Jorge Taboada, em conversa com a TSF, recorda que uma tempestade não deixou cumprir o prazo de 15 dias de obra para um sistema de tratamento de água potável e acabaram por ficar 37 dias que só não custaram mais a passar pelo dinamismo da equipa brasileira local que organizava eventos
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No dia Mundial da Água, este ano dedicado pela ONU à preservação dos glaciares, recordamos a aventura de Jorge Taboada, engenheiro químico, e de Carlos Mesquita, especialista em sistemas de montagem e tratamento de águas, que foram o cérebro do sistema de tratamento de água potável da base militar brasileira na península de Keller, na Antártida.
Os dois engenheiros, ao serviço da Bondalti Water, ofereceram o seu conhecimento técnico, que permitiu a esta empresa portuguesa ganhar o contrato para conceber e supervisionar a montagem do sistema de tratamento de águas da estação Antártida Comandante Ferraz, centro de investigação cientifica do Brasil no polo sul do planeta.
A operação estava prevista para 15 dias, mas o tempo não permitiu a aterragem de aviões, na pista construída a escassos metros e a estadia prolongou-se por quase mês e meio.
Cinco anos depois, um dos “pais” desse sistema, Jorge Taboada, fala do sucesso do projeto, não só a nível pessoal, como para a empresa, e do sentimento de missão cumprida, até na ajuda, de forma indireta, para a proteção dos glaciares.
Jorge Taboada afirma que desde princípio participaram neste projeto todo construído por módulos, tal como o sistema que idealizou para abastecer a nova estação que substitui a velha base que o Brasil tinha nas proximidades.
O novo espaço foi batizado de Estação Antártida Comandante Ferraz, em homenagem ao militar graduado brasileiro que mais contribuiu para a sua concretização, na península Keller, na ilha Rei George, no arquipélago das “Shetland” do sul, mas confessa que “na Antártida nada é fácil” a começar pelo tempo, com temperaturas que descem abaixo dos 21 graus negativos em mais de metade do ano e um vento feroz e cortante que impede até os aviões de aterrar em solo gélido.
Uma autêntica aventura, desde o teste real à distância, antes da montagem no terreno, até ao transporte logístico das peças, construídas tipo lego e despachadas em contentores, por via marítima, desde o Porto, passando por Singapura, rumo ao Chile, até chegar ao fim do mundo, intactas.
O contrato obrigou a duas deslocações. A primeira em 2019 para estudo do terreno e a segunda em 2020 para concretização e controlo da obra, além da formação que tiveram que dar para operar a manutenção do sistema, aos 16 militares que lá vivem o ano todo, e que anualmente em março veem partir as cerca de 50 a 70 equipas de investigadores, que por lá passam seis meses, a fazer estudos, das mais variadas áreas cientificas, mas são obrigadas a deixar o território, quando a neve chega em força e impede o trabalho de campo.
O equipamento devidamente climatizado e resistente que foi montado, permite captar água doce de dois lagos existentes na zona durante o verão, mas quando congelam no inverno, tem capacidade de extrair água do fundo do oceano e dessaliniza-la.
O projeto foi concluído com sucesso e até hoje nunca precisou de uma reparação local, ou de qualquer tipo de ajuda remota dos dois engenheiros portugueses, que caso seja preciso, dizem-se prontos a ir uma terceira vez à terra das baleias e pinguins.
Jorge Taboada em conversa com a TSF recorda que uma tempestade não deixou cumprir o prazo de 15 dias de obra e acabaram por ficar 37 dias que só não custaram mais a passar pelo dinamismo da equipa brasileira local que organizava eventos, desde a música, ao cinema, a conversas de grupo para ajudar a passar o tempo numa terra em que os passeios exteriores são perigosos e só podem ser realizados em segurança com ajuda de um guia conhecedor do terreno.
O engenheiro considera que foi uma experiência única, a nível pessoal e empresarial, só superável, quem sabe, por um projeto idêntico no espaço? Por enquanto, vai saboreando o espírito de missão cumprida e considerando que indiretamente até deram contributo para a preservação dos glaciares, objeto de estudo primordial daquela estação brasileira que ajudaram a construir no sexto continente do globo, com cerca de 14 milhões de quilómetros quadrados cobertos por glaciares há pelo menos 35 milhões de anos.
