A terra onde só vive um homem, mas que se enche pelas festas de Santo António
Em Vale de Poldros, Monção, já só há um habitante. Mas na festa em honra de Santo António a aldeia volta a ter vida.
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Na Branda de Santo António de Vale de Poldros, freguesia de Riba de Mouro, concelho de Monção, já só há um habitante, mas a festa em honra do santo continua a fazer-se com a vizinhança em romaria.
Além de agosto, quando acontece o regresso dos emigrantes, esta é das poucas alturas do ano em que a aldeia se enche de gente para a procissão e os bailaricos de Santo António.
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No topo da Serra da Peneda, vive Fernando Gonçalves, junto a um povoado de cardenhas - casinhas toscas de pedra que já foram abrigo de verão para o povo e gado da aldeia.
"Vinham de maio a setembro, normalmente as pessoas mais idosas e crianças. Traziam vacas, cultivavam batatas e centeio, além do pastoreio", recorda Fernando. "Como era o irmão mais velho, já não vinha os verões completos, só o meu irmão e a minha mãe. Comecei a trabalhar aos 14 anos".
Esteve emigrado em Andorra mas há 15 anos decidiu regressar a casa. "No princípio foi difícil. Estamos acostumados a vir cá de férias mas, quando os emigrantes vão embora, a realidade é diferente. O silêncio fazia-me mal, porque nos acostumamos ao barulho", conta.
Fernando habituou-se e quando lhe perguntamos como se sente ao viver sozinho no monte responde que "é como viver num edifício de 40 andares, não conhecemos os vizinhos, é a mesma coisa".
Para contrariar o isolamento, decidiu abrir um restaurante no rés-do-chão da casa - um edifício que foi construindo com as próprias mãos sempre que vinha de férias a Portugal.
Nunca pensou virar cozinheiro mas "não havia pessoas que quisessem trabalhar e então comecei a fazer o que os clientes me pediam, sobretudo grelhados e carne daqui. Se a carne for boa, não faz falta muita coisa".
Há cinco anos encontrou Kelson Boa Esperança, jovem de São Tomé e Príncipe que veio parar a Melgaço com uma bolsa de estudo e decidiu aceitar emprego em Vale de Poldros, a 45 minutos de casa. "Por acaso damo-nos bem, já somos família e é o que me tem feito continuar", conta Fernando Gonçalves, padrinho da filha de Kelson.
Além de Kelson, é a rádio que lhe faz companhia. Pela proximidade à Galiza, ouve muitas rádios espanholas, mas também portuguesas, sobretudo "programas que discutem assuntos, onde as pessoas dizem o que pensam, o que está bem e o que está mal".
Fernando leva-nos de carro a ver as cardenhas e a capela de Santo António de Vale de Poldros, onde, no fim de semana, os romeiros hão de fazer a festa. "É uma festa religiosa, tem umas tasquinhas, há bailarico e no domingo há a procissão. Depois há as arrematações dos quartéis, porque antigamente alugava-se estas casas para as pessoas que vinham antecipadamente para as novenas".
Hoje já ninguém fica cá a dormir para as novenas a Santo António, mas as rendas dos quartéis, como lhe chamam - as casas em volta da igreja - continuam a ser leiloadas por períodos de três anos. "Tenho uma que arrematei por 800 euros por ano. A quem quiser para cá vir eu dou trabalho".