São mais de um milhar e revelam a sabedoria popular de "um povo alegre".
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A recolha começou a ser feita em duas freguesias do Algarve, Boliqueime e Paderne, há cerca de 30 anos. José Ruivinho Brazão iniciou o seu trabalho de campo com a procura de provérbios. O estudo estava a ser feito junto de pessoas mais velhas, que tinham esse conhecimento popular. Mas depressa percebeu que podia ir mais longe.
"De repente comecei a ouvir as senhoras em surdina, a dizerem coisas que davam vontade de rir", conta. Eram as adivinhas, algumas com textos com alguma malícia. E meteu mãos à obra. Em todos estes anos, desde 1994 até 2022, este mestre em Literatura Portuguesa Medieval e antigo professor, reuniu mais de um milhar de adivinhas. Elas foram recolhidas no Algarve, mas são património de todo o país.
Arnaldo Saraiva, professor da Universidade do Porto, que prefacia o livro, acompanhou este estudo em todo o seu percurso e realça que J. Ruivinho Brazão "(...) conseguiu reunir o maior número [de adivinhas] que já alguém recolheu em Portugal, não a partir do que foi publicado, até em etnografias, mas diretamente da boca de muitos algarvios (...)".
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Segundo Ruivinho Brazão, a cultura da oralidade está muito ligada ao mundo rural. "Há a ligação aos animais, às plantas, às sementeiras", afirma. E, para exemplificar o que diz, atira uma adivinha "Mexe mexe mexe/ mexe mexe mexe/ quanto mais nele se mexe/ mais se põe em pé" e logo atira a solução: "É o dorso do gato".
Muitas vezes, o objetivo da adivinha é usar metáforas, que leve o ouvinte a pensar em situações que têm diferentes conotações, com algum atrevimento. "Mas há simplicidade", garante. "Este povo, de origem, é um povo que gosta de se divertir", salienta o escritor.
No livro, que tem todas as adivinhas por ordem alfabética e por temas, não faltam ligações ao corpo humano, à família, aos números ou letras.
O antigo professor de português gostava que, com o passar do tempo, esta tradição oral permanecesse. Lembra que levou a diferentes escolas duas das pessoas que lhe deram a conhecer muitas adivinhas e os jovens mostraram entusiasmo. "Os jovens vinham ter com as senhoras e queriam saber mais", recorda. "Se a escola não agarrar esta recolha, perde-se uma parte notável da nossa identidade comunitária", lamenta.
Para que todo este saber popular permaneça na memória de sucessivas gerações, este livro foi editado pela Associação de Pesquisa e Estudo da Oralidade. Está prefaciado e será apresentado por Arnaldo Saraiva esta quinta-feira na Biblioteca Municipal de Loulé e sexta-feira na Biblioteca Municipal de Albufeira.