A aldeia do interior algarvio onde a arte tomou conta da vida e das conversas de café
Casais, aldeia do concelho de Monchique, foi local de residência artística do projeto Lavrar o Mar.
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Quando chegamos a Casais, Aurora está sentada num banco de jardim, na rua principal da aldeia. Ao seu lado, Madalena Vitorino pega num guarda-sol e tenta protegê-la do calor. Aurora Perpétua Correia, 89 anos, faz questão que se diga o seu nome completo. Foi caiadora de casas toda a vida, até os braços lhe doerem. Diz que está a "ensinar as senhoras a caiar". As "senhoras" são as bailarinas que fazem parte do projeto "Lavrar o Mar" e que se encontram em residência artística naquela aldeia há cerca de cinco semanas.
"Têm feito aí umas coisas bonitas para a gente ver, ginásticas, coisas bonitas que a gente nunca viu", conta. Aurora é uma das pessoas da aldeia de Casais, no concelho de Monchique, que irá participar no espetáculo concebido pelo grupo de bailarinos e músicos que se reuniu naquele local. "Estivemos aqui nestas semanas num grande laboratório de absorção, transformação, criação", explica a bailarina Alice Duarte.
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Madalena Vitorino, mentora do Lavrar o Mar, que há vários anos anda a conceber projetos nos concelhos de Monchique, Aljezur, e, mais recentemente, em Odemira, explica que nesta residência os artistas tentaram perceber primeiro quais as vivências e memórias da população. Só a partir daí conceberam um espetáculo de música, dança e palavra. "O nosso espetáculo traduz e vai buscar este manancial de conversas, frases, memórias e até de ironia aos próprios acontecimentos", afirma.
São reveladas recordações ligadas às vivências durante o Estado Novo, em que grande parte da população não estudava e tinha que ajudar os pais no campo a partir dos 5 anos de idade. "A maior parte é analfabeta, muitos não tinham um colchão para dormir, a Aurora, por exemplo, teve o primeiro par de sapatos aos 11 anos", conta Madalena.
Por isso, os artistas fizeram questão de envolver estas pessoas na sua criação. Algumas, na sua maioria mulheres, entram no espetáculo. Isabel Maria, 87 anos, é a mais bem-disposta do grupo. "Quando eles põem os braços para ali, eu ponho para o outro lado", diz a rir. "Ah, e também toco maracas na orquestra", revela. Maria Odilia também não recusou a proposta dos artistas e participa igualmente na iniciativa. "Faço parte do coro e tenho ajudado a preparar as coisas", explica à porta do café.
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O espetáculo vai desenrolar-se pelas ruas de Casais e o público terá que seguir os artistas em todo o percurso. Para isso, a rua principal está a ser toda enfeitada todo o caminho será percorrido pela música original concebida pelos músicos Pedro Salvador e Alexandre Moniz.
É no café de Célia Canelas, o único da aldeia, que se têm desenvolvido laços de amizade entre a população e os artistas. "Estou com o receio de que, quando eles saírem daqui, isto deixe um vazio muito grande nas pessoas", afirma Célia.
Ali, naquela aldeia do interior algarvio, situada entre Monchique e Aljezur, residem cerca de 90 pessoas. Madalena Vitorino salienta que, se não fossem os estrangeiros que têm procurado aquele local e para ali vão residir, esta aldeia teria esmorecido aos poucos. No entanto, é uma terra de pessoas resistentes.
Esta convivência de tantas semanas com gente diferente, que de repente chegou a um local do interior algarvio, animou uma aldeia envelhecida. "Vão deixar muitas saudades", garante Maria Odília. "Eles vieram dar um sopro de juventude a este lugar", constata.
"São laços que deixam um rasto luminoso", afirma Madalena Vitorino. "Esse também é o papel da arte", garante a bailarina.
O espetáculo "Casais" decorrerá esta sexta-feira, sábado e domingo (12, 13 e 14 de Maio) pelas 21h00, nas ruas da aldeia.