O primeiro-ministro assegura que as conversas com o Bloco de Esquerda e com o PCP estão a correr "muito bem" e que há "uma aproximação cada vez maior." Sobre o PSD, garante que não é "alérgico a acordos", mas que se os sociais-democratas ficarem de fora, isso não é um drama.
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Marcelo já "avisou" várias vezes que só estará disponível para promulgar uma Lei de Bases da Saúde se o PSD estiver de acordo. Mas isso não parece tirar o sono ao primeiro-ministro. Numa grande entrevista à TSF e ao Dinheiro Vivo, António Costa explica que se os sociais-democratas se quiserem aproximar da proposta do Governo, são muito bem-vindos. Mas se não o fizerem, não vem daí nenhum mal ao mundo. E, quanto a Marcelo, o primeiro-ministro lembra que uma lei da Assembleia da República pode sempre ser confirmada, em caso de veto.
Rui Rio diz que é relativamente fácil chegar a acordo com o PSD na Lei de Bases da Saúde e que o Governo só não o fará por mera tática política. Acha possível um acordo que acomode o PSD, o Bloco de Esquerda, o PCP, nesta matéria?
Eu acho que as leis não valem por quem as aprova, mas pelo sue conteúdo. O que nós temos de ter é uma Lei de Bases que corresponda aquilo que é o projeto que está previsto na Constituição. Que é termos um Serviço Nacional de Saúde público, universal e tendencialmente gratuito. A lei está na Assembleia da República, está em debate, portanto, se houver uma unanimidade sobre a Lei de Bases excelente. Se não houver, não há. A anterior Lei não teve unanimidade, o Serviço Nacional de Saúde que hoje, felizmente, preocupa tanta gente foi, aliás, sempre votado contra pelo CDS e pelo PSD. Quiseram mesmo revogar a criação do Serviço Nacional de Saúde. Foi o Tribunal Constitucional que o impediu. Fizeram a atual Lei de Bases, também não foi aprovada por consenso. Foi aprovada pelo PSD e pelo CDS, aliás, para esvaziar o Serviço Nacional de Saúde. Não é uma divergência nova, é uma divergência histórica, antiga, não tem nada de extraordinário ou anormal em democracia. Se hoje a nova paixão que o PSD e CDS revelam pelo Serviço Nacional de Saúde se traduzir na aprovação de uma Lei de Bases da Saúde que defenda o Serviço Nacional de Saúde, como a Constituição o prevê, público, universal e tendencialmente gratuito, maravilhoso.
Então está a admitir um acordo com o PSD nessa matéria?
Primeiro não tenho alergia a acordos com ninguém. Agora, os acordos não se fazem em abstrato. Ou existem em concreto ou não existem. Cada um apresentou as suas propostas, os seus projetos de lei. O Governo apresentou a sua proposta de lei, estão em todos em trabalho parlamentar, com a Comissão e é lá, com os deputados, que devem debater, procurar construir os consensos. É evidente que uma Lei de Bases quanto mais alargado for o consenso melhor porque tende a ser uma lei de longa duração.
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E com o Bloco e o PCP? Como é que correm as conversações?
Muito bem. Tem corrido muito bem. Tem havido uma aproximação muito grande, o que não é difícil porque partimos aliás de um ponto de vista comum, que é termos estado a favor sempre da existência do Serviço Nacional de Saúde. Portanto é fácil.
Um acordo com o Bloco e com o PCP inviabiliza um acordo com o PSD ou acha possível, dentro daquilo que está a ser discutido, casar os três partidos num acordo?
Depende da posição do PSD sobre essas matérias.
O PSD já foi bastante claro sobre isto...
O PSD, a proposta que apresenta de Lei de Bases, tem uma visão em que o setor público, o setor privado e o setor social estão em concorrência. A visão que nós temos e que decorre da Constituição, é que o Serviço Nacional de Saúde deve assegurar os diferentes cuidados de saúde, sem prejuízo, naturalmente, de haver um espaço para o setor privado, quer para o setor social, não com base em condescendência, mas que é importante
Mas não concorrencial?
Mas não concorrencial. Nós temos com o setor social, por exemplo, um acordo assinado que, em especial nos cuidados continuados, dá uma importância decisiva ao que o terceiro setor - as mutualidades, as misericórdias, as IPSS - podem fazer em matéria de cuidados continuados. Nós temos com as misericórdias acordos relativamente a, por exemplo, um conjunto de hospitais onde não há hospitais públicos e onde há acordos de cooperação com as misericórdias. Não estamos aqui na mesma situação que estávamos relativamente aos contratos de associação com as escolas. Relativamente à expansão da rede hospitalar está mais ou menos estabilizada no país. Nós temos cinco unidades hospitalares neste momento em diferentes fases de concurso: no Funchal, em Évora, no Seixal, no Oriental de Lisboa, em Sintra. Não se prevê, para os próximos anos outras novas unidades hospitalares. Enfim, está em estudo a questão do Hospital Central do Algarve. O estudo está a arrancar e tem de se fazer para se tomar uma decisão. Portanto não vamos estar a criar hospitais públicos onde provavelmente já existem. É uma área onde as relações com as misericórdias são relativamente fáceis e onde não haverá grandes tensões.
Portanto se o PSD se aproximar da posição do Partido Socialista é possível haver acordo, se o PSD ficar na posição em que está não vai haver acordo?
Sim, isso é claro. Agora, eu acho que não vale a pena dramatizar muito a questão porque seria a primeira vez que haveria acordo. Porque ao longo da história, quando foi criado o Serviço Nacional de Saúde, o PSD e o CDS votaram contra. Depois quiseram mesmo revogar a constituição do Serviço Nacional de Saúde. E foi o Tribunal Constitucional que o impediu. Aliás, num notável acordo, do então Juiz Conselheiro Vítor Moreira. Depois fizeram uma Lei de Bases para procurar diluir o Serviço Nacional de Saúde. E esta revisão da Lei de Bases, que queremos assinar este ano, para assinalar os 40 anos do Serviço Nacional de Saúde, visa reconciliar, precisamente, a Lei de Bases da Saúde com a visão de um Serviço Nacional de Saúde público, universal e tendencialmente gratuito. Com espaço, naturalmente, para que exista saúde no setor privado, que dá força ao terceiro setor, que é muito importante, em atividades como os cuidados continuados, de serviço hospitalar em localidades onde tem capacidade instalada e onde o Estado não está. E, portanto, se justifica essa existência. Esta é a visão que temos. Se o PSD se quiser aproximar desta visão, muitíssimo bem.
Está consciente que pode ter um problema com o Presidente da República, um problema político obviamente?
Vamos lá ver, o Governo e o Presidente da República têm tido uma relação impecável, de parte a parte, ao longo destes anos, quer com o atual Presidente da República, quer, aliás, com o anterior, no respeito escrupuloso pelas competências de cada um. Como sabe a intervenção que o Presidente da República tem no processo legislativo é o poder de vetar ou não vetar. O poder de suscitar a constitucionalidade ou não suscitar. Quando o diploma é do Governo o veto do Presidente da República é absoluto. O Governo não pode contornar o veto do Presidente da República. Quando é uma Lei da Assembleia da República, a Assembleia da República, em função da mensagem do Presidente da República, pondera a mensagem. Até agora, dos poucos vetos que tem existido a Assembleia introduziu sempre alterações que ajudaram o Presidente da República a promulgar em segunda leitura. Ou pode simplesmente confirmar, por maioria, e o Presidente da República tem que promulgar. É o que decorre da Constituição. Vamos lá ver. A existência de divergências com o Presidente da República numa matéria não tem sido regra, diria mesmo que não tem existido muitas, mas, também não é difícil que aconteça, visto que, como sabemos, a maioria parlamentar e a maioria que elegeu o Presidente da República não são propriamente coincidentes. Mas acho que temos sabido trabalhar todos bem em conjunto. E é muito saudável para o país que isso assim aconteça.
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O que está a dizer é que se o Presidente da República vetar a Assembleia da República vai confirmar a Lei?
Eu não sou a Assembleia da República. A intervenção do Governo no processo da Lei de Bases ficou concluída no dia em que apresentámos a proposta de Lei na Assembleia da República. A partir daí a Lei é da Assembleia. O Parlamento faz o seu debate, procura as maiorias e os consensos que entender ser possível, avaliará a posição do senhor Presidente da República e em função disso atuará ou não atuará. O Presidente da República também avaliará em função do que for a versão final da Lei, seguramente com ponderação. Se veta, se não veta, se promulga, se não promulga, enfim, também só a seu tempo é que poderá dizer isso porque não se poderá pronunciar sobre uma Lei - e tem tido o bom critério de só se pronunciar sobre as Lei quando elas lhe chegam e depois de devidamente aprovadas pelo órgão próprio.
Mas, não se sentiu condicionado com as declarações que ele fez a este propósito?
Não.
Quando apelou a um acordo com o PSD ou um acordo que não deixasse o PSD de fora? Isso não foi uma forma de condicionar?
Não. Os Presidentes da República em Portugal não são uma rainha de Inglaterra. Para além dos poderes constitucionais do exercício do próprio, na Constituição, tem também os poderes que lhe vêm da função política que desempenha e, portanto, falam ao país. E o país deve ouvir. Nós ponderamos sempre, com muito respeito, o que diz o senhor Presidente da República, às vezes concordamos, às vezes não concordamos. Tenho a registar que o Presidente da República tem tido sempre a gentileza de também ouvir o Governo. Também, umas vezes, seguindo o que o Governo entende, outras vezes não seguindo o que o Governo entende. Isso faz parte da vida em democracia, que é respeitarmos as competências de cada um e acho que, enfim, quer com o Presidente Cavaco Silva, quer com o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, acho que as relações institucionais têm sido absolutamente impecáveis. E acho que isso é muito saudável para a nossa vida democrática.