A segunda vida dos bonecos de Estremoz à "boleia" do Património Mundial
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Um centro interpretativo dedicado aos bonecos de Estremoz abriu portas esta segunda-feira naquela cidade alentejana. Há 250 peças a ocupar um palácio requalificado, num projeto que ambiciona valorizar esta técnica artesanal e os próprios artesãos, após o reconhecimento obtido pela Unesco em dezembro de 2017.
As figuras de barro de Estremoz passaram a integrar a Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da Humanidade da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, garantindo a sobrevivência de uma tradição secular. Que o diga Hugo Guerreiro, que representa o património na autarquia alentejana.
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"Graças à classificação da Unesco, em apenas três anos, assegurámos a sobrevivência desta especificidade, que é única em termos mundiais. Quando eu morrer, morro descansado", assume à TSF, enquanto dá conta de resultados imediatos logo após o reconhecimento mundial.
As vendas do figurado de barro dispararam e a atividade passou a ser atrativa para o negócio. "O boneco de Estremoz ganhou uma notoriedade que não tinha", diz, numa altura em que já há um conjunto de novos artesãos a trabalharem na arte estremocense. "Posso dizer que temos mais três artesãos certificados e estão vários na calha para serem certificados", revela.
Em 2017 havia falta de mãos para moldar o barro. Ricardo Fonseca, na casa dos 30 anos, era o artesão mais novo de Estremoz, porque os mais jovens estavam de costas voltadas para os bonecos, ameaçando seriamente o futuro.
A mediatização alcançada pela barrística de Estremoz foi de tal forma meteórica que toda a arte passa a estar disponível no centro interpretativo inaugurado esta segunda-feira. Dois célebres "Josés" dão as boas-vindas, porque tanto Saramago como Régio deram contributos relevantes para a promoção dos bonecos de Estremoz.
Pelas salas, a Primavera, o Amor é Cego, a Bailadeira, os (cada vez mais) concorridos presépios vão ter o seu espaço para exibição permanente no Palácio dos Marqueses da Praia e Monforte, entre um total de aproximadamente 250 peças, cuja produção recua até ao século XVII.
"Temos uma vitrina com figurado do século XVII ao XIX, para o visitante ter noção que é uma tradição que, ao contrário do que muitos pensavam, não vem do Estado Novo", sublinha, antes de passarmos às janelas que homenageiam os artistas do passado. Esses resistentes que não deixaram a tradição acabar, depois de no século XIX Estremoz ter registadas 24 oficinas abertas ao público, com vendas pelo mundo.
Atravessamos a sala de produção e eis que chegamos ao espaço mais relevante do centro interpretativo, onde é dada "a valorização necessária às pessoas que produzem", nota Hugo Guerreiro, destacando a pequena biografia à boleia de um texto e transmitida com recurso a um tablet que dá voz aos "artistas".
"São histórias de vida, onde contam como começaram com os bonecos", revela, no meio de uma sala que partilha exemplares de todos os barristas locais, com Alentejo por toda parte, como se de uma inspiração única se tratasse. "E é mesmo isso. As mulheres só conheciam esta região e representavam o que viam. Do trabalho no campo, às igrejas", exemplifica.
Percorrida a teoria, também há uma porta aberta à prática. Quem quiser pode meter as mãos no barro. Parece fácil fazer uma simples bola, mas, afinal, não é para todos. Também por isso Hugo Guerreiro garante que o novo centro interpretativo tem abordagens para ser visitado mais do que uma vez. "As pessoas vão descobrir sempre novos detalhes quando cá voltarem."
