A memória que Quarteira guarda: quando 260 pessoas passaram de um bairro da lata para casas com água e luz
O bairro da lata de Quarteira ou Bairro dos Pescadores, como era conhecido, nos anos 80 e 90 do século passado, era considerado a grande “chaga” de uma região que queria mostrar um rosto lavado para o Turismo
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A seguir ao 25 de Abril, com a vinda para Portugal de muitas pessoas oriundas das ex-colónias em África, e sem haver habitação para acolher toda a gente, as barracas que os pescadores de Quarteira tinham na zona junto ao mar transformaram-se em abrigos para muitas famílias.
“Aquilo começaram por ser barracas de madeira em que os pescadores guardavam lá os utensílios da pesca”, lembra o ex-presidente da Câmara Municipal de Loulé. Sebastião Seruca Emídio, na altura ainda vereador do PSD (mais tarde presidente da autarquia), recorda que essas habitações precárias "foram-se desenvolvendo e expandindo, e criando mais casas com divisões, sem condições nenhumas de salubridade". As barracas não tinham água, nem luz ou saneamento básico.
O bairro da lata confinava com os hotéis de Vilamoura e o local começou a ser zona de tráfico de droga. “Começamos a ter problemas gravíssimos com a droga em Quarteira, com o impacto que toda aquela imagem tinha no comércio, no turismo, na própria população”, conta. Na altura, o socialista Joaquim Vairinhos era o presidente da Câmara Municipal de Loulé, e foi com ele que teve início o processo de realojamento e demolição das barracas. Na autarquia, os dois partidos — PS e PSD — tiveram noção de que o problema não podia continuar e uniram-se.
Com fundos comunitários e muito dinheiro da própria autarquia, a Câmara Municipal de Loulé começou a construir o Bairro Social da Abelheira. Foi um processo de realojamento longo, de mais de 260 pessoas. Começou com o socialista Joaquim Vairinhos, em 1996, e só terminou com Seruca Emídio, já presidente, em 2011.
O antigo autarca lembra um episódio curioso e que fez a diferença: a autarquia decidiu destinar neste bairro dois ou três apartamentos a militares da GNR que estavam deslocados em Quarteira e que, tal como hoje, tinham dificuldade em arranjar habitação. A estratégia resultou e desta forma garantiram mais segurança no bairro. "Foi um processo de sucesso", garante. Conta que não passa há muito tempo pelo local, mas "aquilo mantinha-se sempre em condições, com as pessoas a conviverem plenamente". "Eu sentia que havia por parte delas um sentimento de gratidão", confessa.
Por esse motivo, dificilmente percebe o que se passa hoje em Loures e na Amadora, com demolições a acontecerem há dois dias consecutivos e pessoas a ficarem sem teto. Seruca Emídio espera que as duas câmaras municipais elaborem um plano para realojar quem fica sem casa. “Nem consigo conceber de outra forma, que as pessoas fiquem na rua desamparadas”, sustenta.