Passou pela Iª Guerra e depois pela IIª. Lembra-se bem da Ditadura e das 12 amantes do marido. A Dona Aninhas nasceu há 101 anos em Boticas. Na festa pediu o que sempre a satisfez:fum cálice de Porto.
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O nome completo é Ana Vicente Barroso. Nasceu em outubro de 1914. Ficou sem pais muito cedo e com uma irmã foi viver para Chaves, para casa duma tia. Estudou e trabalhou nos Correios. Foi na estação de Vinhais que viu o marido pela primeira vez. Dona Aninhas, como é carinhosamente tratada, atira um sorriso centenário e profundo ao recordar o piscar de olho do "malandro". "Eh, eh...conheci-o a ir saber das cartas ao correio".
Namorou com ele cinco anos. Diz que à época, a geração era muito diferente de hoje. "Era mais recatada. Esta geração está muito desordenada... Está, está!".
E falta respeito, diz. Se fosse no tempo de Salazar não havia greves. "Ainda agora, as raparigas (do lar) fizeram greve e aquilo deu um grande sarilho por causa do serviço. Estavam seis ou sete e ficaram duas ou três. E eu dizia assim: "Ai se estivesse aqui Salazar, ele ensinava-as. Apanhavam logo um despedimento e acabava-se".
Mesmo assim com 101 anos, a Dona Aninhas nunca disse mal dos políticos. "Para quê? Mas é que é verdade. Olhe, mudou um partido, mudou outro, mudou outro, eu nunca disse mal dos que saíam... nunca!".
Acrescenta que a velhice "é muito fraca" e que "nunca pensei que fosse tão ruim como é. Há muita coisa que está mal. O respeito pelos velhos, não há respeito".
Ana Vicente Barroso diz-se uma pessoa dócil e que por onde passa deixa amigos. Gostou de andar de avião, quando foi ao Brasil. No lar da Santa Casa da Misericórdia em Bragança, onde está, ainda ajuda com as cadeiras de rodas. Esteve casada 68 anos. Pouco tempo antes de fazer 90 pensou em divorciar-se. O marido era mesmo um malandro, "tinha 12 amantes, doze".
Diz que teve uma vida completa. O segredo da longevidade pode estar numa bebida que sempre gostou: vinho do Porto. "Gosto de um cálice. Faz muito bem. Fortalece!".
Agora, já não quer durar mais, mas tem sempre tempo para sorrir. "Eu não queria durar mais, queria ir-me embora. Não tenho saudades nenhumas deste mundo". E termina "sinto-me bem! Até digo assim: Eu como é que hei de morrer se sou tão forte?!". E ri.
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