Edith Eger tinha 16 anos quando foi enviada para Auschwitz. Hoje vê com preocupação o crescimento dos nacionalismos em diversos pontos do mundo e diz que os temos de combater com informação, denuncia e rebeldia.
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Prestes a fazer 91 anos, Edith Eger não baixa os braços e continua a sentir força para resistir e evitar que sejam criadas condições para um novo holocausto.
Ouvida pela TSF, esta judia húngara, naturalizada norte americana, admite que estamos hoje mais divididos do que há algumas décadas. "Eu tenho esperança de que as pessoas percebam que está na altura de formar uma família humana para que possamos ser mais fortes, para que nos respeitemos e honremos as crenças e a religião de cada um."
Eger sublinha que precisamos de libertarmo-nos da mensagem do "Nós e Eles" porque esse será o caminho que nos pode levar a um novo Auschwitz.
Falar, informar e desafiar a autoridade, é esta a formula de Edith Eger para combater os extremismos: "Temos de ter consciência de que o nosso pior inimigo é a ignorância. Temos de nos educar sobre a supremacia branca e sobre aqueles que não estão a favor mas contra o amor e a alegria. Não podemos desistir e temos de ter a capacidade de falar. Temos de questionar a autoridade em vez de obedecer cegamente como aconteceu na Alemanha. Começou com a grande mentira de que os judeus eram o cancro da sociedade e depois as pessoas acreditaram que os alemães eram superiores aos outros e vejam o que aconteceu."
Mais de 70 anos depois do final da guerra, a psicóloga, especialista em stress pós traumático, decidiu escrever um livro para contar o que aconteceu, mas principalmente para mostrar que todas as pessoas têm alternativas na vida.
Questionada sobre a razão por que esperou tantos anos para passar ao papel a experiência no campo de concentração e todo o processo de cura, Edith Eger admite que ainda é muito doloroso falar do assunto e só foi convencida pelo argumento de que existem poucos livros sobre mulheres que sobreviveram.
Numa madrugada de 1944, a família - que residia em Kassa, na Hungria - foi acordada pelos nazis. Viveram quase toda a guerra sem saberem o que se passava com os judeus na Europa. Edith sonhava ser bailarina e, até ser deportada, trabalhava diariamente para atingir esse objetivo.
"Não sabíamos de nada. Os meus pais tinham bilhetes para irmos para a América e não os usaram. Não fazíamos ideia do que se estava a passar. Nunca ouvir falar de Auschwitz até ao dia em que cheguei lá vi a tabuleta a dizer: O trabalho traz a liberdade. Mesmo assim não sabia onde estava até ver o Dr. Mengele que me separou da minha mãe. Os meus pais morreram nas câmaras de gás nessa mesma noite. Eu vi a chaminé e o fogo sair e disseram-me que eles estavam lá a arder."
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Acompanhada pela irmã mais velha, Magda, Edith começou o percurso pelas mãos dos nazis frente a Joseph Mengele, o homem que ficou conhecido como Anjo da Morte, pelas experiências que realizou em seres humanos, em especial em crianças e gémeos.
A jovem foi obrigada a dançar, e foi nessa noite, que descobriu a primeira estratégia para sobreviver - "Fechei os olhos quando dancei para o doutor Mengele, imaginei a musica de Tchaikovsky e estava a dançar o Romeu e Julieta na Opera House de Budapeste".
Ela reconhece que muita da resistência lhe vem da forma como decidiu encarar o mundo, logo aos 16 anos "Não sei de onde me veio a ideia mas imaginei, que de alguma forma, seriam os nazis a pagar com a consciência o que estavam a fazer. Eram eles os verdadeiros prisioneiros. Não sei como criei dentro de mim esse mundo em que me podiam espancar, enviar para a câmara de gás, mas nunca poderiam matar o meu espírito."
Em dezembro de 1944, Edith e a irmã mais velha, Magda, foram retiradas de Auschwitz e seguiram numa marcha da morte através da Europa. Em maio de 1945 foram libertadas na Áustria, quando ambas davam já poucos sinais de vida. Um soldado americano notou a mão de Edith mover-se ligeiramente numa pilha cadáveres. A primeira imagem que tem é de uma mão grande e escura que lhe pega nos dedos e de umas contas coloridas. São vermelhas, castanhas, verdes e amarelas, são para comer e mais tarde descobre que são M&Ms.
De regresso à terra natal Edith e Magda reencontram a irmã, Klara, que passou o último ano da guerra com um professor católico. As três são os únicos elementos da família que residia na Europa a sobreviverem.
Durante os 20 anos seguintes a jovem sobrevivente esconde totalmente a experiência que teve em Auschwitz. Ninguém sabe que ela foi vítima dos nazis. Escondeu-o porque pensou que assim poderia esquecer mais depressa.
Foi já como psicóloga que percebeu que a estratégia não estava a resultar. Nos anos 80 regressou ao antigo campo de concentração na Polónia "Perdoar-nos é muito difícil e ainda estou a fazê-lo. Demorei cerca de 40 anos até começar realmente a dar-me autorização para libertar a culpa e a vergonha. Não sei porque é que tinha a vergonha e a culpa de ser sobrevivente mas foi ao ponto de faltar à minha licenciatura porque achava que não o merecia porque os meus pais estavam mortos".
Ouvida pela TSF, Edith Eger explica que todos podemos escolher entre sermos vítimas ou sobreviventes. A opção dela de tudo fazer para ultrapassar o trauma, permitiu-lhe ter uma vida feliz. Aos 91 anos continua a trabalhar e não esquece o sonho de infância, todos os domingos vai dançar ao som das grandes bandas norte americanas.