Em outubro de 1974 começaram as Campanhas de Dinamização Cultural e Ação Cívica do MFA, que duraram até 25 de Novembro de 1975.
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"Está a ver o lago que está aqui?", pergunta Gabriel Gonçalves, apontando para a enorme massa de água que temos à nossa frente. Gabriel Gonçalves, 82 anos, e Gilberto Pereira, 75 anos, engenheiros agrónomos, há muito tempo que não regressavam à barragem de terra que ajudaram a construir. Fica na Cortelha, em plena serra do Caldeirão. A obra resultou das Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA. Um projeto nacional que começou poucos meses depois do 25 de Abril de 1974. "Era o espírito de Abril", assegura Gabriel. "Em tudo o que fazíamos tentávamos envolver a população, para que sentissem que deixavam obra para os seus vindouros", acrescenta.
A revolução dos cravos fez-se num só dia, mas nos que lhe seguiram o Movimento das Forças Armadas (MFA) percebeu que era preciso levar informação a todo um território que tinha vivido 48 anos em ditadura. Explicar o que era viver em democracia, ter eleições livres, criar um país diferente e igualitário. No âmbito da 5.ª divisão do MFA é criada a Comissão Dinamizadora Central (CODICE), liderada pelo médico e militar da armada Ramiro Correia. As Campanhas de Dinamização do MFA são lançadas em outubro de 1974 e a primeira, a que chamaram Nortada, segue para o Norte do país. Nestas iniciativas itinerantes, os militares iam acompanhados de atores, músicos, artistas plásticos que levaram cultura onde ela nunca tinha chegado. "A título gracioso foram por esse país fora porque viram uma oportunidade de descentralização cultural", lembra Sónia Vespeira de Almeida. A professora da Universidade Nova de Lisboa, que realizou o seu doutoramento sobre estas campanhas, considera que este foi um dos movimentos mais emblemáticos e que mostrou um grande dinamismo da sociedade civil portuguesa.
José Maria Oliveira, que integrou um desses grupos que percorreu o interior algarvio, salienta que "praticamente todas as noites" se faziam à estrada, para "mostrar o que era uma cooperativa, o que era um voto, o que era viver em democracia", conta.
Num segundo momento, o MFA percebe que as pessoas precisam mais do que esclarecimentos e que é necessário arregaçar as mangas para responder aos anseios da população.
Num país interior onde faltava quase tudo, desde luz elétrica, saneamento básico e água canalizada, militares e civis colocaram mãos à obra. "Fizemos muitos caminhos, muitas fontes, barragens, criámos cooperativas", recorda Gabriel Gonçalves. Os militares começaram a ser acompanhados por serviços do Estado, como as direções de agricultura, que ajudavam nos trabalhos.
Em Castro d'Aire, Viseu, realizou-se a Campanha de Dinamização Cultural e Ação Cívica que durou mais tempo. Perdurou além da existência da própria CODICE, extinta após o 25 de Novembro de 1975. Ali, os médicos assistiram a população que não tinha assistência, e veterinários conseguiram travar um surto de brucelose que nessa altura estava a dizimar o gado.
No verão de 1974 foram também lançadas as Campanhas de Alfabetização e Educação Sanitária, que levaram estudantes universitários e professores a vários pontos do país. A intenção era alfabetizar um país que tinha ainda 25% de pessoas que não sabiam ler, nem escrever. Entre as mulheres, o analfabetismo era ainda maior, ultrapassava os 30%. Ana Maria Barbosa, na altura com 19 anos, integrou uma dessas brigadas formada por quatro jovens e que se dirigiu para uma aldeia de Trás-os-Montes. "Dormíamos nos bancos da igreja e tomávamos banho no riacho", recorda. Era um tempo de voluntarismo e vontade de mudar um país. "Não conseguimos ensinar uma única letra", lamenta. A população da zona queria apenas trabalhar porque pouco tinha que comer. "Comiam batatas, couves e às vezes feijão", conta. "Era tudo muito pobre, muito ostracizado", frisa.