Cerca de 50 alunos cegos e surdos juntam-se à Orquestra metropolitana de Lisboa, no dia 29, no Teatro São Luís, em Lisboa, para o concerto final do projecto Musicar.
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Conceição Romano precisa de ajuda para segurar o violino.
É a professora Andreia que lhe dirige o braço e os dedos, antes de lhe passar o arco. "Não estou a ver", justifica-se Conceição, com um sorriso. Cega, com 72 anos, Conceição é a aluna mais velha do projecto Musicar. Depois de ter ficado viúva, há três anos, começou a aprender piano. Experimentou o adufe, herança da mãe, e não hesitou em inscrever-se no projecto Musicar, da Orquestra Metropolitana de Lisboa. Durante cerca de dez meses, o projecto abriu as portas da música a alunos cegos e surdos, através de ateliers, formações, aulas individuais e de grupo. Agora, na recta final, o Musicar culmina com um concerto final, que marcará a estreia em palco para estes alunos.
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Ao longo do projecto, os desafios foram mais que muitos, não só para os alunos, mas também para os professores. Bernardo Ramos, professor de percussão, conta que teve de "aprender a ensinar", mas os alunos cegos e surdos são "altos músicos, super-empenhados e está a ser um trabalho muito fixe". A percussão, nomeadamente o xilofone, é outra das dificuldades de Conceição, porque sem ver, é difícil "acertar nas teclas" com as baquetas.
Apesar das dificuldades, o projecto Musicar propocionou "a oportunidade de experimentar aulas regulares de um instrumento", explica o coordenador Rui Campos Leitão. "Nesta altura, temos cerca de 15 alunos cegos ou com baixa visão, mas com a comunidade surda foi mais difícil". Sem grande adesão dos alunos surdos, o projecto Musicar foi ao encontro desses alunos nas escolas. Nestes casos, Rui Campos Leitão regista "um grande entusiasmo", a tal ponto de contar ter "cerca de 40 a 50 surdos a tocar bombos", no concerto final. "O que se ganha é confiança", realça o professor de música, porque "o objectivo não é que a música soe extraordinariamente, como se fosse um disco. Queremos proporcionar um momento em que eles possam subir ao palco, mostrar o que valem e esse é um momento inqualificável. Quando eles têm contacto com essa realidade, há uma descoberta muito importante e aí abre-se um mundo novo e é bonito ver isso".
Rui Campos Leitão salienta que o concerto no Teatro São Luiz será o "momento de apoteose, o culminar do projecto" e a questão que se coloca é o futuro. "E agora?", perguntam alguns alunos. Aurélio Sobral espera que o projecto continue e acredita que "tudo de está a tentar fazer" para que não se fique por aqui. Até porque a música é para este cego de 59 anos, "uma forma de estar linda, uma forma de sonhar, um desafio, porque na música, começamos e não se pára mais".
Rui Campos Leitão admite que "vamos ter de pensar tudo isto", porque "muitos (alunos) não têm condições para suportar propinas". Enquanto isso, os ensaios finais aceleram. Ao coro, a ensaiadora Catarina Braga deixa uma lição de vida: "estamos todos a tentar dar o nosso melhor. Estamos contentes e felizes com aquilo que estamos a fazer em palco (...) vivemos e aproveitamos a vida!"
O concerto do projecto Musicar com a Orquestra Metropolitana de Lisboa terá a direcção do maestro cego Adrian Rincon, ao lado de Pedro Neves. O pianista Jorge Gonçalves, também cego, será o solista na interpretação de uma obra de Beethoven. O coro, com os participantes cegos do Musicar, interpretará um inédito de Lino Guerreiro e o "Va pensiero", da ópera Nabbuco, de Verdi, a que se juntarão os bombos tocados pelos alunos surdos. Conceição Romano assume que quando chegar o momento, poderá estar "um bocadinho nervosa", mas como costuma dizer, "eu nem estou a ver as pessoas. Por isso, estou à vontade".
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