Ordem dos Advogados transmitiu aos profissionais nacionais uma decisão europeia que, embora reconheça ser "polémica", surge como mais um "embargo". Amnistia Internacional alerta para a necessidade de garantir que quem precisa de ajuda não fica sem ela.
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Os advogados estão proibidos de prestar, direta ou indiretamente, aconselhamento jurídico "ao governo de Moscovo ou a pessoas coletivas, entidades ou organismos estabelecidos na Rússia". É este o texto que se lê num comunicado divulgado esta segunda-feira pela Ordem dos Advogados, que cita uma decisão do Conselho da União Europeia lavrada a 6 de outubro.
No mesmo texto, assinado pelo bastonário da Ordem, Menezes Leitão, surgem quatro parágrafos com exceções à regra. De forma destacada, lê-se que esta proibição não se aplica à "prestação de serviços estritamente necessários ao exercício do direito de defesa em processos judiciais e ao direito a uma tutela jurisdicional efectiva".
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Menezes Leitão reconhece que "qualquer decisão que estabeleça restrições de serviços jurídicos suscita sempre dúvidas" e é "polémica", mas não deixa de assinalar que há uma guerra na Europa "e as sanções passam muitas vezes por embargos".
Para já, explica, a Ordem limitou-se a "transmitir a informação" aos advogados registados a nível nacional, até porque na decisão "também participou o Governo português". Mas, sublinha, "uma decisão deste tipo é sempre polémica", ainda que tenha natureza europeia.
"Que não sirva para não ajudar quem precisa"
Pedro Neto, diretor-executivo da Amnistia Internacional em Portugal, assinala o mesmo: proibir apoio jurídico é sempre perigoso, ainda que com exceções.
As sanções "são dirigidas ao governo, mas também há uma alínea que refere pessoas singulares ou coletivas, entidades ou organismos que, não pertencendo ao governo russo, podem estar ligadas". Numa outra alínea citada pelo próprio, "o texto diz mesmo, que facilitem a violação das proibições de evasão às disposições da decisão presente", ou seja, destas sanções.
Uma das aplicações práticas deste quadro, explica Pedro Neto, está na questão do consumo de gás russo "por interposta pessoa" a nível europeu: "Este documento é mesmo para tentar dificultar ao máximo esse contorno ao espírito das sanções e proibições."
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Em suma, a decisão tomada a 6 de outubro "acrescenta a outras decisões de sanções e a alarga a mais pessoas e a mais territórios, nomeadamente os que a UE e a comunidade internacional consideram Ucrânia, os oblasts que a Rússia quis anexar".
Importante, nota o responsável da Amnistia Internacional, é garantir que o direito constitucional de proteção jurídica a todos, mas também verificar que tal acontece sem que seja "aproveita para não ajudar quem necessita".
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Sem comparação possível com o que "os civis ucranianos sofrem no seu território", Pedro Neto cita o exemplo da perseguição que a dissidência russa sofre "já há muitos anos" e que se agravou com o início do conflito.
"Se alguém pedir ajuda ou asilo em território da União Europeia, terá de ser visto conforme o que diz a lei humanitária internacional e a legislação de cada país", avisa Pedro Neto, que espera que as sanções "não sirvam para não ajudar quem mais precisa".
O que é o aconselhamento jurídico?
No comunicado desta semana, a Ordem dos Advogados ajuda também a definir o que é e o que não é entendido como serviço de aconselhamento jurídico.
De acordo com o documento, e à luz da decisão europeia, ficam proibidos a prestação de aconselhamento "a clientes em matérias não contenciosas, incluindo transações comerciais, que envolvam a aplicação ou a interpretação da lei, a participação com clientes ou em seu nome em transações comerciais, negociações e outras relações com terceiros e a elaboração, execução e verificação de documentos jurídicos".
Já fora da definição estão "a representação, o aconselhamento e a elaboração ou verificação de documentos no contexto dos serviços de representação jurídica, a saber, em matérias ou processos perante agências administrativas, tribunais ou outros órgãos jurisdicionais oficiais devidamente constituídos, ou em processos arbitrais ou de mediação".