A sua carga é perigosa. O que distingue estes motoristas dos outros nas estradas?
São precisos três a cinco dias de formação para que um motorista esteja habilitado a conduzir matérias perigosas pelo país. A formação é muitas vezes paga pelo bolso dos formandos e considerado um investimento.
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Afinal, o que é que diferencia um motorista de matérias perigosas dos outros motoristas? A resposta é: formação. Para transportarem gases, líquidos inflamáveis, matérias comburentes, tóxicas ou infecciosas, por exemplo, os motoristas têm de ter a chamada carta ADR, uma licença emitida pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes que deve ser renovada de cinco em cinco anos. Além disso, para conduzirem cisternas precisam de formação suplementar. Se quiserem transportar materiais radioativos ou explosivos têm de fazer um curso especial.
"Quem é que se lembra do que é o nosso ADR?", questiona Anabela Horto, formadora da Logisformação, uma da empresas certificadas pelo IMT. Os alunos respondem: "Acordo Europeu Relativo ao Transporte Internacional de Mercadorias Perigosas por Estrada". Está tudo num grande livro pousado na mesa de Anabela.
O objetivo deste Acordo Europeu é garantir a segurança de pessoas, bens e ambiente. No livro estão todas as regras e a longa lista de produtos considerados perigosos. São mais de 4 mil, impossíveis de decorar. "Não vão andar com esta bíblia atrás de vocês, é impossível", avisa a formadora.
Na Logisformação, os motoristas que estão a tirar a carta ADR-base têm três dias de aulas e os que vão tirar a carta ADR-cisternas têm dois dias a mais, ou seja cinco no total, divididos entre aulas teóricas e aulas práticas. Nas teóricas aprendem, por exemplo, as várias classes das matérias perigosas e os sinais (painéis e etiquetas) que as representam. Um exemplo é o painel laranja com um número em cima e um número em baixo, normalmente colocado na traseira das cisternas. Uma cisterna que transporte gasolina deverá ter um 33 em cima (número que indica o tipo de produto, neste caso, um líquido muito inflamável), e 1203, número que identifica a gasolina.
Nas aulas práticas, dadas por um bombeiro, os motoristas fazem simulação de incêndio e ficam a saber quando e como devem atuar. A formadora Anabela Horto explica que um motorista de matérias perigosas nunca deve atuar sobre a carga. "A função do motorista será, primeiro, proteger-se, isolar a área e chamar o 112, porque nunca devemos atuar na carga. Mas imagine que existe um foco de incêndio no motor... aí sim, os extintores existem e o motorista pode utilizá-los. Agora, na carga em si, no produto, o motorista não pode atuar."
"Os riscos a que os motoristas estão expostos dependem das matérias que transportam. Se forem mantidas todas as condições, se cumprirem todos os requisitos do ADR, é muito difícil acontecer um acidente. Não quer dizer que ele não aconteça, pode acontecer, mas se virmos, quando é que se lembram de ouvir falar de acidentes com matérias perigosas?", questiona Anabela Horto.
Um dos motoristas que está a receber formação, conta que a fiscalização é apertada. "Por ano, mandam-me parar umas quatro ou cinco vezes", diz Paulo Pereira, que habitualmente transporta botijas de gás. O seu maior cuidado prende-se com a forma como a carga é acondicionada e manipulada.
Os custos da formação nem sempre são suportados pelas empresas. Anabela Horto revela que entre a formação, o teste psicotécnico - a que também estão obrigados - e a carta, os motoristas gastam "no mínimo dos mínimos 450 euros". Despesas que Mário Fernandes encara agora como um investimento. Quem sabe se não arranja um trabalho no terminal de Setúbal, a zona onde vive?
Quanto ao protesto dos motoristas de matérias perigosas, a formadora está solidária. "Eles têm um salário base muito reduzido [630 euros], têm que saber negociar com as empresas e percebo que eles queiram uma categoria profissional. Estou completamente de acordo, eles são sujeitos a uma formação que é um pouco exigente, têm que estudar, e deveriam ter uma categoria à parte."