"A comida pode ajudar na geopolítica." A receita de Poiares Maduro, um "chef improvável"
Será que a comida pode ajudar a resolver conflitos? E os governos podem governar melhor se estiverem bem alimentados? Miguel Poiares Maduro não tem dúvidas de que a resposta é "sim"
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Tudo é comida e a comida está em tudo. Esta é uma das conclusões a que chegou Miguel Poiares Maduro, antigo ministro, professor universitário, que, há vários anos, também se dedica a "refletir" sobre a comida e a cozinhar.
Miguel Poiares Maduro é um dos participantes numa conversa esta tarde no Museu Soares dos Reis, no Porto, sobre o impacto da restauração na economia e no planeta Terra.
Longe de se considerar um "chef" ou um académico nesta matéria, o professor universitário da área das ciências sociais explica que a paixão pelos tachos e panelas nasceu porque, antes de mais, "gosta de comer" e isso acabou por levá-lo mais longe. "Como muitas vezes acontece com coisas de que eu gosto, depois comecei a pensar sobre elas, refletir sobre a gastronomia, sobre a comida, para lá do ato simples de comer."
Uma reflexão que acabou por levá-lo a um outro olhar sobre aquilo que comemos, como um "ato social total", como dizia Marcel Mauss, sociólogo e antropólogo francês. "De certa forma, até é estranho que não seja mais estudada, do ponto de vista filosófico e de outras ciências", já que cruza praticamente todas as áreas, como a economia, o turismo, o agroalimentar, a História e até a Arte.
E prossegue Miguel Poiares Maduro: "Neste momento, há mais pessoas a visitarem o Peru para comer do que para conhecer Machu Pichu (...); do ponto de vista histórico, através do que comemos, conhecemos parte dos locais por onde Portugal andou e podemos falar da História portuguesa; vamos ao Japão, vemos a tempura e percebemos que os portugueses estiveram lá."
Na Arte, "penso, por exemplo, nas naturezas-mortas que usaram a gastronomia, cenas de comeres, de jantares, de ceias, como representativas e como inspiração".
Em tempos em que os nacionalismos parecem despertar de novo, Poiares Maduro gostaria que a alimentação continuasse a servir de fator de equilíbrio e de ponto de encontro entre povos e culturas diferentes. E a esse propósito, há um episódio que serve de exemplo. Aconteceu nos idos de 2010, ainda antes de o antigo ministro entrar para o Governo, e juntou à mesma mesa, académicos israelitas e palestinianos.
"O primeiro dia de discussão foi muito tenso. E foi ao jantar em minha casa, em Florença, que o ambiente desanuviou por completo, através daquilo que conversámos sobre comida. Porque israelitas e palestinianos têm imensos pontos de contacto relativamente aos seus pratos tradicionais. É um bom exemplo de como a comida pode ajudar na geopolítica."
O antigo ministro do Desenvolvimento Regional do Governo de Passos Coelho não esconde que ficou a conhecer melhor o país através daquilo que, muitas vezes, foi-lhe posto na mesa em visitas oficiais. "Foi uma das coisas boas que a política me deu." E revela que, nesses tempos, chegou a cozinhar algumas vezes para os colegas do Executivo.
Quanto à importância de uma boa alimentação no desempenho de um Governo, Miguel Poiares Maduro não tem dúvidas de que comer e dormir bem são fundamentais para uma boa governação. "Estar bem nutrido e ter comido muito são coisas diferentes, da mesma forma que gastar bem também não é a mesma coisa que ter cofres cheios."