Oito anos, 17 contactos com o Estado. E nada travou a morte de uma mulher às mãos do marido
Relatório da Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídio em Violência Doméstica aponta falhas repetidas ao Estado num caso de agressões que só acabou com a morte da mulher.
Corpo do artigo
Tudo falhou, durante 8 anos, num caso que acabou com a morte de uma mulher de 50 anos assassinada pelo marido. As falhas estendem-se do Ministério Público, à GNR, à Segurança Social, ao Serviço Nacional de Saúde e até à Rede Nacional de Apoio à Vítima de Violência Doméstica.
A conclusão é do oitavo relatório da equipa criada pelo Governo para avaliar aquilo que corre mal nos casos de violência doméstica.
O assassinato aconteceu em julho de 2017, mas antes disso, desde 2009 esta mulher tinha tido 17 contactos com cinco áreas de intervenção do Estado que "reagiam" aos acontecimentos falhando oportunidades de intervenção que podiam ter travado o crime.
Falhas da Saúde
Os sinais das agressões eram evidentes: nódoas negras, feridas, fraturas e até uma queimadura com água a ferver.
No entanto, o Serviço Nacional de Saúde, que teve dez contactos com a vítima em 8 anos, limitou-se a fazer os tratamentos sem procurar a origem.
Mais grave: "Mesmo no único caso em que há registo de violência doméstica, não foi desencadeada qualquer medida no sentido de precaver a repetição dos acontecimentos".
No meio de tantas falhas, até a Rede Nacional de Apoio a Vítimas de Violência Doméstica teve conhecimento do caso mas não o acompanhou como devia apesar de saber que as agressões tinham alta probabilidade de se repetirem porque o marido recusava sair de casa.
Justiça não investigou
O relatório lido pela TSF acrescenta que o Ministério Público e a GNR "tiveram uma ação claramente insuficiente" para travar o ciclo de violência.
"Demitiram-se, do ponto de vista criminal, de efetuar uma efetiva investigação e recolha de prova, desencadeando ações que se limitaram a seguir uma atuação formal, responsabilizando as hesitações, os recuos e a não colaboração da vítima pelo arquivamento dos inquéritos, e não tomando a iniciativa de identificar outros meios de prova".
Em resumo, a análise conclui que "o sistema de intervenção, como um todo, falhou", não sendo "capaz de articular e transmitir a informação entre os vários setores, de compreender e interpretar as especificidades, os receios, as inseguranças, as hesitações e os não ditos da vítima", relevando o quadro de grande fragilidade que esta vivia e a sua dependência alcoólica.
O relatório da Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídio em Violência Doméstica termina com recomendações à Rede Nacional de Apoio a Vítimas de Violência Doméstica, ao Instituto da Segurança Social, mas também ao Governo que deve, com "urgência", fazer o manual que oriente as polícias sobre aquilo que devem fazer nas 72 horas depois de uma denúncia por violência doméstica.