TC "deveria ir mais longe": imigrantes "ricos vão poder reagrupar a qualquer altura, enquanto os pobres vão ter de esperar"
"Contestar os prazos não significa coisa nenhuma", defende Timóteo Macedo, da Associação Solidariedade Imigrante, em declarações à TSF
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A Associação Solidariedade Imigrante não vê motivos para festejar o chumbo do Tribunal Constitucional (TC) às alterações da lei de imigrantes propostas pelo Governo e entende que a decisão "deveria ir mais longe".
Em declarações à TSF, Timóteo Macedo, da Associação Solidariedade Imigrante, explica que vai "continuar a haver a separação entre imigrantes ricos — que obtêm o Visto Gold ou visto de empreendedor - e os outros imigrantes, que trabalham no duro, que ajudam a construir este país".
Entre as normas chumbadas pelo TC na sexta-feira, estão várias relativas ao reagrupamento familiar, designadamente a que prevê que cidadãos estrangeiros com autorização de residência válida e que residem legalmente em Portugal têm direito ao reagrupamento familiar apenas com membros da sua família menores de idade, desde que estes tenham entrado legalmente em Portugal e residam no país.
O presidente do TC, José João Abrantes, salientou que esta norma, “ao não incluir o cônjuge ou equiparado, pode impor a desagregação da família” e pode conduzir “à separação dos membros da família constituída desse cidadão estrangeiro”, o que disse traduzir-se numa violação de direitos constitucionais. Da mesma forma, disse ser inconstitucional outra norma do decreto que prevê que um cidadão, para pedir o reagrupamento familiar de membros da família que se encontrem no estrangeiro, tenha de residir legalmente no país há pelo menos dois anos e frisou que “a imposição de um prazo absoluto, isto é, de um prazo cego de dois anos”, é “incompatível com a proteção constitucionalmente devida à família, em particular à convivência dos cônjuges ou equiparados entre si”.
Sobre estas justificações, Timóteo Macedo entende que os ricos vão poder "reagrupar a qualquer altura para ver quem quiserem e rapidamente", enquanto que os pobres ainda têm de esperar para "ver como é que as coisas vão funcionar na prática". Mostra-se, por isso, pouco confiante numa grande mudança no texto depois das conclusões do TC.
Contestar os prazos não significa coisa nenhuma. Este Governo, de mãos dadas com a extrema-direita, claro que vai dizer 'sim, senhora, vamos lá alterar isto'. E depois, na prática, vai continuar igual ou pior.
O líder da associação sustenta a afirmação argumentando que faltam "estruturas decentes" a trabalhar para "resolver como deve ser" o problema dos imigrantes que procuram Portugal para trabalhar.
O TC declarou ainda inconstitucional outra norma que aumenta de três para nove meses o prazo para análise dos pedidos de reagrupamento familiar, que podem ser prorrogados por outros nove meses em “circunstâncias excecionais associadas à complexidade da análise do pedido”.
José João Abrantes considerou que, “ao somar um prazo de decisão de nove meses, prorrogável até 18 meses”, aos dois anos que os cidadãos estrangeiros teriam de esperar para poder pedir o reagrupamento familiar, esta norma “não é compatível com os deveres de proteção da família a que o Estado se encontra vinculado”.
O decreto que altera a lei de estrangeiros foi aprovada pelo Parlamento, com votos a favor do PSD, Chega e CDS-PP, e com muitas críticas à falta de pareceres obrigatórios e à pressa do Governo, que levou à abstenção da IL. A oposição criticou a ausência de pareceres obrigatórios e a audição de associações de imigrantes e constitucionalistas, pedidos pelos partidos da oposição. A Associação Solidariedade Imigrante foi um dos movimentos que não foi ouvido pelo Governo.
Em causa está a imposição de novos condicionamentos ao reagrupamento familiar, com os requerentes a serem depois afetados pelas novas regras de acesso à cidadania.
O Governo indica que “os cidadãos estrangeiros apenas poderão requerer” o processo após “dois anos de residência legal em Portugal, admitindo-se os pedidos relativos a familiares que já se encontrem em território nacional, desde que sejam menores de idade”.
Na prática, esta medida, adia para daqui a dois anos os pedidos de reagrupamento familiar dos mais de 300 mil imigrantes que obtiveram autorizações de residência, na sequência da figura jurídica das manifestações de interesse, um recurso que permitia a regularização de quem chegava a Portugal com visto de turismo. Os únicos estrangeiros favorecidos com este pacote legislativo são os imigrantes altamente qualificados, que passam a ser os únicos com acesso aos vistos de procura de trabalho, e a quem for titular das Autorizações de Residência para Investimento (os vistos gold), que podem pedir o reagrupamento familiar sem os dois anos de espera dos restantes.