'Volta para a tua terra' ou 'Isto não é o Bangladesh': nem discurso de ódio é, mas "cobardia"

Pedro Granadeiro
A comunidade portuguesa é, na sua matriz, uma "comunidade plural", sublinha José Adelino Maltez no Fórum TSF desta segunda-feira. E lamenta que existam "incultos" que procurem "acirrar falhanços de integração comunitária"
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O professor catedrático de Ciência Política José Adelino Maltez defende que frases como "volta para a tua terra" ou "isto não é o Bangladesh" não se configuram como discursos de ódio, uma vez que não "atingem o mínimo da razão". Em causa está, então, a expressão de um "cobarde".
Ouvido no Fórum TSF desta segunda-feira sobre a possibilidade de o discurso de ódio estar a crescer na política portuguesa, o politólogo descarta essa premissa por uma questão simples.
"Discurso é a palavra posta em comunicação na praça pública. Discurso, em grego, era logos, que nós traduzimos por razão. Aquilo a que chamamos discurso de ódio, nem discurso é, porque não atinge o mínimo da razão. Era melhor dizer discurso do medo ou ou discurso do cobarde, que só insulta porque se sente em maioria numa espécie de 'assuada de febre' ou de romaria", dispara.
José Adelino Maltez sublinha ainda que a comunidade portuguesa é, na sua matriz, uma "comunidade plural". E argumenta que o discurso de ódio é "inequivocamente português".
"Porque, no tempo em que o Eusébio e a Amália eram símbolos nacionais, ninguém podia dizer ao Eusébio ou a Matateu 'volta para a tua terra'", assinala.
O que está agora em causa, insiste, não passa de uma mera expressão de "ignorância" que não reflete, por exemplo, que, na Idade Média, "um em cada de cinco portugueses - pais da pátria - ou eram judeus, ou eram mouros", ou que, dois séculos após o regresso das caravelas, "cerca de 10% da capital do império, Lisboa, passou a ser de afrodescendentes".
"Só que temos incultos que gostam de acirrar falhanços de integração comunitária, por exemplo, como acontece com os 12 milhões de ciganos da União Europeia, que constitui uma nação maior do que Portugal. A operação de integração comunitária implica tolerância", expõe.
E esclarece que ser tolerante não é compatível com o tipo de discurso que pede que alguém regresse 'à sua terra'. Isto só se consegue com "boa educação".
"Tenhamos juízo. Isto é um problema de educação", apela.
Para o politólogo, este tipo de crenças, que resultam "sobretudo da ignorância", reflete-se também na forma como a História é retratada, criando-se "sementes de ódio" que muitas vezes passam despercebidas.
"Por exemplo, um cristão deixou-se levar pela propaganda dos loiros anglo-saxónicos e, como tal, pintou Jesus Cristo quando ele era um palestiniano escurinho", denuncia.
Vinca ainda que, em Belém, o monumento criado em homenagem aos soldados mortos na guerra colonial tem inscrito vários nomes de origem estrangeira, sendo que agora há quem os procure "segregar pelo chamado 'volta a tua terra'".