"Nas poupanças ou nas cativações, é meritório o trabalho conduzido por Centeno"
Na Entrevista TSF/Diário de Notícias deste domingo, Pedro Santana Lopes elogia o ministro das Finanças, mostra-se disponível para pactos de regime com o atual Governo e fala em regionalização.
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Na apresentação da sua candidatura disse que quer dar prioridade à área social. A área consome muitos recursos financeiros, afirmou igualmente que não tinha dúvidas sobre a necessidade da consolidação orçamental, acrescentando que Portugal não se pode fechar numa folha de excel, se estivesse no Governo seguiria o ritmo adotado por Mário Centeno ou seja, com um défice que poderá ser de 1% em 2018 ou abandonava esse ritmo em benefício da área social?
Há matérias que a realidade há de trazer ao de cima e que são complicadas. De facto, nas poupanças que se fazem ou nas cativações, eu considero meritório o trabalho que tem sido conduzido pelo ministro Mário Centeno. Já disse várias vezes que nunca serei um líder da oposição que só sabe dizer mal do trabalho que é feito, não sou mesmo. Sou português e congratulo-me com o bom trabalho que seja feito por quem esteja no Governo, mesmo que eu esteja a liderar um partido da oposição. Esse caminho tem sido tanto melhor quanto não era esperado, por razões compreensíveis, que o Governo do Partido Socialista fosse tão ortodoxo, ou ainda mais, que o do PPD/PSD/CDS/PP nessa matéria.
O país tem de se congratular principalmente por termos saído do défice estrutural e essa é uma preocupação que temos de ter. Temos de ter outra que é o saldo das administrações públicas, o saldo corrente, primário, que exclui juros tem de ser positivo para libertarmos recursos para amortizar o défice e a dívida, naturalmente. Dito isto, lembraria só que num congresso de PPD/PSD no Coliseu há cerca de dois, três anos, em que Marcelo Rebelo de Sousa entrou repentinamente por ali adentro, lembrar-se-ão com certeza, eu fiz uma intervenção exatamente sobre esta área social. O Dr. Passos Coelho não sei se gostou ou não gostou, mas eu quis dizer na frente dele - até disse que podia compreender mais que se encerrem alguns serviços na área da Justiça, embora não goste porque acho que são sinais errados no país -, que na área da saúde, uma pessoa que se sente mal não pode ter de apanhar um helicóptero - até porque tenho a experiência do meu pai, que morreu depois de uma queda em Troia e a ambulância demorou uma hora e meia a chegar - não pode ter a assistência à saúde, a salvação, à distância de horas quando há populações nesta ou naquela parcela do território nacional. Portanto, aí sim, acho que tem havido um excesso de sacrifício nessas áreas e sei do que falo porque a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa tem desenvolvido um grande trabalho em cooperação com o Ministério da Saúde, mas em que sente de facto as dificuldades financeiras geradas por esse objetivo. Vou dizer que são opções terríveis, mas nós temos que, na vida, pôr o bem primeiro e a saúde é o bem primeiro.
Isso quer dizer que teria um défice maior para poder...
Tentaria poupar mais noutras despesas.
E mantinha o ritmo de consolidação que existe agora?
O ritmo de consolidação é positivo para o país e é importante para o país. Eu tenho de enfatizar isto, mas todos compreendemos a importância do crescimento, embora haja candidatos que se apresentam a dizer que o importante é o défice zero e outros que o importante é o crescimento.
Quando pensa na folha excel é uma crítica ao seu adversário Rui Rio?
Não, não. Há pessoas que têm muito mais responsabilidades nessa opção macroeconómica um pouco cega àquela que é a realidade social do que Rui Rio. Rui Rio governou a Câmara do Porto e governou-a com equilíbrio económico e não sacrificou, até porque as câmaras têm pouca responsabilidade nessa matéria, a área social. Agora, o pensamento ortodoxo macroeconómico de Bruxelas leva naturalmente a isso.
Mas foi o Governo do PPD/PSD que teve essa folha excel.
Também, também. Sem dúvida, mas lembremo-nos de que foram anos de salvação da bancarrota. Agora, o que se nos diz é que acabou a austeridade e nós sabemos que a realidade é outra - eu ouvi a líder do Bloco de Esquerda a dizer que o país tem um Estado mínimo. Um Estado mínimo com a carga fiscal que temos? Eu acho que é um Estado máximo desse ponto de vista. Os portugueses não podem pagar mais impostos, a questão é que falhamos em áreas cruciais, como foi a questão dos incêndios, agora esta questão nos hospitais e algumas são de facto sinais de problemas de investimento. Não se tem a certeza das causas e eu não gosto de falar antes de ter a certeza das razões, fiz isso com os incêndios, só falei quando saíram os relatórios das duas comissões, agora acho que é manifesto. Eu não estou com isto a atirar pedras ao Governo por causa de tragédias, fora de questão, não é a minha maneira de fazer política. Estou a falar do país, do Estado.
É uma questão de opções, porque uma das críticas que se faz ao atual Governo e à atual solução parlamentar, a frente de esquerda, como lhe chama, é a de estar mais preocupada com os salários e as pensões, de dar à função pública aumentos reais, porque já foram repostos os salários que tinham sido cortados e agora, com a atualização das carreiras, há uma mais-valia financeira. Faria a opção de ir mais devagar aqui para poder fazer o investimento que é necessário nessas áreas que está a referir, como a saúde, a proteção civil, etc.?
Houve opções que este Governo fez, por exemplo no ritmo das devoluções, que se houver mais preocupação com o crescimento acho que será melhor para as famílias do que propriamente algumas devoluções que são - não menosprezando - um volume financeiro por mês, um conjunto de euros que não é o que altera significativamente a vida das famílias, a dos pensionistas já é diferente. Agora, com o investimento, com a criação de emprego para pessoas que estão desempregadas, é diferente; quantas direções-gerais é que nós temos tido notícia que tenham sido extintas verdadeiramente na reforma do Estado? Quantas? O peso do Estado diminui? Pouco, muito pouco.
Nós encerramos serviços fora de Lisboa e direções-gerais em Lisboa, quantas encerraram? Que tenhamos conhecimento, nenhuma.
E institutos, organizações várias do Estado.
Com certeza. Da outra vez que estive como primeiro-ministro lembro-me que estava agendado o encerramento da maternidade de Chaves. Deixei agendar e, quando chegou ao Conselho de Ministros que foi em Bragança, eu disse que nós não encerramos maternidades, muito menos ao pé de zonas fronteiriças, mesmo sabendo que as maternidades têm de ter uma atividade regular para os seus profissionais não perderem a prática do exercício daquela área da medicina, mas são sinais completamente errados. E o que poupamos aí, ao pé do que Lisboa gasta... é por essa falta de noção, falta de equilíbrio que eu acho que todos os dirigentes políticos e chefes do Governo deviam exercer funções púbicas de liderança política fora de Lisboa, aí aprendiam. Eu tive esse privilégio, não foi mérito meu, a vida proporcionou-me essa oportunidade.
Em sua opinião onde é que o Governo tem falhado na estratégia económico-financeira?
Um pouco. Com certeza que a composição política da maioria leva a que determinadas opções não possam ser sublinhadas, não possam ser tão aprofundadas. Esse caminho de apoio ao investimento privado e o corte do investimento público, quando o Governo diz que os bons indicadores económicos são responsabilidade muito deste Governo e não do anterior, seria mais assim se o Governo não cortasse ao nível que cortou o investimento público. Está bem, faz algumas opções bem feitas e outras mal feitas, mas faz menos modelação da realidade do que se investisse, o Governo tem faltado muito aí e isso tem reflexos no crescimento, e tem reflexos até na disponibilidade do próprio sistema financeiro, e nas parcerias e na atratividade para fundos estrangeiros. Porque é que há tantas empresas, até empresas portuguesas - a propósito da atratividade fiscal -, que escolhem outros países da União Europeia como sede? Porque nos regimes fiscais escolhidos, num ou noutro caso forfait, ou seja caso a caso têm vantagens. Porque é que Portugal não opta por ser competitivo nessas matérias? Veja a Irlanda, veja a Holanda, já não falo no dumping fiscal que aconteceu no Luxemburgo, mas Portugal tem de aproveitar esta atratividade, o ter os olhos postos em si, para tomar medidas que chamem ainda mais. Para que tudo isto que se está a passar seja duradouro, não seja um fogo-fátuo. Este é um grande desafio da governação nos próximos tempos e da oposição que procurarei levar a cabo até haver eleições legislativas, que só Deus sabe quando acontecerão.
Pedro Santana Lopes, se vier a ser eleito vai sentar-se com António Costa para assinar pactos de regime, grandes obras públicas, o próximo quadro comunitário de apoio ou o que é que acha que é necessário que os partidos de uma forma consensual estabeleçam?
Eu falei nisso logo na minha apresentação em Santarém. Acho que a segunda metade da legislatura não é boa época, não é boa conselheira, para essas matérias.
As primeiras também não têm sido (risos).
Também não e por isso mesmo acho que não nos podemos escusar de todo à vontade política de os segurar, porque eu estou convencidíssimo que é bom para o país. Agora, por isso também fiz questão deo dizer logo na apresentação. Não quero que a iniciativa esteja só do lado do Governo e vejo um ponto de convergência com o meu oponente interno: os dois temos disponibilidade nessa matéria para o fazer. Porquê? Então passa pela cabeça de alguém que investimentos de centenas de milhões de euros, para não dizer mais, não sejam acordados entre os partidos que podem governar? E que não se admita que lá por entrar um partido e depois outro é tudo posto em causa e tudo muda? Com certeza que eu admito, admito que isso possa acontecer. Por exemplo, na matéria dos incêndios, da recuperação do país oxalá possa haver pactos de regime. Eu tenho da democracia este conceito: oxalá os governos sejam bons e as oposições o que têm de demonstrar é que são melhores. Se eu for capaz e se o meu partido puder assinar um pacto de regime com este Governo, não me caem os parentes na lama. Se eu considero que é bom para o interesse nacional, qual é o problema? Pelo contrário, acho que os portugueses até apreciam isso. Eu tenho esta visão.
Regionalização: Santana admite, mas não está totalmente convencido, avançar com duas regiões-piloto
A propósito da desertificação e do despovoamento do interior pergunto-lhe de que maneira é que olha para a regionalização e para uma outra coisa que lhe está muito próxima e que é uma opção alternativa, que é a descentralização que este Governo propôs e tem em negociação com a oposição?
Eu propus a constituição de três unidades de missão, uma delas exatamente para organização do território, para organização administrativa também. Nós temos ensaiado várias experiências: juntas metropolitanas, comunidades intermunicipais, enfim, e temos o município que é uma instituição fundamental na organização administrativa portuguesa. Este Governo fala muito em descentralização e eu - no país que tenho calcorreado, que já conhecia bem, mas esta volta tem sido extraordinária -, tenho ouvido opiniões para todos os gostos. No Porto, por exemplo, (estou a falar do PPD/PSD) é a defesa da regionalização com muitas intervenções dos militantes. Noutros distritos do norte não tanto, mais a centro, por exemplo no distrito de Viseu, ouvi bastantes opiniões favoráveis à regionalização, não estou a dizer que sejam todas as pessoas, estou a falar de tendências. No Algarve também, ainda há três dias me puseram a questão. Noutros querem o aprofundamento das comunidades intermunicipais. Na Guarda, por exemplo, cheguei a ouvir falar do regresso de uma figura algo parecida com a do Governador Civil, intermediário entre os presidentes de câmara e o poder central. Em Castelo Branco é um não rotundo.
Estou a falar disto tudo, porquê? Porque acho que está na hora, também com esta unidade de missão, de fazermos o balanço disto tudo e depois procurarmos ir para diante de forma sustentada e séria, não acho que seja tempo para passos muito ousados neste domínio. Eu não tenho preconceitos, seria fácil a muitas pessoas dizerem: "Ah, o Dr. Rui Rio é a favor da regionalização, há muitas pessoas no país que não gostam, diga-lhes que é contra!" Eu digo aquilo que penso e sinto, mesmo. Julgo que o país não pode é ficar como está, não pode mesmo. Eu quando estava como presidente da Câmara da Figueira tornei-me mais revoltado que os próprios figueirenses e as pessoas da Região Centro - eu fui presidente do Conselho da Região Centro -, com a dependência bacoca de Lisboa, mas nós, neste momento, saímos de um processo muito doloroso de recuperação económica e financeira que tem de ser consolidado. Temos a reforma do Estado a nível central para fazer, temos de diminuir o peso da despesa pública na percentagem do PIB e isso tem sido um pouco conseguido, mas temos de solidificar todos esses passos. O que é que têm sido os últimos anos de Portugal? Muito depressa voltamos atrás, ou seja, conquistámos alguma coisa, temos alguns ganhos, mas com o primeiro vento contra as coisas voltam para trás.
Não está convencido, portanto, que a regionalização possa ser efetivamente o caminho certo?
Neste momento acho que Portugal não pode ir por aí. Deve aprofundar a descentralização, mas o problema dos autarcas com a descentralização é o envelope financeiro. Qual é a tendência dos governos no que respeita à descentralização? É descarregar as competências para as autarquias, às vezes até para as instituições privadas de solidariedade social e, como dizia um presidente de câmara do Algarve, as autarquias não podem ser empregadas do Governo. Não podem ficar com a limpeza dos centros de saúde ou com outras questões parecidas nas escolas e não terem o envelope financeiro correspondente. Isso não significa que não se deva fazer a descentralização, porque deve. Agora quando falamos de descentralização e desconcentração temos de pensar nas CCDR, na articulação com as delegações dos Ministérios em cada região, por exemplo, as direções da Segurança Social, do Emprego, da Juventude e vermos como havemos de ser mais eficazes na ocupação do território. Lembra-se como durante muito tempo se admitiram experiências-piloto, penso que até isso tem de estar em cima da mesa. Neste momento não quero falar de nenhum caso particular.
Falava-se muito do Algarve, porque geograficamente é uma região que o contempla.
Talvez, mas posso-lhe dizer desde já uma coisa: eu, a assumir essa proposta, acho que não deve ser esse o único caso de experiência-piloto, porque o Algarve é um caso muito singular em que a demarcação territorial coincide com a realidade económica e social e, por isso, não deve ser a única.
E qual poderia ser a outra?
Mais a norte. Acho que neste momento ainda não posso dizer que é essa a minha opção. Agora, há uma coisa de que tenho a certeza e só não percebe isto quem não anda pelo país, o país não pode continuar como está, pois é por estar como está que acontecem também tragédias como as que aconteceram. Se o território tivesse outro tipo de ocupação e outra organização administrativa, muito disto não se tinha passado, estou inteiramente convencido. Infelizmente, às vezes, os políticos ou os dirigentes só acordam quando há safanões de tragédias horríveis como aquelas que aconteceram.
Está a dizer que ainda não é essa a sua opção, mas está a pensar nela e admite que possa ser?
Estou a pensar, estou a constituir essas unidades de missão. A unidade de missão vai ter de fazer o balanço do que aconteceu até hoje e, depois, chegar a propostas que o PPD/PSD irá apresentar - depois de eu ser eleito como espero, se Deus quiser no dia 13 de janeiro -, ao país. Eu não vim para as coisas ficarem na mesma, senão tinha ficado onde estava, com toda a franqueza; senti que tinha oportunidade e tenho oportunidade, desta vez com legitimidade não herdada, mas ganha diretamente pelo voto, de fazer aquilo que considero que é de facto adequado para o país nesta fase da sua História. Esta questão da coesão do território, da reorganização administrativa, é um grande desafio para nós que estamos vivos, para esta leva geracional em conjunto. Se daqui a dez anos pudermos dizer que virámos a mesa neste aspeto... se conseguirmos atrair uma política fiscal, respeitando o princípio da estabilidade fiscal, mas ao mesmo tempo negociando com Bruxelas estas possibilidades de grande estímulo, que não vão lá com pequenas majorações, para as empresas se orientarem para as parcelas do território nacional mais carecidas de investimento e desenvolvimento... Grandes presidentes de câmara pelo país todo - naturalmente tenho contactado mais com os do PPD/PSD -, não quero estar a destacar ninguém, mas nomeadamente em capitais de distrito, Braga, Viseu, Santa Maria da Feira, Famalicão, no sul, Albufeira, Faro, fazem um trabalho extraordinário, muitos também já na base das smart cities, das cidades inteligentes. Eles fazem trabalhos fantásticos e estão à espera do Estado central, estão à espera de decisões que às vezes são básicas, de um pequeno caminho, por exemplo Viseu agora, com a falta de água, de um novo reservatório, a ligação do rio Balsemão ao planalto Beirão a sul para terem mais alguns milhões de metros cúbicos que agora não têm e andam a transportar camiões-cisterna para Viseu.
Até já se fala em comboios.
Exatamente. Eu senti isso na pele, o que é ser presidente da Câmara na Figueira e vir a Lisboa à Direção-Geral dos Transportes Terrestres discutir carreiras, os horários e as estradas por onde vão para as freguesias, quando não sabiam em Lisboa nem o nome de uma freguesia da Figueira, que tem 384 km. Eu tinha de vir a Lisboa e sentar-me em frente ao diretor-geral para ele dizer, olhe, parte às 7h15m - e isto com um mapa à frente -, depois vai por esta estrada, por aquela, isto é bacoco, já não é dos tempos que vivemos. É aqui que o país tem de mudar para ser eficaz.
Isso também é descentralização, naturalmente.
Claro.