A síria que em Braga se sente em casa e o refugiado que queria passar a ferro
Khuloud e Idres abandonaram uma Síria em guerra, mas têm experiências diferentes para contar. Khuloud sente-se em casa. Já Idres espera a oportunidade para se juntar à família e aos amigos que estão refugiados na Alemanha e na Noruega.
Corpo do artigo
Veio para Portugal fazer uma mestrado em engenharia eletrotécnica e está a trabalhar na EDP. Idres Sedo passava a ferro na Síria e aqui arranjou um emprego numa estufa.
Ele diz poucas palavras em português e já aprende a língua com as três filhas, de 7 e 8 anos, que estão na escola primária, em Braga.
Ela faz o que gosta e fala português fluentemente e, inclusivamente lançou em Braga o projeto Speak, para pôr em contacto locais, refugiados e migrantes.
TSF\audio\2018\07\noticias\02\bb
Na esplanada do café A Brasileira, Khuloud fala ao telefone com Idres para combinar uma visita à casa da família de refugiados sírios que vive em Braga. A história de Khuloud é muito diferente da de Idres e da mulher, Nisreen.
Khuloud, síria de Damasco, está em Portugal há três anos e meio: "Cheguei ao Porto através de uma bolsa de estudos, a Global Platform for Syrian Students, fiz um mestrado em Engenharia Eletrotécnica no ISEP e estou a trabalhar na EDP em Braga".
E é o orgulho do pai, também engenheiro eletrotécnico, que continua a viver em Damasco. "Ele ficou mesmo feliz por eu estar a trabalhar".
Fala com ele e com a mãe todos os dias, por telefone ou por Skype. E para além das saudades, há outro sentimento que a aperta: a preocupação. "A guerra começou em 2011 e a minha família ainda vive em Damasco. Sempre ouvimos os bombardeamentos, as pessoas quando saem de casa não têm a certeza que vão voltar, falta eletricidade e água. Os meus pais, são mais velhos e é muito difícil para eles sair e começar uma nova vida noutro país", conta.
Ao contrário dos pais de Khuloud, Idres e Nisreen, com 35 anos e três filhas, fugiram da Síria à procura dum futuro melhor.
Eles saíram de Alepo a pé em direção à fronteira com a Turquia e contam que foi "muito difícil, muito perigoso". As miúdas tiveram medo. Estiveram em Izmir, uma cidade de fronteira na Turquia, e depois passaram para a Grécia, de barco, numa travessia do mar Egeu que durou quase quatro horas.
Nisreen passou essas quatro horas dobrada a olhar para baixo, com medo. Agora já consegue rir-se quando se fala no assunto.
Na Grécia, o caminho levou-os até à Macedónia, onde chegaram no dia 1 de março de 2016, precisamente na altura em que os países da antiga Jugoslávia fecharam as fronteiras, impedindo a entrada de refugiados. Isso fez com que tivessem ficado meses num campo de refugiados. Idres conta que as condições no campo era "muito más". "As mulheres e raparigas não acompanhadas viviam num medo constante por causa de violações. Faltava segurança, faltava comida. Chovia dentro das tendas. Quando estava sol, fazia muito calor. Era muito mau", recorda.
Ao contrário de Khuloud, Idres e Nisreen não têm como objetivo ficar em Portugal. Eles têm família e amigos também refugiados na Alemanha e na Noruega e gostavam de se juntar a eles.
Na Síria, Idres passava a ferro - é isso que gosta de fazer - aqui está a trabalhar numa estufa.
Para além disso, está prestes a acabar o suporte que têm cá da Plataforma de Apoio aos Refugiados. Por isso, não sabem muito bem como vai ser o futuro. E por isso também não demonstram muito interesse em aprender português, apesar da insistência de Khuloud.
Khuloud trouxe para Braga o Speak, um projeto de integração de migrantes e refugiados. Quando chegou, teve esse problema, "não falava a língua, não conhecia ninguém".
Ela quer ajudar migrantes e refugiados a integrarem-se na comunidade. Quem quiser pode inscrever-se na plataforma para aprender novos idiomas. Ela ensina árabe, mas há quem ensine português, francês e italiano. "Mudar de país não é uma coisa fácil. Quando cheguei, encontrei desafios como a língua cultura e fazer amigos, mas ajudaram-me a adaptar", relembra a síria que escolheu "o português para língua de comunicação"
Esse era ponto assente para Khuloudquando chegou: queria aprender português o mais depressa possível: "Ia a aulas de mestrado e não percebia nada, mas queria ouvir só para praticar e habituar-me à língua".
Começou a ler livros de crianças para praticar. Lia o Ali Babá e os 40 ladrões e repetias as mesmas frases vezes sem conta.
Agora, até já lê poesia. Gosta de Fernando Pessoa e é fã de Sophia de Mello Breyner, embaixadora desta língua portuguesa e desta pátria, que ela aprendeu a amar.
Mesmo quando lhe "dói a lua" lhe "soluça o mar". "E o exílio se inscreve em pleno tempo". Palavras de Sophia.