A homenagem "punk" a RAP. "Equivalente aos Beatles fumarem erva em Buckingham"
O humorista participou no programa "Escritores no Palácio de Belém", onde, em conversa com jovens - e sob o olhar atento do presidente da República - falou sobre literatura ou o acordo ortográfico.
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Não foi o suficiente para se comover, mas foi com visível satisfação que Ricardo Ricardo Pereira (RAP) assistiu, já no final de mais uma edição de "Escritores no Palácio de Belém", a uma espécie de versão de uma das rábulas musicais mais recordadas pelos fãs do grupo "Gato Fedorento".
"Tu vais fechar a pestana / e fazer para sempre ó-ó / Nós vamos passar a ser húmus / que é uma espécie de cocó", cantaram - a uma só voz e com o auxílio de uma guitarra -, na varanda do Palácio de Belém, alguns dos alunos do Agrupamento de Escolas da Murtosa, em Aveiro, que, esta terça-feira, junto do humorista, conversaram sobre temas como a literatura, o "amor" de RAP pelas palavras, o acordo ortográfico ou os limites do humor.
"A minha comoção pelo facto de terem feito esta surpresa só tem paralelo com o embaraço que causaram, porque, ao mesmo tempo que cantavam, decorria ali naquela sala uma reunião ao mais alto nível entre o presidente da República e o presidente do Supremo Tribunal de Justiça", atirou Ricardo Araújo Pereira, depois de ouvir a interpretação da rábula "Rústicos pelo Epicurismo".
Um "momento punk" e que, segundo o convidado para as conversas em Belém, terá sido mesmo o "equivalente aos Beatles fumarem erva no Palácio de Buckingham".
Antes, no interior do Palácio, o escritor, humorista e guionista conversou com os alunos e respondeu a perguntas durante cerca de duas horas, tendo sido questionado sobre várias matérias. Desde logo, sobre qual é, afinal a profissão de RAP.
"Em português a palavra escritor tem um peso que eu, como é óbvio, não suporto", afirmou, para, mais tarde, já no final da sessão, ser contrariado pelo presidente da República, que, por duas vezes - e com alguma veemência - insistiu que os convites são feitos a "escritores, a escritores", disse Marcelo Rebelo de Sousa, que lamentou que, durante a sessão, os alunos não tivessem colocado mais questões sobre obras, ao invés do maior interesse pelos antigos programas de humor realizados por Ricardo Araújo Pereira: "Preferiram privilegiar um pouco de tudo", assinalou.
Ainda assim, e porque o programa "Escritores no Palácio de Belém" tem como objetivo estimular a leitura, durante o encontro, o autor, auxiliado pelos alunos, analisou textos como o "Soneto Já Antigo", de Álvaro de Campos, ou "Fim de Dia", do cubano Eduardo Heras Léon, aproveitando para salientar a importância de ler e de ter os livros como fiéis companheiros.
"Não digo isto como quem diz que é importante comer a sopa, mas é de facto muito importante", disse, acrescentando que o exercício de "saber porque é que estão ali aquelas palavras e não outras é muito importante".
E, reforçando a ideia, Ricardo Araújo Pereira conclui: "Esse exame e esse trabalho de detetive são essenciais para saber o que está no papel, mas também para ler o que está à nossa volta". Um conselho do humorista que, perante jovens adolescentes, não perdeu a oportunidade de sublinhar o "amor" que diz ter pelas palavras.
"Se eu quero explicar a uma pessoa que gosto dela eu recorro mais vezes a palavras do que beijos. Eu gosto mais de palavras do que de beijos. Quer dizer, às vezes...", explicou, por entre os risos dos cerca de 40 alunos que marcaram presença em Belém.
Na sessão, o humorista e escritor aproveitou ainda a pergunta de um dos alunos para, em jeito de crítica, deixar um recado a Marcelo Rebelo de Sousa sobre o Acordo Ortográfico.
"É uma pena o senhor presidente agora não estar cá porque queria fazer pressão", disse, num momento em que o chefe de Estado se tinha ausentado da sala para, ali ao lado, marcar presença numa audiência.
O programa "Escritores no Palácio de Belém" decorre até ao dia 5 de junho, convidando um total de 21 autores para as conversas.