O programa "Serões Inquietos" sobre maçonaria, com Fernando Alves, Pedro Pinheiro e André Tenente, vai para o ar hoje às 21h. A TSF entrevistou o professor investigador Manuel J. Gandra.
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A discussão mantém-se de pé. A Lisboa pós-terramoto foi desenhada com olhar maçónico: sim ou não? Uma ala diz que sim, pois há símbolos e pistas mais do que suficientes. A Baixa Pombalina será o pináculo da criação maçónica na idealizada capital do quinto império, com o coração a pulsar no Terreiro do Paço. O número de arcos, as serpentes aos pés do Rei D. José I, a águia perto da Rua Augusta, as outras ruas que elevam o ouro e a prata, algo muito próprio da alquimia prevista na equação maçónica... Tudo isto são argumentos.
O outro lado também existe. A ala divergente sugere que o que existe já existia e que há uma apropriação dos símbolos. Em entrevista à TSF, Manuel J. Gandra, professor investigador de questões relacionadas com a identidade nacional e com a simbólica, dá voz à teoria que relativiza a presença da maçonaria no esboço da arquitetura da Baixa Pombalina.
Esta quarta-feira, a partir das 21h, a TSF estará no Lisboa Story Center, para debater justamente a simbólica maçónica do Terreiro do Paço: será ou não a praça lisboeta o maior templo maçónico ao ar livre do país? Tendo como convidadas as três últimas grã-mestres da Grande Loja Feminina de Portugal, assim como a nova liderança do Grande Oriente Lusitano, a conversa passará ainda pela história da maçonaria feminina em Portugal; serão abordadas também as interrogações que pautam o passado e presente da organização: discreta ou secreta? De princípios ou de interesses? Siga as respostas no programa "Serões Inquietos", com Fernando Alves, Pedro Pinheiro e André Tenente.
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O que é a maçonaria?
É uma instituição secular que foi constituída na forma que nós conhecemos hoje no ano de 1717, em Londres. E, aparentemente, tinha como objetivo permitir uma espécie de alternativa ao pensamento dominante na Inglaterra, que era reformista. Por outro lado, [pretendia] fazer um contraponto à Igreja Católica. Não é um sistema ateu, como muitas vezes se diz. Um maçom é alguém que procura conhecer a criação na sua plenitude.
Qual é a origem desta suposta baixa maçónica?
Quem assinou o projeto [no pós-terramoto de 1755] foi o Eugénio dos Santos, mas quem desenhou foi Carlos Mardel, que era maçom. Não há duvida, está provado. Ele percebeu que se queria ganhar o projeto, se queria ficar bem visto junto de Eugénio dos Santos e Marquês de Pombal, tinha de fazer algo do agrado de ambos. (...) Sem Mafra, não havia Baixa Pombalina daquela forma. A baixa, sobretudo a Terreiro do Paço, é o negativo de Mafra. Mardel usou Mafra como uma espécie de inspiração.
Depois há uma série de simbólica maçónica que está expressa na baixa, como por exemplo o facto de haver uma rua solar e uma rua lunar: a Rua do Ouro e a Rua da Prata. E haver uma rua central, que é a Rua Augusta, a rua dos heróis. Há dois percursos, entre as Portas de Santo Antão e o Terreiro do Paço. Todos esses eixos, todas essas referências, são referências simbólicas, que estão presentes em momentos anteriores ao surgimento da maçonaria, mas que a maçonaria adotou como seus. Uma coisa é certa: antes de haver Cristianismo, já havia cruzes. Não se pode confundir a árvore com a floresta.
Diz-se, nesta lógica da maçonaria, que o Terreiro do Paço é um templo.
O problema é que quando temos teses sobre assuntos, que são baseadas em pressupostos corporativos, como é o caso, evidentemente que temos dúvidas. Neste caso particular, a baixa é um espaço que tem complementos maçónicos, mas que não é um espaço maçónico em si. Utiliza grandes regras que são utilizadas desde a arquitetura clássica greco-latina. Não me digam que também já havia maçons na altura...?
Mas falam-se em alguns símbolos, como as serpentes (na maçonaria simbolizam a sabedoria e a cura) aos pés do Rei D. José I...
As serpentes também existem no Génesis da Bíblia, representando o mal. Tem-se sobrevalorizado o papel da maçonaria nisto tudo. Não existe; existem alguns elementos comuns à simbólica maçónica. Os símbolos funcionam em contexto. Se tiram do contexto, perdem significado.
Há então uma apropriação de símbolos?
Claro, houve uma apropriação completa e moderna destes símbolos pela maçonaria. Fora do contexto, os símbolos não têm qualquer valor. São sinais, como os sinais de trânsito. Os sinais são convencionais, os símbolos não. São efetivamente o reflexo de valores intensos e metafísicos que ganham sentido em função do contexto. Não havendo contexto, não são símbolos. São sinais.
Há secretismo associado à causa?
Hoje em dia o secretismo tornou-se numa forma de discrição. São mais discretos do que secretos. Com a publicação de livros em quantidades industriais, basta ir a uma livraria para verificar o que se passa, muito do que era secreto noutros tempos, passou a ser discreto. Não há uma carga tão grande. Há certos tipos de vivências que são exclusivas, evidentemente, e que não podem ser transformadas ou reduzidas a leituras livrescas. Mas os livros dizem tudo, sobre certos sinais, práticas, rituais... Não há muito mais para saber, pelo menos naquelas obediências maçónicas mais comuns.
Qual é o papel das mulheres na maçonaria?
Há lojas femininas e há mistas. Tradicionalmente, [a maçonaria] não aceitava mulheres. A maçonaria regular, em Portugal, ainda não aceita mulheres. A única que aceita mulheres é a irregular. É evidente que os tempos são outros. Se calhar a maçonaria já não corresponde às necessidades dos nossos tempos, em termos de realização espiritual. É um ponto de vista meu.
Até há alguns anos, em Portugal, havia aquilo a que se chamava a maçonaria de adoção. As mulheres, para entrarem, tinha de se adotadas por homens. Isto é, uma loja feminina tinha de ser adotada por uma loja masculina para poder ter viabilidade. Quanto a mim, isso não representa nenhuma autonomia, nem forma agradável de lidar com o assunto. Era isso que sucedia, mesmo havendo uma suposta autonomia. As mulheres estavam sempre dependentes do "ok" de uma loja de homens. Hoje em dia não é assim. A maçonaria feminina ganhou autonomia. Não foi um processo muito limpo nem muito claro. A situação de dependência aconteceu durante mais de 100 anos. Não me parece um processo muito interessante. Já a maçonaria mista, a outra fórmula, parece mais interessante.