"A CGTP não é uma estrutura ligada ao PCP"
Isabel Camarinha não hesita em utilizar a palavra guerra, referindo-se à invasão da Ucrânia. A sindicalista garante que a posição da CGTP é clara, e rejeita mesmo que esta estrutura esteja ligada ao PCP.
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Isabel Camarinha iniciou a intervenção na vida política aos 14 anos, em 1974, na União dos Estudantes Comunistas.
Aos 19 integrou o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local. E em 2009 passou a dedicar-se exclusivamente à atividade sindical, numa das maiores estruturas da CGTP, o CESP - Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços -, estrutura que passou a presidir em 2016. É secretária-geral da CGTP desde Fevereiro de 2020.
Nesta entrevista, a secretária-geral da CGTP acusa o Governo de ser mais papista que o papa, indo além de Bruxelas na redução do défice, e avisa o executivo de António Costa que deve preparar-se para enfrentar mais contestação nas ruas.
Isabel Camarinha desmarca-se ainda da posição do PCP face à guerra da Ucrânia.
Desde que foi eleita, o Dia do Trabalhador tem sido assinalado sempre com alguns constrangimentos devido à pandemia. Amanhã será o 1º de maio, pela primeira vez com uma libertação desses constrangimentos. Este contexto dá uma importância diferente ao 1º de maio neste ano?
Os nossos primeiros de maio têm sempre uma importância diferente, todos os anos. Tivemos nos últimos dois anos constrangimentos grandes devido à pandemia, o que não impediu a realização de ações de rua no país, respeitando as necessidades de proteção na saúde. Este 1º de maio de 2022 é um momento em que, não havendo restrições, todos os trabalhadores, as suas famílias, os reformados e pensionistas podem participar nas 31 ações que a CGTP vai realizar em todo o país, incluindo regiões autónomas. Estamos a contar que sejam enormes ações em que os trabalhadores comemorem o seu dia, mas em que principalmente afirmem as suas necessidades, anseios, respostas que precisam para os seus problemas e para melhorarem as suas condições de vida e de trabalho.
Tem defendido que as últimas eleições legislativas necessárias porque existiriam condições para a alterar a proposta de Orçamento do Estado que acabou chumbada, considerando que foi o governo que fechou a porta a outro desfecho. Estamos num contexto de governo de maioria. Essa porta fica mais fechada ou o facto de o primeiro-ministro António Costa ter mantido na proposta algumas das medidas negociadas à esquerda significa que há alguma abertura e algum sinal para negociar em fase de especialidade?
Vamos ver. A proposta apresentada pelo governo que está em discussão incluiu de facto algumas matérias que não estavam na proposta que foi votada em outubro do ano passado, mas que não tinham sido consideradas pelos partidos à esquerda do PS como suficientes para garantir a aprovação ao Orçamento do Estado. Na altura, a CGTP também considerou que, mesmo com algumas medidas que o governo adicionou à última da hora, não dava resposta aos problemas estruturais que temos no nosso país. Não dava resposta às necessidades de dignidade de vida, valorização do trabalho e dos trabalhadores, de garantia de resposta à enorme perda de poder de compra que os trabalhadores da Administração Pública vinham tendo há 12 anos. Aquela proposta e esta proposta de Orçamento continuam a manter essa desvalorização dos salários na Administração Pública, dando um sinal para o sector privado que não é o sinal que devia ser dado. Neste momento, aquilo de que precisamos é do aumento geral de salários de todos os trabalhadores, da valorização do trabalho e dos trabalhadores, da criação de condições de dignidade, de estabilidade no emprego, de emprego com direitos, de horários mais reduzidos e regulados, de fim da precariedade, e de aposta nos serviços públicos como instrumentos fundamentais para garantir as necessidades dos trabalhadores, das populações. As reformas e pensões estão muito abaixo daquilo que é necessário para ser envelhecer com dignidade também. Não havia necessidade de eleições porque o governo tinha todas as condições na Assembleia da República para aprovar um Orçamento que de facto garantisse a resposta às necessidades também de desenvolvimento do país: mais investimento público, aposta na produção nacional, reindustrialização do país, recuperação de soberania alimentar, recuperação de empresas e sectores estratégicos que possam ser alavancas para desenvolver o país. O PS tinha as condições necessárias em termos de constituição da Assembleia da República para poder desenvolver uma política diferente. A verdade é que manteve as suas opções. Acabou por haver eleições porque o próprio governo e o Presidente da República consideraram que sim. Neste momento, com maioria absoluta o que vamos ter de fazer é continuar a exigir da maioria absoluta do Partido Socialista que de facto altere estas opções que tem vindo a tomar. É isto que vamos fazer do ponto de vista sindical, estando nos locais de trabalho. Tem sido desenvolvida intensa luta pelos trabalhadores nos locais de trabalho e é isso que vamos continuar também a realizar.
António Costa queixou-se que não lhe tinha sido dada sequer oportunidade de chegar ao debate na especialidade para melhorar o diploma. Apesar de não precisar agora do voto favorável da oposição, o primeiro-ministro tem agora a oportunidade para mostrar abertura ao diálogo que tanto tem propalado?
De facto, o primeiro-ministro e o governo têm apregoado que querem o diálogo. O que é que para os trabalhadores é fundamental? Que o diálogo tenha consequências, tenha resultados no avanço dos direitos, das condições de trabalho, das condições de vida, na criação de condições para que haja resposta aos problemas que os trabalhadores têm sentido. O que é que temos neste momento? Temos uma situação que ainda se agravou mais, com a situação condenável da guerra na Ucrânia e as sanções, e a degradação maior das condições de vida e de trabalho no nosso país. A isto, o governo e o patronato o que respondem é que agora não é momento para aumentar salários. È uma contradição absoluta. Para já, para o patronato nunca é momento para aumentar salários, ora porque há crise ou vai haver crise. Há sempre uma desculpa. Agora, o aumento geral dos salários já se colocava como uma emergência e coloca-se agora como uma necessidade absoluta, para alterar a situação, para não permitir o empobrecimento ainda maior dos trabalhadores e das suas famílias, mas também para desenvolver o país. Se não, entramos num círculo vicioso que não vai levar ao desenvolvimento, pelo contrário. Vai levar a um retrocesso.
O governo tem argumentado com outro círculo vicioso, de se gerar maior inflação. Por outro lado, assume o compromisso de que em 2023 seja retomada a atualização de salários da função pública. A garantia é suficiente ou acredita que o governo se está a preparar para violar a regra de aumentar salários em função da inflação do ano anterior?
À ideia de que o aumento de salários alimentaria uma espiral inflacionista, que o governo tem estado dramaticamente a colocar na opinião pública, respondemos que a experiência recente prova exatamente o contrário. Na legislatura de 2015 a 2019 tivemos algum aumento de rendimentos, embora insuficiente, e a inflação não teve praticamente alterações. Foi uma inflação que rondou 1% em média. O que tivemos foi desenvolvimento da economia do país, das empresas, acabou-se com a onda de falências e insolvências que tinha havido na legislatura anterior com o PSD e o CDS. O que tivemos foi viabilidade das empresas. Temos no nosso país um tecido empresarial muito virado para o mercado interno, são micro, pequenas e médias empresas que vivem do consumo que se faz cá dentro, não das exportações. Se não aumentamos o poder de compra de quem consome cá dentro ... Evidentemente, temos o turismo, que tem sido o nosso suporte, mas também vimos com a pandemia o risco que isso é para um país como o nosso. Não havendo turismo, isto afunda. Não pode ser. Temos de desenvolver a nossa indústria, a nossa agricultura, a nossa pesca, a nossa produção nacional, e temos de aumentar salários e pensões para que as pessoas possam consumir. Não é consumismo. É consumir aquilo de que precisam para ter uma vida digna. Neste momento, não temos, de facto, essa possibilidade.
Falou do período da troika. A direita tem defendido que este Orçamento do Estado, aprovado na generalidade, é austeritário, que é a mesma coisa cortar meio salário - como fizeram PSD e CDS no tempo da troika - ou permitir por inação que os trabalhadores fiquem sem o equivalente a meio salário. Concorda com esta ideia?
No período da troika houve corte efetivo de parte do salário a muitos milhares de trabalhadores. Neste momento, o que temos é a perda de poder de compra de salários que já eram baixos e os trabalhadores têm uma dificuldade enorme em conseguir chegar ao fim dos mês.
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É austeridade?
Não digo que é uma situação semelhante. O que digo é que o que é necessário é o aumento dos salários para alterar esta situação. O governo vem com as contas certas, a redução do défice, a obediência às imposições da União Europeia, do Pacto de Estabilidade, do semestre europeu, do próprio euro. Ora, isso não resolve o nosso problema. Não contribui em nada para o desenvolvimento do nosso país. Pelo contrário, são fatores de sufoco. Temos um problema demográfico. Até desse ponto de vista temos de alterar este rumo que temos vindo a ter no nosso país. Temos um problema gravíssimo de natalidade, de redução da população ativa. Temos agora uma percentagem muito inferior de desemprego, temos um número superior de trabalhadores empregados, mas a verdade é temos uma população ativa inferior. Porquê? Porque os nossos jovens, a apregoada geração mais qualificada de sempre, não têm a mínimas condições para organizarem a sua vida, para serem independentes em Portugal. Fazem o que fizeram no período da troika - nessa altura, até foram mandados emigrar. Não encontrando aqui condições, vão para fora. Estamos a perder a qualificação que é o nosso país que proporciona a estes jovens, para eles irem alimentar a natalidade de outros países, e a baixar o nível do emprego no nosso país.
O governo devia estar a prever um défice mais elevado e não ser tão restritivo?
Este ano ainda estamos com a suspensão do pacto orçamental. É querer ser o melhor aluno da turma, ser mais papista que o Papa. Até se ultrapassa aquilo que são as imposições, quando se devia criar condições para haver vida digna no nosso país. É inaceitável que se considere que é mais importante ter contas certas do que reduzir e acabar com a pobreza no nosso país. É inaceitável que os trabalhadores trabalhem todos os dias a tempo inteiro e sejam pobres, que as crianças filhas destes trabalhadores continuem a ser pobres.
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Neste cenário de crise energética, admitindo que seria impossível mitigar todos os impactos para as famílias e crendo que há um sacrifício que tem de ser partilhado, estas medidas que têm sido adotadas absorvem já uma parte das perdas para as famílias? São suficientes?
As medidas excecionais de caráter assistencialista podem ser necessárias em momentos concretos para acudir a uma situação emergente. Agora, não resolvem o problema. Não só não resolvem o problema como, por opção, são muitas vezes insuficientes, como aconteceu no período mais grave da pandemia. São insuficientes e são sem critério. Em relação às famílias, as medidas abrangem um número relativamente reduzido de trabalhadores, quando sabemos que em Portugal 11,2% dos trabalhadores trabalham a tempo completo e são pobres. Com este aumento brutal de preços, os trabalhadores estão a passar situações muitíssimo difíceis. Esses não são abrangidos porque recebem obrigatoriamente pelo menos o salário mínimo nacional. Mas são pobres e vão empobrecer ainda mais. As medidas são insuficientes dete ponto de vista. Por outro lado, não têm critério. Os apoios às empresas são para todas as empresas desde que cumpram os requisitos, como os relacionados com a dependência da energia.
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Acaba por não ser para todas as empresas.
Quando digo todas as empresas é porque são abrangidas independentemente da sua dimensão, dos seus lucros e das condições que têm para fazer face a uma situação como esta. No período da pandemia, tivemos uma coisa completamente inaceitável, que foi um apoio como se fosse um prémio para quem paga salário mínimo nacional. Empresas como Sonae, Randstad e outras - a lista foi publicada - tiveram apoios de muitos milhões de euros. Isto é completamente inaceitável. As empresas que devem ser apoiadas são aquelas que de facto têm situações que não lhes permitem agora fazer face a este aumento brutal da energia, dos combustíveis, dos produtos.
Tem defendido a intervenção de preços, como no caso dos bens essenciais. Acredita que o acordo alcançado esta semana com Bruxelas para limitar o preço do gás no mercado de eletricidade possa ter o efeito dominó desejado?
É um passinho. Mas precisávamos de facto aqui de impedir a especulação que grupos como a Galp e EDP fazem em torno dos preços, provocando a escalada de preços nos outros bens. Provocam muitas vezes por aproveitamentos. As empresas de distribuição são outra área com muito aproveitamento. Continuam muitas vezes a esmagar os pequenos produtores, pagando pouco e vendendo muito mais caro. Precisávamos de uma política que regulasse os preços dos bens e não permitisse esta escalada. Mas tinha de ser associado a outras medidas, como a recuperação de sectores estratégicos para o Estado.
Com as empresas a argumentarem que neste momento estão a encolher as margens e amortecer as subidas de preços nos consumidores, como é que essa regulação poderia ocorrer, através de que mecanismo efetivo poderia haver esse controlo de preços?
Teria de ser visto caso a caso, e o governo é que tem todas as condições para ver como poderia implementar esta regulação de preços. Agora, teria de se garantir apoio aos pequenos produtores, às pequenas e médias empresas, obviamente, e impedir de facto esta especulação. Se conseguirmos regular o preço dos combustíveis, da energia, naturalmente será mais fácil controlar também os preços dos bens essenciais. Uma coisa está diretamente ligada com a outra. É preciso é que haja vontade política de resolver este problema tomando medidas específicas e excecionais neste momento que estamos a viver.
Os anos da chamada geringonça trouxeram algum apaziguamento social e neste momento temos a CGTP a pretender intensificar a ação reivindicativa. Esse apaziguamento social terminou com a geringonça ou terminou agora um pouco mais por esta questão de perda de poder de compra das famílias e de alguma deterioração das condições de vida?
Rejeito um bocadinho essa apreciação que é feita e que é passada de que houve apaziguamento. Tivemos um período em que houve a necessidade de recuperar rendimentos, direitos que tinham sido perdidos ou cortados no período da troika, no período do governo PSD-CDS, o que levou a muita luta. As medidas que foram tomadas, as alterações que foram introduzidas, a recuperação de direitos e de rendimentos, foram também resultado dessa luta que se foi realizando ao longo do período a que se chamou a geringonça também. A luta dos trabalhadores nunca parou. Houve sempre insuficiências, mesmo com a correlação de forças que existia na Assembleia da República e que permitiu alguns avanços num conjunto de matérias, alguns muito positivos. Estou a lembrar-me por exemplo do preços dos passes sociais nas áreas urbanas de Lisboa e do Porto e de outras medidas de apoio às famílias, nas creches. Foram medidas que foram muitíssimo importantes para melhorar as condições de vida.
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Não tendo havido apaziguamento, certo é que agora pode haver intensificação?
Pode haver intensificação se não houver resposta. O que temos tido é a continuação da luta que sempre desenvolvemos. Houve resultados dessa luta ao longo dos anos, o que é muitíssimo importante. Mesmo neste período muito difícil da epidemia e do ataque enorme que foi feito aos direitos dos trabalhadores aproveitando as restrições e os condicionalismos que a pandemia nos colocou. Houve intensa luta que travou ou provocou resposta com resultados muito positivos para os trabalhadores em muitas empresas, em muitos sectores, em muitos locais de trabalho. Ao longo deste período, mesmo com todas essas restrições, desenvolvemos intensa luta. Agora, a situação que temos neste momento é que acabou a pandemia. Estamos num período em que é obrigatória e necessária a recuperação económica do país, naturalmente, mas a recuperação também das condições de vida e de trabalho, do poder de compra. Temos neste momento esta situação provocada pelo aumento dos preços, que, ao contrário do que seriam as expectativas, vem agravar a situação em que vivíamos. É natural que a luta se intensifique. Agora, isso dependerá sempre da resposta que as associações patronais derem à necessidade que temos da efetivação na negociação da contratação coletiva. É um dos instrumentos mais importantes para garantirmos o aumento geral dos salários de todos os trabalhadores. Temos uma situação que provoca o descontentamento, a revolta e a necessidade de lutar em muitos trabalhadores, que é esta compressão que existe das tabelas salariais, desvalorizando carreiras profissionais, funções, qualificações dos trabalhadores, com uma aproximação do seu salário ao salário mínimo nacional. Precisamos que haja alteração à legislação laboral que revoguem as normas que impedem a negociação da contratação coletiva: a caducidade das convenções, precisamos de repor o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador, e precisamos de revogar as normas que fomentam e permitem a precariedade das relações de trabalho. A precariedade dos vínculos é uma forma também de baixar os salários e as condições de trabalho. Também precisamos que haja resposta à desregulação dos horários, à conciliação da vida pessoal e profissional, que haja resultados para os trabalhadores dos avanços da ciência e da técnica, que permitem produzir em menos tempo, com menos trabalhadores. A intensificação da luta dependerá da resposta ou não a estas necessidades que os trabalhadores têm.
Referiu a questão da contratação coletiva. Perante este cenário de subida acelerada de preços, tem sido mais difícil garantir essa dinâmica no início do ano? Há estagnação?
Temos já praticamente uma estagnação da contratação coletiva mesmo sem este aumento da inflação, devido precisamente ao bloqueio que é feito pelas associações patronais e pelas empresas em negociarem a atualização das tabelas salariais, a melhoria das condições de trabalho. A contratação coletiva só faz sentido para o progresso e melhoria nas condições de trabalho. Negociar para retirar direitos ou para não garantir melhoria ou avanços nas condições dos trabalhadores não é negociar contratação coletiva. É aceitar a derrota. O que temos neste momento é uma dificuldade muito grande de negociação das convenções coletivas devido ao bloqueio que é feito pelo patronato com a ferramenta da caducidade das convenções, que está no Código do Trabalho.
A incerteza sobre a variação de preços não está a limitar as negociações?
Naturalmente, as associações patronais socorrem-se de todos os argumentos. Quando não é porque está a haver crise é porque vai haver crise ou porque já houve crise. Nunca é momento para aumentar salários. Agora, será a luta dos trabalhadores que também o determinará. Será a sua unidade, a sua ação. Um grande 1º de maio neste domingo será também uma afirmação muito grande da exigência que os trabalhadores colocam na resposta aos seus problemas. Mas este problema da inflação serve também de argumento agora para as associações patronais e as empresas dizerem que não há condições. Isto não é verdade. Os custos com os salários e os trabalhadores têm um peso relativamente pequeno nos custos das empresas. Não é por aí que as empresas se viabilizam ou não. É de cerca de 16% em média, poderá ser um pouco mais nas mais pequenas. Mas não é isso que de facto pesa nos orçamentos das empresas. Há todas as condições, há riqueza suficiente para haver alteração e aumento dos salários.
O governo quer fechar até julho um acordo de competitividade e rendimentos, introduzindo mudanças no IRS e no IRC. Nesta fase já é possível perceber o que é que o executivo pretende fazer? E, com base na informação que terá sobre o acordo, a CGTP admite assiná-lo?
A minha resposta vai ser rapidíssima. Não temos nada. Não há qualquer proposta do governo, não nos foi apresentado rigorosamente nada. A única coisa que conhecemos são as declarações de intenção que sã propagandeadas quer pelo primeiro-ministro quer pelo governo. De resto, temos o programa do governo, que tem algumas indicações. O que dizemos é que a CGTP, como sempre fez, assinará qualquer acordo que de facto constitua um avanço nas condições de vida e de trabalho.
Outro dossiê para a discussão é a Agenda do Trabalho Digno, que já não voltará a Concertação Social, com o programa do governo a excluir à partida duas questões introduzidas no final da última legislatura: o aumento das horas extra e também o aumento da indemnização por cessação de contrato de trabalho. Teme que estas duas matérias fiquem de fora?
Temo é que o governo mantenha a proposta que esteve em discussão pública em final de outubro do ano passado, porque o governo colocou já uma proposta de alterações à legislação laboral em discussão pública e a intenção que tem revelado é de que essa proposta será enviada à Assembleia da República diretamente sem ir à Concertação Social. Já foi lá discutida a Agenda do Trabalho Digno. A CGTP colocou as suas propostas e aquilo que considera serem conclusões que não resolvem os problemas estruturais. Não resolvem o problema da contratação coletiva, não resolvem o problema da precariedade. Tem alguns paliativos. Não resolvem o problema do embaratecimento e facilitação dos despedimentos, introduzidos no tempo da troika pelo governo PSD-CDS. Não resolvem os problemas dos horários de trabalho e da sua desregulação. Mantêm a desregulação que faz com que os trabalhadores trabalhem por turnos, em laboração contínua, em empresas que não têm qualquer necessidade de utilizarem esse tipo de horários. E a desregulação dos bancos de hora, dos mecanismos de adaptabilidade, que infernizam a vida dos trabalhadores. Tudo isso se mantém, com agravante de introduzir na proposta que esteve em discussão pública limitações à atividade sindical, que para a CGTP são inaceitáveis. A liberdade e a atividade sindical é uma questão fundamental que tem de estar garantida. Vamos ver o que é apresentado à Assembleia da República. Depois de vermos a proposta de lei em concreto daremos o nosso parecer, esclareceremos os nossos trabalhadores, e iremos organizá-los para a luta também caso seja necessário.
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Sendo a CGTP uma estrutura ligada ao PCP, como é que assiste à forma como o partido se tem posicionado desde que a Rússia invadiu a Ucrânia?
A CGTP não é uma estrutura ligada ao PCP. É uma organização sindical em que estão muitos comunistas, é verdade. Mas estão também muitos socialistas, muitos membros do Bloco de Esquerda, muitos sem partido, muitos membros do Partido Ecologista Os Verdes, muitos católicos de vários partidos. Foi esta a nossa génese, foi assim que nos fundámos. É um projeto em que o caráter unitário é muito importante. Não há aqui qualquer dependência. A CGTP tem a sua própria posição relativamente à guerra na Ucrânia. É uma posição de condenação desta guerra. Como sempre, as guerras têm consequências gravíssimas para os trabalhadores e para as populações daqueles países. Temos uma posição muito clara de solidariedade por todos os que são afetados pela guerra na Ucrânia, de apoio a todos os que precisam e, principalmente, de luta pela paz, de garantir que todos os esforços são feitos para se conseguir que haja um cessar-fogo naquela guerra e em todas as outras. A luta pela paz faz parte também da génese da CGTP.
