Acidente com Elevador da Glória: "Houve uma política de tirar as gorduras até ao osso e tirar os ossos"
"Foi, de facto, uma visão com a preocupação muito grande de redução de custos, mas provavelmente se calhar reduziu-se nos sítios onde não se devia ter reduzido", disse o professor catedrático Fernando Nunes da Silva no Fórum TSF
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A falta de investimento na manutenção é uma das causas apontadas para o descarrilamento do Elevador da Glória, que matou 16 pessoas na semana passada.
O tema foi a debate no Fórum TSF desta segunda-feira, onde o ex-bastonário da Ordem dos Engenheiros, Carlos Mineiro Aires, criticou o enfraquecimento das empresas públicas.
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"Quando se reduz as gorduras das administrações e das empresas públicas, por exemplo, eu também estou de acordo com isso. Agora, houve uma política que foi de tirar as gorduras até ao osso e tirar os ossos e aí desmembrou se o corpo. Quando se desmembra o corpo, a administração fica enfraquecida, fica exaurida de quadros competentes que não são substituídos. E uma administração fraca, corresponde a um Estado fraco", disse Carlos Mineiro Aires.
O bastonário considera que o outsourcing é uma boa ferramenta, mas apenas se for bem aplicada: "Quando não se sabe o que se quer, não se consegue fazer um caderno de encargos para um outsourcing. Quando não se tem pessoas a enquadrar a atuação daqueles que se contratam, porque o outsourcing é feito para livrar umas empresas de custos fixos, desde que essas empresas saibam e tenham competência para fazer o que têm a fazer e desde que as empresas tenham quadros para enquadrar a atuação dessas empresas contratadas, não vem mal nenhum ao mundo, antes pelo contrário."
Fernando Nunes da Silva, professor catedrático de Urbanismo no Instituto Superior Técnico, concorda que uma política de cortes nos custos da administração pública tem consequências.
"O que é importante é saber que para fazer cadernos de encargos é preciso saber e conhecer as coisas, aquilo que se pretende e sobretudo depois saber fiscalizar e ter capacidade para fiscalizar. E foi isso que foi destruído na administração pública e nas empresas públicas. Foi isso que foi sendo destruído ao longo do tempo. E não é uma questão partidária porque isto vem de há muito tempo, atravessou vários governos, com várias composições. Foi, de facto, uma visão com a preocupação muito grande de redução de custos, mas provavelmente se calhar reduziu-se nos sítios onde não se devia ter reduzido", disse o especialista no Fórum TSF, considerando que foi um erro retirar a manutenção do Elevador da Glória à Carris.
O bastonário da Ordem dos Engenheiros, Fernando de Almeida Santos, pede investimento na segurança: "Já era claro que o problema tinha sido no cabo, não se sabia ao certo em que zona do cabo. Ainda é numa zona mais vulnerável, que é a zona de interligação com a cabine. Portanto, esclarecido isso, a sensação que dá é que tem de haver um rigor muitíssimo mais apertado na análise de todas as circunstâncias. Muito mais, claro que isto agora até parece fácil de dizer, depois de percebermos que as redundâncias ou os módulos adicionais de segurança não estiveram à altura do sinistro."
José Manuel Oliveira, da Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações (Fectrans), considera que o primeiro relatório do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF) levanta dúvidas.
"Nós não fazemos a análise técnica das coisas, mas fazemos uma apreciação até por aquilo que vamos ouvindo dos técnicos e parece-nos que efetivamente, pelo menos na ótica de muitas opiniões e do próprio relatório, levanta uma questão: é que o sítio que cedeu não é visível e não é objeto das chamadas avaliações diárias, portanto, daquelas que demoram 30 minutos. O que eu quero dizer que efetivamente que há olhar para todo este sistema de forma diferente, além de que é preciso tomar medidas para que no futuro estes equipamentos tenham outras redundâncias, outros sistemas de recursos eficazes", explica.
O elevador da Glória, em Lisboa, descarrilou na quarta-feira passada, causando 16 mortos e 22 feridos, entre portugueses e estrangeiros de várias nacionalidades.
O elevador da Glória é gerido pela Carris, liga a Praça dos Restauradores ao Jardim de São Pedro de Alcântara, no Bairro Alto, num percurso de cerca de 265 metros e é muito procurado por turistas.
