, e muito menos o Marcelo Rebelo de Sousa, porque ele só homenageia oportunisticamente.
Houve aqui uma tentativa da extrema-direita de se encostar aos Nove e à manobra militar?
A extrema-direita tinha um ídolo na altura - que ainda hoje tem -, que era o major Jaime Neves. E é muito interessante que eu recordo-me de uma expressão do major Jaime Neves, porque na altura, depois do 25 de Novembro, toda a gente continuou a falar livremente. O país continua livre, já era antes, mas continua livre. E então há um jornalista que grava uma frase do Jaime Neves para o Presidente da República, General Costa Gomes, que diz esta coisa bizarra: 'Os comandos não estão satisfeitos.' Ele está a pôr os seus homens no mesmo plano que nós púnhamos os esquerdistas, isto é, na extrema contrária. O Jaime Neves era um homem de extrema-direita, adorado pelo Chega. Só que, como era um homem - peço desculpa à memória dele por dizer isto - pouco inteligente, que não era um político, ele não constituía perigo nenhum, além de ser um homem absolutamente obediente aos militares superiores. A extrema-direita militar também existia, também sonhava uma certa revanche, até porque a extrema-direita militar nunca suportou o 25 de Abril. Nós prendemos o Presidente da República, prendemos o primeiro-ministro, dissolvemos a Assembleia Nacional, mudamos radicalmente os quadros institucionais da ditadura, por isso é que foi uma revolução, isso é que define a data fundadora, mas nós militares na organização militar fomos a única organização do país que fez um saneamento como devia ser. Porque dos generais, quem ficou? Dois ou três, a maior parte dos coronéis passou à reserva. Nós fizemos aquilo que devia ter sido feito no sistema de Justiça e nos vários sistemas. E isso foi um erro fatal dos democratas, dos revolucionários. Eu nunca fui apologista de regimes de violência, muito menos do regime de terror do tipo francês, mas nós fomos muito meiguinhos em relação aos fascistas, àqueles que durante 48 anos oprimiram o povo português, levaram à frente uma guerra de 13 anos e puseram o país numa situação absolutamente precária. Fomos muito meiguinhos e agora temos a resposta. Temos os filhotes deles, os netos e os filhos, os betinhos a dizer: 'Ah isto do 25 de Abril, isso nem existiu. O Dia da Liberdade é o 25 de Novembro.' Imagine como é que se sente um octogenário que viveu aqueles acontecimentos.
É capitão de Novembro e capitão de Abril...
Exatamente. Para preparar a resposta militar às insubordinações possíveis, eu fiz o mesmo caminho que fiz para o 25 de Abril. Andei para Norte a fazer reuniões, tive que tirar a minha família da Amadora porque era assediada, porque aquilo era tudo gente, mais ou menos, enfim, conotada com o Partido Comunista à altura e, portanto, não gostava muito do Grupo dos Nove. Éramos completamente odiados. Portanto, o 25 de Novembro também me saiu do pêlo. Eu não aceito - nem eu, nem os meus camaradas aceitamos - este propósito de quererem comparar de forma institucional o 25 de Novembro ou o 25 de Abril. Isso? Isso é uma coisa que eu não vou admitir até morrer.
Se o país não mudou assim tanto de 24 para 26, por que é que há tanta insistência em comemorar o 25 de Novembro?
Porque a direita precisa de heróis. Vou-lhe dar um exemplo que aparentemente não tem nada que ver com isso, mas que é paradigmático. O Sá Carneiro foi um político honesto. Trabalhou com a ditadura, mas depois renegou esse trabalho e saiu da Assembleia Nacional fascista e passou a ser um homem democrata, mas teve um percurso político de fogo-fátuo. Foi uma espécie de cometa que passou de rompante. Diga uma rua, uma cidade, uma vila ou uma freguesia onde não haja uma rua, uma praça, um beco, uma travessa que não tenha o nome de Sá Carneiro. Por que é que a direita faz isto? Porque precisa dos seus ídolos, precisa de estabelecer as suas referências ideológicas. Por que é que esta direita mais recente - o Chega e a Iniciativa Liberal - está tão interessada no 25 de Novembro? Porque eles têm as mãos vazias. Eles são simpatizantes da ditadura que foi derrubada. Já não digo dos CDS, porque praticamente não existe e os pais fundadores do CDS colaboraram na construção da democracia. Essa direita decente, que sabia que Portugal tinha de caminhar um caminho sereno, de paz, para ter liberdade. A liberdade constrói-se com paz, não se constrói com confrontação, nem com combates, nem com linguagem de ódio, nem com racismo, nem a perseguir imigrantes, nem a perseguir nacionais. É assim que se constrói a liberdade. Mais do que a democracia construiu a liberdade, é assim. A direita não tem essa vocação. Não estou a incluir o PSD na direita porque também seria injusto. Embora o PSD tenha políticas de direita, não quer dizer que seja um partido de direita, mas a restante direita - aquela que tomou esta iniciativa, o CDS, Iniciativa Liberal, o Chega - são órfãos de qualquer de qualquer coisa palpável que tenha que ver com a história de Portugal, sobretudo com a história do Portugal democrático.
E como é que vê, por exemplo, o PS em relação a isto?
O Mário Soares foi um homem que criou amores e ódios, mas foi um homem muito importante - dos mais importantes -, em Portugal, e o Mário Soares não aceitaria isto. O general Eanes tem uma definição do 25 de Novembro que é absolutamente rigorosa: ele diz que é um acontecimento fraturante que deve ser lembrado, mas que os acontecimentos fraturantes não se comemoram. Foi ele que disse isto, por isso é que eu estou muito admirado que ele lá esteja. Mas, a meu ver, o Mário Soares não poderia pactuar com algo que fosse equiparado, institucionalmente, ao 25 de Abril. A minha indignação não é por comemorar o 25 de Novembro, porque eu tenho todas as razões para comemorar o 25 de Novembro...
É um dos vencedores…
O Grupo dos Nove é o principal vencedor do 25 de Novembro. Não só vencemos as tropas rebeldes, chamemos-lhe assim, como impusemos à vida civil político-partidária que não ia haver saneamentos políticos de partidos e que não ia haver restrições a qualquer tipo de liberdade. Isso ficou claro logo no dia 26 e 27, pelas várias intervenções. Espero que não tenha havido uma troca entre o PSD e o PS para deixarem passar esta lembrança espúria da extrema-direita do Chega e do CDS para comemorar dessa maneira o 25 de Novembro. Espero que não tenha havido uma troca entre o PSD e o PS, embora isto me salte à ideia…
Não vai estar na cerimónia. A Associação 25 de Abril também não vai estar, o general Ramalho Eanes vai estar…
O general Ramalho Eanes foi um homem importante no 25 de Abril de Novembro e, no 25 de Abril, creio que estava em Angola. Eu sempre apoiei o general Ramalho Eanes, na ação política, ação cívica, em todos os momentos, no Conselho da Revolução, sempre apoiei o general Ramalho Eanes. Quando se dá o 25 de Novembro, a hierarquia militar existente queria colocar a chefe do Estado-Maior do Exército, o vice-chefe da altura, que era um general de carreira. E o grupo dos Nove, entre os quais eu me orgulho de pertencer, fomos junto de Costa Gomes e dissemos-lhe: 'Meu general, não é altura de o Exército ser comandado por um general da velha guarda. É a altura de pôr a chefe do Estado-Maior do Exército, um oficial jovem, e nós temos um nome e o nome que nós temos é o Major António Ramalho Eanes.' E o que fez o Costa Gomes? Aceitou a proposta do Grupo dos Nove. Passados uns meses, veio a premência dos militares indicarem a alguém como candidato moderado, apoiado por partidos políticos moderados, para Presidente da República. O que é que aconteceu e quem foi? E depois é muito curioso, como é que ele é promovido a general. Um dia ele foi de viagem oficial ao Brasil - nós sabíamos muito bem a dignidade do comportamento do general Eanes, um homem absolutamente impecável - e, então, apanhamo-lo fora do país. Foi o Vasco da Gama Fernandes, que era presidente da Assembleia da República, presidir ao Conselho porque estava a substituir o Chefe do Estado. E só houve um ponto da agenda: a promoção a general e ele, quando cá chegou, queria-nos bater a todos. Agora está feito, está feito, é general, acabou. Quando acaba o mandato e há a reeleição do Eanes, a direita volta-se toda contra ele e vão arranjar um general rival que era o Soares Carneiro, para o tirarem da Presidência. Os betinhos não sabem a História de Portugal e o Eanes é eleito pela esquerda toda, incluindo o Partido Comunista. Portanto, quando eu vejo o meu general, o meu querido general Ramalho Eanes estar presente nesta fantochada, eu digo uma coisa: hoje o 25 de Novembro é dos dias mais tristes da minha vida. Quando eu vejo o meu querido General Eanes a dar o agreement a uma palhaçada, que quer equiparar o 25 de Novembro, ou qualquer outro acontecimento que tivesse ocorrido depois da data fundadora do 25 de Abril, o dia 25 de Novembro deste ano de 2024 é um dos dias mais tristes da minha vida e tenho pena de dizer isto, muita pena.
À hora da cerimónia, o que é que vai fazer?
Tenho marcado corte de cabelo, mais ou menos a essa hora. E depois passo pelo café.