Vitalino Canas diz que revisão constitucional "não é preocupante" desde que não afete "pilares essenciais da Constituição"
O constitucionalista e antigo deputado socialista afirma, em declarações à TSF, que, pela história de ambos os partidos, PS e PSD "sempre se olharam como parceiros naturais em qualquer tipo de processo relacionado com a Constituição"
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O constitucionalista e antigo deputado do PS Vitalino Canas considera que uma eventual revisão constitucional não é preocupante, desde que não afete os pilares essenciais da lei fundamental.
"Não será preocupante se a Constituição for alterada para ser modernizada em alguns aspetos. O que será preocupante é se, por trás dessa ideia de retirar o socialismo da Constituição, que só existe na verdade no preâmbulo, se não estará a ideia também de afetar os pilares essenciais da Constituição, alterando em termos de rompimento do espírito da Constituição. Aí é que me parece que terá de ser clarificado", disse Vitalino Canas em entrevista à TSF.
Entre os pilares fundamentais apontados por Vitalino Canas estão, por exemplo, o estado social, republicano e o regime semi-presidencial. O constitucionalista, questionado sobre se confia em Luís Montenegro para incluir o PS num eventual processo de revisão constitucional, diz que não pode falar pela Aliança Democrática, mas lembra que a história aponta para isso mesmo.
"Não posso falar por eles, mas posso olhar a história dos partidos. Os dois partidos, PSD e PS, independentemente de quem estivesse no poder, independentemente de quem tivesse maiorias, independentemente da dimensão dessas maiorias, sempre se olharam como parceiros naturais em qualquer tipo de processo relacionado com a Constituição. O Partido Socialista várias vezes esteve no poder, algumas vezes até com maiorias reforçadas ou até absolutas, e sempre que houve necessidade de mexer na Constituição, olhou para o PSD como sendo o seu parceiro natural. E o inverso também sucedeu. Certamente que o não é não em relação às coligações com o Chega para o Governo também se reflita nas questões constitucionais, também haja um não é não para a reformulação profunda da Constituição, tal como o Chega pretenderá", prevê o antigo deputado socialista.
Quanto à vontade demonstrada pela Iniciativa Liberal de retirar o socialismo da constituição, Vitalino Canas relativiza: "A referência que existe à transição para o socialismo é no preâmbulo. O preâmbulo não tem força jurídica. Nós aprendemos isso nas faculdades de direito que o preâmbulo é um elemento, um documento, meramente simbólico que apenas serve para nos lembrar como é que a Constituição surgiu, mas não tem força jurídica, não tem sequer força de interpretação da Constituição. Portanto, é uma questão meramente simbólica. Uma revisão da Constituição para eliminar o preâmbulo é estar a dar tiros sem nenhum nenhuma consequência."
O antigo deputado socialista considera ainda que os resultados do PS no último domingo devem acordar o partido.
"Aquilo que o Partido Socialista tem de fazer, creio eu, é dar por encerrada esta experiência de deslizamento para a esquerda que justa ou injustamente foi a imagem que se criou no eleitorado. Portanto, aquilo que o Partido Socialista me parece que terá de se fazer com nova liderança que irá eleger é de novo falar para aquele que é o seu eleitorado natural, que é o eleitorado do centro, da classe média. Também foi muito desguarnecida nos últimos anos pelos governos do Partido Socialista. E, sobretudo, é muito importante ter propostas que sejam atrativas para os escalões etários mais jovens e estas eleições foram o 'wake up call’ que tem de ser muito bem visto pelo Partido Socialista, para que não continue a deslizar", avisa.
Ainda no dia das eleições, vários dirigentes da Iniciativa Liberal e do Chega começaram a falar de alterações à lei fundamental, já que os partidos da direita têm mais de dois terços dos deputados na Assembleia da República. Depois da audiência com Marcelo Rebelo de Sousa, na terça-feira, Rui Rocha, líder da Iniciativa Liberal, anunciou que o partido vai iniciar um processo de revisão constitucional no Parlamento.
“A IL apresentará um projeto de revisão constitucional em que traremos para a discussão esta visão de sociedade [mais livre, economicamente mais autónoma]. Não é um ajuste de contas com a História, mas é a criação de uma oportunidade de futuro para todos, em que todos se reveem numa Constituição que traz mais liberdade e que tem menor pendor ideológico”, disse o liberal no final da audiência com o Presidente da República.
